Advogado que perde prazo de interposição de Apelação Criminal: Defesa Técnica Deficiente justifica a devolução do prazo recursal?

04/04/2017

Por G. Couto de Novaes – 04/04/2017

Sabe-se que o originário Constituinte Federal de 1988 elencou a atividade do advogado entre as funções essenciais e indispensáveis à administração da Justiça (CF, art. 133). Nesse passo, alerta Rômulo de Almeida Andrade, no bojo do Parecer nº 8751/2014 (2014, p.1), citando precedentes do Pretório Excelso e do Tribunal de Justiça da Bahia: “Todo e qualquer Réu, não   importa   a   imputação, tem direito a efetiva  defesa  no  processo  penal (arts. 261 do CPP e 5.º, inciso LV da Carta Magna). O desempenho meramente formal do defensor, em postura praticamente contemplativa, caracteriza a insanável ausência de defesa”.

Nessa mesma trilha, bem complementa Moreno Catena, citado por Aury Lopes Jr., que a defesa técnica atua também como um mecanismo de autoproteção do sistema processual penal, estabelecido para que sejam cumpridas as regras do jogo da dialética processual e da igualdade das partes. É, na realidade, uma satisfação alheia à vontade do sujeito passivo, pois resulta de um imperativo de ordem pública, contido no princípio do due process of Law (LOPES JR., 2013, p. 235).

Dito isto, importa informar que as reflexões que vão consignadas neste breve escrito nascem da observação de um caso concreto. Em 14/08/2015 (uma sexta-feira), o réu (preso) foi pessoalmente intimado acerca da sentença que o condenara como incurso nas penas do art. 157, §3º, segunda parte, do Código Penal Brasileiro. Assim, no dia 17/08/2015 (uma segunda-feira), primeiro dia útil seguinte à data da intimação, iniciava-se, nos moldes do art. 593 c/c o art. 798 do Código Processual Penal, a contagem do prazo recursal de 5 (cinco) dias para que o então defensor constituído peticionasse pela interposição da Apelação.

Todavia, após 21/08/2015 expirou o prazo recursal sem que o advogado interpusesse o recurso de Apelação, configurando-se a preclusão. Conforme restou claro dos autos, o defensor confundiu-se quanto ao começo da contagem do prazo para o recurso de Apelação. Olvidou que, no processo penal, ao contrário do que ocorre no processo civil, os prazos começam a fluir a partir da realização da comunicação processual (súmula n. 710, STF) e não da juntada aos autos do mandado de intimação/carta precatória. Erro crasso!

E indaga-se: até que ponto a perda de prazo para interposição de recurso, pelo defensor constituído, significa caso de deficiência na defesa técnica? Diante das consagradas garantias inerentes ao réu no processo penal, uma vez constatada a defesa técnica deficiente, deverá o Juízo da causa deferir eventual pleito de devolução do prazo para interposição do recurso?

De logo, é imprescindível sublinhar a existência de permissão legal (art. 578, CPP) que possibilita ao próprio réu preso, quando da intimação da sentença que o condenou, interpor o recurso de apelação “de próprio punho”, com um simples “desejo recorrer”, ou por meio de manifestação que o valha. Também é cediço que, em assim ocorrendo, na sequência deverá o juiz intimar o defensor constituído ou dativo para que apresente as razões no prazo de lei. E, se ainda assim, o defensor não oferecer as razões recursais, incumbirá ao juiz nomear outro causídico para que supra a ausência daquele.

Porém, no caso em apreço, o réu (que se encontrava preso) não procedeu ao recurso de próprio punho pelo fato de contar com advogado constituído, contratado unicamente sob o escopo de interpor recurso de apelação. Da análise dos autos, constata-se que o prazo recursal apenas começou a fluir praticamente um mês após a contratação do advogado.O que, inequivocamente, demonstrou o comportamento diligente do réu, expressando todo o seu propósito de buscar a revisão da sentença condenatória no segundo grau de jurisdição.

Em casos assim, em que o defensor constituído perde prazo peremptório em processo criminal, inegavelmente maculando a defesa do réu, certamente exige-se do magistrado atuação como garante dos direitos fundamentais do sujeito processado, sendo-lhe imperativo assegurar a ampla defesa e o contraditório, a consubstanciar o devido processo legal penal (STJ - AgRg no HC: 179776 ES 2010/0131663-7, Relator: SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/06/2014).

Por muito oportuno, cite-se que Fernando da Costa Tourinho Filho (2004, p. 361-362) ao analisar a disposição do art. 601, do CPP, comenta sobre situação onde, uma vez interposta a apelação, as razões recursais não são apresentadas tempestivamente pela defesa. A esse respeito, aponta o ilustre professor que interpretando-se o art. 601 à risca, os autos devem ser remetidos ao tribunal ad quem com ou sem as razões recursais. Contudo, adverte que a vassalagem ao texto da lei pode prejudicar o réu.

De maneira que, em homenagem ao princípio da ampla defesa, no exemplo de Tourinho Filho, se a defesa for patrocinada por defensor dativo, cumprirá ao juiz, nomear outro patrono; e, em se tratando de defensor constituído, deverá o juiz notificar o réu, a fim de que esse constitua novo causídico. Quer-se dizer, em não sendo apresentadas as razões da apelação pela defesa, caberia ao juiz tomar as medidas necessárias à preservação das garantias do réu.  

Mutatis mutandis, trazendo para a realidade do caso ora estudado, nota-se que com o fito de observância da ampla defesa, procedimento similar deve ser adotado pelo magistrado quando o então advogado do réu, deixando transcorrer in albis prazo, não procede a interposição do recurso de apelação (nítida situação de deficiência técnica na defesa!).

Desse modo, para se evitar o esvaziamento da garantia da ampla defesa do réu, amenizando-se a deficiência eventualmente apresentada pela defesa técnica, impõe-se ao magistrado, agindo como efetivo garante dos preceitos constitucionais - dos quais o réu é titular inquestionável -, assegurar a conseqüente regularidade do processo, notificando o defensor constituído para providenciar a interposição do Apelo.

Ademais, na hipótese de ainda assim não ser ofertado o recurso, dever-se-á, ato contínuo, notificar o réu para substituição do defensor constituído. E, note-se bem, em casos onde o réu não contar com meios para contratar novo defensor particular, em respeito a instrumentalização constitucional do processo penal, caberá ao juiz nomear defensor dativo para que finalmente proceda ao recurso. Saliente-se que faz-se necessária tal postura do Estado-Juiz, sobretudo, nas situações onde o réu encontra-se preso (estado de agravada hipossuficiência processual).

Noutro giro, e partindo-se de Ferrajoli (1997, p. 546), se “o objetivo do processo penal é a garantia das liberdades dos cidadãos”, em respeito a efetiva ampla defesa, uma vez verificada a não interposição da Apelação de réu preso, o juiz, agora forte no art. 261, CPP, restaria plenamente autorizado a determinar nova intimação do réu, bem como nomear defensor dativo. Colha-se a redação do caput do citado art. 261, in verbis: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.” Ora, se a lei processual, na sua literalidade, resguarda as garantias daquele que ainda sequer processado foi (o acusado), não se afigura imperativo reconhecer que tal dispositivo deve ser aplicado, analogicamente, em socorro do condenado cujo patrono demonstrou-se negligente?

Pois, se o legislador criou o mencionado dispositivo vislumbrando impedir “o menos”, qual seja, o processamento e julgamento de acusado ausente ou foragido, desprovido de defensor, certamente é razoável entender que a vontade do legislador também quer e pode alcançar “o mais”, leia-se, o caso dos autos em tela, onde réu preso não apresentou Apelação por negligência de defensor constituído. In casu, forçoso reconhecer a sinonímia entre a negligência multicitada e a “ausência” aludida no art. 261, do CPP.

Nessa mesma linha, para contemplar devidamente a análise do caso em questão, afigura-se muito importante o que se pode extrair de uma interpretação constitucional do art. 396-A, do CPP. Tal dispositivo versa sobre a resposta do réu à acusação, sendo crucial neste momento colacionar o seu §2°, in verbis: “Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo- lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.”

Note bem, se o ordenamento se preocupou em resguardar a ampla defesa do acusado naquele momento que antecede a resposta à acusação, inclusive autorizando uma espécie de devolução do prazo de 10 (dez) dias - para que o novo defensor possa fazer vistas dos autos e apresentar a resposta escrita do acusado -, resta bastante razoável pleitear-se uma leitura analógica, ou extensiva, do citado dispositivo, em benefício do réu do caso concreto aqui debatido.

Portanto, faz-se preciso admitir que se o art. 396-A, §2º, do CPP, autoriza verdadeira devolução de um prazo cuja eventual preclusão produziria conseqüências muito menos gravosas para o sujeito processual - se comparadas com as conseqüências de preclusão de prazo para recurso após sentença condenatória -, na mesma senda, apresenta-se claramente possível o alargamento do alcance desse mesmo art. 396-A, em socorro de réu preso cuja deficiência técnica da defesa constituída levou à perda do prazo para Apelo Criminal.

Tanto mais porque é sabido que os destinatários dos princípios do processo penal são os juízes e os tribunais, por isso, é de suma importância que o juiz criminal, ao lidar com um caso assemelhado a esse que ora se estuda, tenha em vista que a lei não excluiu do Poder Judiciário a possibilidade de apreciação do pedido de devolução do prazo recursal, dado que, como demonstrado, os arts. 261 e 396-A, § 2°, do CPP, claramente autorizam interpretação analógica ou extensiva benéfica.

E diante das ponderações supra expostas, na conjuntura ora debatida negar ao réu a devolução do prazo recursal implicaria odiosa inobservância dos princípios do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF); da ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV, CF); da inafastabilidade do Judiciário (art. 5º, XXXV, CF); do duplo grau de jurisdição (CF e art. 8.2, “a”, do Pacto de San José da Costa Rica); da jurisdicionalidade; bem como restariam renegados o próprio direito de petição (art. 5º, XXXIV, “a”, CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/1988).

Em arremate de raciocínio, se a doutrina aponta que a inconformidade do réu com a decisão vergastada é um dos dois fundamentos do sistema recursal (a falibilidade humana é elencada como o outro fundamento), no caso em análise tudo apontou para o inegável esforço do réu na busca de empreender a revisão da sentença condenatória em sede recursal. O que implica que, em homenagem ao princípio da razoabilidade, é perfeitamente possível ao órgão julgador atuar como efetivo guardião das garantias do réu, concedendo a devolução do prazo de interposição do Apelo criminal.


Notas e Referências:

Ação Penal – Procedimento Ordinário – Latrocínio nº 0000479-95.2014.8.05.0160, da Vara Criminal da Comarca de Maracás/Bahia.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de Outubro de 1941. Institui o código de processo penal. Rio de Janeiro, DF, 03 de Outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> Acesso em: 10/10/2014.

BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Súmula 710. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=710.NUME.%20NAO %20S.FLSV.&base=baseSumulas> Acesso em: 10/10/2015.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón – teoria del garantismo penal. 2. ed. Madri: Trotta, 1997.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.

Parecer n. 8751/2014 no Processo n. 0302194-96.2011.8.05.0001 – Apelação Criminal - da Procuradoria de Justiça Criminal do Ministério Público do Estado da Bahia. Disponível em:<http://romulomoreira.jusbrasil.com.br/modelospecas/163211947/apelacao-falta-de- razoes-recursais-e-o-chamado-foro-de-eleicao> Acesso em 10/10/2015.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.


G. Couto de Novaes. . G. Couto de Novaes é Advogado, sócio no Pereira & Couto Advocacia, em Salvador. Bacharel em Direito pela UNIFACS. hcoutodenovaes@gmail.com . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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