Por Yuri Carneiro Coêlho - 08/12/2015
A sociedade brasileira se viu surpreendida na noite do dia 24 de Novembro com a prisão do Senador Delcídio Amaral, fato este nunca ocorrido pós Constituição de 1988, surpreendendo também a comunidade jurídica de todo o país, pelo contexto com que a decisão foi proferida e pelos seus fundamentos, o que, sem dúvida, conclamou a inúmeros juristas, pelo pais inteiro a se posicionarem pela legalidade ou não da decisão do STF e por mais que possamos dizer que tanto foram os posicionamentos que já seria possível apontarmos uma linha razoável de compreensão do que aconteceu, ainda apontamos que esta circunstância nãos e encontra devidamente esclarecida.
A prisão foi decretada dentro da Ação Cautelar nº 4.039, interposta pelo MPF, com decisão de prisão concedida no dia 24 de Novembro e referendada pela 2 turma no dia 25. O relator foi o Ministro Teori Zavascki.
A Constituição estabelece em seu art.53, § 2º que, “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”, ou seja, em tese, a prisão do Senador somente poderia ter sido realizada em situação de flagrante delito, então, várias perguntas podem ser feitas diante do que aconteceu. A prisão ocorreu em situação de flagrante delito? É possível determinar a existência de crime permanente na hipótese? É possível a decretação de prisão preventiva na hipótese? Por fim...a prisão respeitou a sistemática constitucional de tutela das liberdades?
Inicialmente, cumpre apontar que a Constituição é restritiva ao apontar a hipótese de prisão de parlamentares, em que pese ter estabelecido uma possibilidade que, interpretada sem a devida compatibilização com o regime de prisões previstos em nosso ordenamento e compreensão de seu alcance, torna sua decisão ineficaz, pois implicaria na necessária soltura do parlamentar após a prisão.
O novo regime das prisões que se aplica ao nosso ordenamento jurídico após a lei 12.403/11 foi claro e determinante ao considerar a prisão preventiva como exceção e estabelecer que a fiança, hoje, é uma medida cautelar de natureza pessoal, estabelecendo também um regime de consideração das liberdades como prioridade de nosso sistema, ou seja, a liberdade é a regra, inclusive sem vinculação, e a prisão é exceção.
Falar-se de inafiançabilidade, em nossa compreensão, torna-se em uma impropriedade, que só tornaria restrito e sem alcance os efeitos de possíveis prisões a serem decretadas em face de parlamentares, se presentes razões justificáveis e excepcionais, ademais, o regime constitucional e o CPP tornaram ineficazes as limitações à liberdade que a inafiançabilidade trazia, ou seja, não adianta ser inafiançável, isto não pode implicar em restrição da liberdade do agente em caso de flagrante se não existirem as razões de decretação da preventiva.
Ademais, analisando o caso concreto, se for levado em consideração a existência das razões de prisão preventiva – repito, se isso fosse levado em consideração, portanto, pressupondo-se a existência dos requisitos – art.324 do CPP, em seu inciso IV, relaciona uma hipótese de não concessão da fiança – ou seja, inafiançabilidade - decorre da presença dos motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.
A primeira pergunta então, que não quer calar, seria se a prisão ocorreu em situação de flagrante delito, e segundo o Ministro Teori, o Senador Delcídio apresentou conduta que se subsume ao delito do art.2º da lei de organização criminosa, pois teria atuado “com indicação de convergência de vontades em associação estruturada e ordenada, mediante divisão de tarefas[1]”, apontando, com base em decisões do STF ser este delito um crime permanente[2].
Existe crime permanente? Não discordamos do fato de que, configurando-se o delito de organização criminosa, estaríamos em face de um delito permanente, ou seja, seria possível a ocorrência da prisão em flagrante, mas, pergunta-se. Se a situação é de flagrância, não se deveria primeiro proceder à prisão em flagrante – que independe de ordem judicial – para posteriormente, analisando-se o flagrante e verificando se existem os elementos da preventiva, se decretar ou não a sua prisão preventiva, esta sim de natureza cautelar, e dependendo então, aí sim, do requerimento Do MPF ou da autoridade policial? Não temos dúvida que, sim, mas notamos uma inversão de procedimento, parece-se com a necessidade de decretar a prisão, que compreendemos, terminou por seguir um rito equivocado, caso se pressuponha que seus motivos a justificam.
No caso em tela, não conseguimos vislumbrar como as provas apontadas apontariam para um delito de organização criminosa, com isto não estou querendo dizer que não existam indícios de outros delitos, e cremos que a investigação sobre organização criminosa deveria ser mais aprofundada, também dizemos que a corrupção não pode ser tolerada, mas é preciso cuidado para não quebrarmos a espinha dorsal de nosso sistema garantista sob o pretexto de combatermos a qualquer custo a corrupção.
Diante disto, é possível a decretação de prisão preventiva na hipótese? Pensamos que o caso concreto, tendo em vista a fragilidade probatória para a configuração do delito de organização criminosa, do art.2º da lei 12.850/13, não haveria que se falar em possibilidade de flagrante delito e por consequência, em prisão preventiva, denominada pelo Ministro de cautelar, acreditamos que por mero equívoco terminológico e sim em face de seu sentido, tendo em vista que fundamentou no art.312 do CPP.
Ocorre que, se estivéssemos diante de quadro probatório adequado a considerar a existência do crime permanente e consequentemente de um flagrante regular, não vemos óbice à decretação de prisão preventiva de parlamentar desde que seguindo rito do CPP, ou seja, após a prisão em flagrante, independente de sua inafiançabilidade – posto ser hipótese que não mais restringe a concessão da liberdade - , desde que cabível hipoteticamente a prisão preventiva, esta pode ser decretada desde que, no curso de inquérito policial após requerimento do Ministério Público ou por representação da autoridade policial.
É de se ressaltar também que interpretação mais restritiva pode ser feita considerando-se a possibilidade de prisão preventiva somente após flagrante daqueles delitos considerados inafiançáveis pela nossa Constituição, quais sejam, racismo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Por derradeiro, cumpre apontar que a decisão do Ministro Teori Zavascki – que se afigurou, portanto, ilegal, em nosso sentir - abrirá um leque de interpretações que ainda não temos como prever as consequências, tendo em vista a possibilidade de utilização do princípio da simetria pelos TRF(s) e TJ(S) em casos semelhantes nas esferas estaduais e de relativização de direitos e garantias em busca dum pretenso combate à corrupção, com quaisquer armas que estejam disponíveis. Espero que estas armas não terminem por se voltar contra a nossa própria democracia!
Notas e Referências:
[1] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Acao_Cautelar_4039.pdf
[2] Ver (HC112454 e HC 101095 STF)
.
Yuri Carneiro Coêlho é Mestre e Doutor em Direito pela UFBA. Professor de Direito penal Unijorge / Ruy / Estácio (SSA) e FAN (FSA). Professor das Pós-Graduações em Direito Penal da UCSal / SSA e do Damásio Educacional (SP). . .
Imagem Ilustrativa do Post: Plenário do Senado // Foto de: Senado Federal // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agenciasenado/16002824322
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.