Amor com dinheiro se paga: autores divergem sobre indenização por Cybertraição

29/04/2016

Por Alexandre Morais da Rosa e Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes - 29/04/2016

O caso:

Um ex-marido infiel foi condenado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 porque manteve relacionamento com outra mulher durante a vigência do casamento. A traição foi comprovada por meio de e-mails trocados entre o acusado e sua amante.

O juiz da 2ª Vara Cível de Brasília entendeu que “[...] a simples comprovação da infidelidade atinge a honra subjetiva do cônjuge traído. Como se pode constatar, os “e-mails” trocados entre o requerido e MCMP, demonstram que possuíam um relacionamento íntimo, inclusive com relação carnal. De igual forma, mesmo que não tenha sido comprovado o adultério, na sua forma tradicional, a infidelidade virtual ficou claramente demonstrada, inclusive pela troca de fantasias eróticas de um com o outro (sexo virtual). [...] A situação dos autos agrava-se quando o requerido sugere à outra mulher, tendo em vista o seu desempenho sexual, que a autora seria uma pessoa “fria” na cama (fl. 32). Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, no caso em tela, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante.”

A pergunta:

Pergunta-se: Até que ponto a fidelidade, obrigação e dever recíproco dos cônjuges de não cometer adultério, e a monogamia podem ser vistos como bens a serem protegidos e quantificados, bem como indenizados, quando de suas violações?

A discussão quanto ao cabimento ou não da indenização pela infidelidade é tema de diversos trabalhos científicos. A viabilidade jurídica desta indenização é tema controverso pelos Tribunais brasileiros. E seguindo a tendência de divergência, os autores desse texto discordam quanto ao acerto da decisão acima narrada.

Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes: o acerto da decisão.

O magistrado ao reconhecer o direito à indenização no caso acima está tão somente agindo de acordo com a lei. Nada além disso. Não se tratou aqui de discutir culpa pelo fim do relacionamento, isso realmente não mais tem lugar no ordenamento jurídico pátrio. O que se concedeu foi a reparação de situação totalmente aplicável a responsabilidade civil brasileira.  Tudo na “forma da lei”.

Para configurar-se a possibilidade de indenização por Dano Moral são requisitos a existência de: ATO ILÍCITO, DANO E NEXO DE CAUSALIDADE.

Diz o artigo 186 do Código Civil brasileiro: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Já o artigo 1.566 também do Código Civil brasileiro disciplina como deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.

O legislador ordinário disciplinou regras para o convívio conjugal. Assim, a infração de deveres conjugais configura-se como ato ilícito e, portanto, preenchido está o primeiro requisito para a responsabilidade civil.

Com a facilidade legislativa para o término da relação conjugal, não mais se justifica a permanência em um relacionamento onde não há mais a intenção de cumprimento dos deveres próprios do casamento. A busca pela felicidade e pelo prazer é própria do ser humano. Mas esta busca não deve ser a qualquer custo, durante o período matrimonial os deveres conjugais devem ser cumpridos. Como afirma Claudio Melim[1]: “O caráter inescapável do sentido do tesão não pode sobrepujar o imprescindível cuidado com a felicidade da família”.

Assim, quem casa sabe que está assumindo com o outro um pacto. Não pode ser desleal esperando que somente o outro cumpra as promessas do casamento. A lealdade é inerente ao respeito e deve ser exercida por aqueles que se dispõe a permanecer casados.[2]

David P. Barash, autor do livro “O mito da monogamia”, afirma: “Não há como questionar se a monogamia é ou não natural. Não é. Ao mesmo tempo, tampouco há razão para concluir que o adultério é algo bom ou inevitável. Animais, muito provavelmente, não podem escolher agir contra ‘o que vem naturalmente’. Já os homens podem.”

Diante disto, imperioso ressaltar que, assim como um contrato puro e simples possui previsão para sua rescisão, a dissolução/rompimento do pacto matrimonial é prevista em lei: o divórcio. Para as relações amorosas não acobertadas por um pacto formal é ainda mais simples a resolução deste compromisso: a vontade de não mais estar na companhia do outro. Ninguém é obrigado a casar-se ou relacionar-se emocionalmente com outrem, bem como não é obrigado a permanecer em uma relação amorosa a qual não atinge mais sua finalidade: a felicidade (comunhão plena e harmônica de vida).[3]

Quanto a caracterização do segundo elemento – o Dano – certo é que, até para os mais “duros de coração”, os danos advindos das relações familiares muito mais profundos são que outros ocorridos nas relações puramente negociais.

É próprio da relação familiar o envolvimento em sentimentos de amor e afeto. Quaisquer danos causados aqui provocam consequências muito mais dolorosas.

No caso do dano moral provindo da relação matrimonial há de se distinguir o dano resultante da dissolução do casamento e o resultante da violação do dever conjugal, uma vez que no primeiro caso é natural o abalo psíquico, porém totalmente aceitável ressaltando-se sempre que ninguém é obrigado a manter-se em um casamento que já não deseja, assim o cônjuge que simplesmente dá causa a dissolução do vínculo conjugal só está em seu “regular exercício de direito”, já no caso da infidelidade, há verdadeira prática de ato ilícito, sendo necessária que a conduta do consorte descumpridor do dever conjugal cause ao outro cônjuge situação de sofrimento excessivo, além da simples frustração do amor não correspondido.[4]

Quanto ao último elemento caracterizador da Responsabilidade Civil, caberia ao cônjuge inocente[5] demonstrar o NEXO DE CAUSALIDADE existente entre o dano e o ato praticado pelo cônjuge ofensor.

Sendo assim, presentes os três requisitos caracterizadores da Responsabilidade Civil, não há como pensar outra alternativa que não a Indenização por Danos Morais na Infração dos Deveres Conjugais.

Julgar de maneira diferente é julgar segundo sua própria consciência. Nos dizeres de Lenio Streck[6]: “O perigo de tal afirmação — a de que o juiz decide conforme a sua consciência (ou segundo uma instância de fundamentum inconcussum como o ens creatum) — reside na possibilidade de o juiz valer-se, por exemplo, de argumentos metajurídicos criados ad hoc para legitimar sua decisão, que segundo ‘sua consciência’ deveria apontar em certa direção (e que talvez pudesse ser diferente dependendo do juiz ou do humor do mesmo juiz naquele dia) para mitigar as consequências indesejáveis de sua decisão. Ou o juiz valer do conhecimento empírico ‘da realidade ao seu redor’...”.

Enfim, para aqueles, como o Dr. Alexandre Morais da Rosa, co-autor deste texto, que negam o direito à reparação na violação dos deveres conjugais pelo argumento de “mercantilização das relações”, “pagamento pelo afeto”, como já foi falado, a intenção não é exigir sentimento, ou cobrar na falta dele, aqui não se discute sentimento. O que se quer é objetivo: a não existência de práticas contrárias ao casamento. Respeito, lealdade, fidelidade, consideração são requisitos para a manutenção saudável do relacionamento.

Alexandre Morais da Rosa: O equívoco da decisão. 

Amor com amor se paga. Desilusão, ódio e sentimento de fracasso trocam-se por dinheiro? A pergunta é bem arriscada, dado que joga com as motivações do sujeito, na sua fantasia singular, enfim, não se sabe os detalhes do relacionamento. Mas sabe-se que mesmo durante as relações amorosas a fantasia dos sujeitos por terceiros não são fatos isolados, até porque há Outro. Basta verificar o sucesso das novelas, dos galãs e estrelas, assim como os filmes de Hollywood. Todos giram em torno do triângulo amoroso. O que sobra, todavia, encontra-se na exigência de um posicionamento subjetivo. Pode posar de vítima e requerer indenização moral pela quebra do amor investido? De boa-fé? Dos deveres do casamento?

Diferentemente da exposição pública do cônjuge ao ridículo social, com cartazes, postagens públicas, enfim, toda uma gama de situações vexatórias não se compara com a narrada na decisão, com a máxima vênia.

A Economização do Afeto foi o tema da tese de doutorado de Doris Ghilard (UNIVALI, 2015). Pensar o afeto com economia pode parecer meio paradoxal, afinal de contas, no discurso manifesto, conforme sublinhado, amor com amor de paga. Embora alguns possam se unir por interesses econômicos, a maioria casa acreditando que nunca irá se separar. Entretanto, os números de divórcio e separação demonstram que o casamento precisa, também, ser lido pelo aspecto econômico. Para além dos efeitos da ruptura do vínculo, os monetários e subjetivos das uniões foram regulamentados pelo Estado. Casamento, união estável, desmotivos para separação, efeitos na sucessão, nos casos de morte, as consequências, direitos e deveres, tudo é regulamentado por lei.

E isto interessa economicamente. Os custos de transação (Coase) são relevantes e as dúvidas acabam desaguando no Poder Judiciário que precisa estabelecer os critérios para decisão. Sobre isto, então, o trabalho de Dóris Ghilardi, mostra-se como inovador. Dialogando, com cuidado, sobre os vínculos afetivos e também sobre análise econômica do direito (law and economics), tanto na perspectiva positiva como normativa, consegue demonstrar o que não se pode dizer das últimas reformas legislativas, articulando, ainda, novas possibilidades de compreensão. Mantém o romantismo de um amor que possa se constituir e aceita o desafio árduo de pensar objetivamente sobre os efeitos dos efeitos. Demonstra, com exemplos, como a lógica paralela (afetiva e econômica), pode nos levar a perplexidades e, quem sabe, com coragem, a repensar o que fazemos no e pelo Direito. Não é um trabalho ingênuo e muito menos cético. Ao mesmo tempo em que aposta na possibilidade de que o afeto possa representar um ganho pulsional efetivo, de outro, reconhece que as implicações do fenômeno no campo da economia.

De qualquer forma, diante do fato podemos dizer que o sujeito procura uma recomposição. E o mais desesperador é que sua moral será taxada em 20, 30 mil reais. Cumprida a obrigação o marido estará livre da responsabilidade do ato? Sabemos que a lógica da indenização é a substituição da conduta por dinheiro. Se isso satisfaz o leitor, tudo bem. Parece-me, todavia, que arriscamos rebaixar o sublime do amor em algo comercializável nos mercados judiciais.

Contra isso é que me oponho. Um casamento que anda se segurando nas amarras da obrigação e não do desejo é um casamento morto, cuja responsabilidade não pode ser maniqueísta. De um lado o malvado e do outro a vítima. Ambos precisariam assumir sua parcela de responsabilidade pelo acontecido e, quem sabe, deixar que novas possibilidade apareçam, na esquina, no inesperado ou se reinventar. Ficar preso ao desejo de plenitude e de negação de sua responsabilidade pelo evento não deixa de ser conveniente.

Contardo Calligaris (Todos os reis estão nus. São Paulo: Três estrelas, 2013) nos afirma que “ou o amor surge quando está na hora de a gente se transformar ou é por amor que a gente se transforma. Não é necessário tomar partido: talvez as duas sejam verdadeiras.” E diz mais: “Difícil dizer, aliás, se os maridos se esquecem acidentalmente de apagar os rastros de sua navegação e de suas conversas ou se eles os deixam de propósito. Talvez queiram ser descobertos para acabar de vez com os subterfúgios de sua vida dupla e forçar assim uma separação que lhes permitirá, enfim, ficar no computador livremente, noite e dia. [...] Na verdade, um casal funciona quando cada um consegue fazer parte da fantasia do outro.”

Assim, quem sabe, possamos inverter a ordem: e se fosse a mulher que se apaixonasse? Qual a diferença? Nenhuma. Manter uma relação pela sensação de estar casado, sem o outro, que desliza por aí (real ou virtualmente), pode também ser o desejo de quem busca algo de si. Nem sempre bom ao julgamento moralista, mas quem pode dizer disto? O sujeito, enfim, deve acertar contas e ser fiel ao seu desejo.  Pagando o preço.

No caso, com o pagamento monetário rebaixa-se o desejo à obrigação pecuniária. Serão mais felizes? Poderemos, como já escrevi, ter um seguro afeto? (aqui)

Fica o convite para repensarmos as coordenadas em que compreendemos as vicissitudes do afeto com economização. Em uma sociedade em que o dinheiro acabou se tornando um significante mestre, arriscar-se na leitura cruzada entre direito de família, economia e psicanálise, pode ser um caminho. Você possui a liberdade de amar ou odiar, pagando o preço de sua posição subjetiva, porque amor/ódio com dinheiro não se paga. Arregaçar as mangas, fazer um balanço das responsabilidades, talvez, seja mais proveitoso, ou não.

Na espécie, ademais, a obtenção da prova pela invasão é violadora da privacidade e pouco importam onde estão os documentos, já que o casamento não exclui segredos. Aliás, com Fernanda, em artigo anterior, demonstramos ser ilegal (aqui).

Enfim, deste jogo perverso da troca de amor/ódio por dinheiro eu não participo. Mas há quem goste e lucre. A questão (coloque-se no lugar) será: recebendo os valores a obrigação está satisfeita e tudo resolvido? Talvez o caminho esteja noutro lugar... Arregaçar as mangas e ir adiante. Renovando-se. Termino com Contardo Calligaris novamente: “A mulher que vai para a cama sozinha (enquanto o marido, noite adentro, fica na sala teclando em prazeres virtuais) sofre sobretudo de exclusão, sofre por constatar que ela não faz parte dos sonhos de seu parceiro – apenas da realidade da qual ele tenta fugir.” Bons sonhos.


Notas e Referências:

[1] MELIM, Claudio. Tesão e moral: ruídos compreensivos na vida e no Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/tesao-e-moral-ruidos-compreensivos-na-vida-e-no-direito-por-claudio-melim/

[2] BELFORT, C. G. R. D. A. A traição como objeto de indenização por danos morais. Âmbito Jurídico, Rio Grande, mar 2012. ISSN 1518-0360, XV, n. 98. Disponivel em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11194&revista_caderno=14>.

[3] BELFORT, C. G. R. D. A. A traição como objeto de indenização por danos morais. Âmbito Jurídico, Rio Grande, mar 2012. ISSN 1518-0360, XV, n. 98. Disponivel em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11194&revista_caderno=14>.

[4] BELFORT, C. G. R. D. A. A traição como objeto de indenização por danos morais. Âmbito Jurídico, Rio Grande, mar 2012. ISSN 1518-0360, XV, n. 98. Disponivel em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11194&revista_caderno=14>.

[5] Aqui não entrarei na discussão travada por alguns doutrinadores e magistrados que alegam não haver cônjuge inocente já que a traição só ocorreria em uma relação “desgastada”, portanto ambos os cônjuges seriam “culpados” pela situação do adultério. Argumento frágil e descabido. Relação desgastada ou qualquer outro fundamento, já que não há a necessidade de trazê-los a juízo, é motivo para divórcio. Adultério, quando não consentido, é ato ilícito causador de dano e merecedor de reparação civil.

[6] STRECK, Lenio Luiz. O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém?. Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-consciencia-seguranca-alguem


Alexandre Morais da Rosa. Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com / Facebook aqui. .


Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes. Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes é graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2002) e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Doutoranda pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente é professora do Instituto Catarinense de Pós Graduação, advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e professora da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.    


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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