Advocacia Pública Contemporânea – Por Weber Luiz de Oliveira

04/12/2016

Inaugura-se este espaço virtual para contextualizar e debater a advocacia pública nos dias contemporâneos. O nome dado à coluna traz já as ideias subjacentes que se pretende trabalhar nos textos: o debate democrático do direito público e da atuação advocatícia na defesa das pessoas jurídicas de direito público no século XXI.

Curial destacar, de pronto, que a competência constitucional da advocacia pública é a defesa dos entes federativos, estando ai inserido, por certo, o Poder Executivo, e, igualmente, os demais poderes estatais, Judiciário e Legislativo, além da defesa institucional de entidades públicas como os Ministérios Públicos e os Tribunais de Contas.

A defesa das políticas públicas implementadas não transforma os advogados públicos em advogados do chefe do poder executivo, porquanto tem, tais profissionais, como premissa básica, a atuação em defesa do Estado e de sua ordem constitucional, com autonomia funcional no exercício de suas funções. Pertinente a manifestação de José Augusto Delgado[1]: “Somos testemunhas presentes, repetimos, de que os Procuradores dos Estados, na concepção que possuem de que não são empregados dos Chefes dos Poderes, porém, súditos diretamente vinculados aos anseios da cidadania, cumprem, de acordo com os comandos constitucionais, especialmente, os dogmas da moralidade, as atividades inerentes à defesa do direito posto em Juízo”.

Como já se defendeu em outra oportunidade[2], não se está mais vivendo em épocas coloniais, em que o advogado do Estado, “como fidalgo, servia à realeza, integrante do estamento, situação que se perpetuará durante o Império, com reflexos na República”[3].

A realidade retratada por Sérgio Buarque de Holanda, de que “é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal”[4] não está mais presente atualmente. A profissionalização da Administração Pública e de seus quadros é imperativo para a prestação eficiente dos serviços públicos exigidos pela sociedade. Os serviços jurídicos inserem-se neste contexto.

Neste cenário, emergem algumas questões passíveis de reflexão e problematização:

1. os advogados públicos, por serem servidores do Estado, no exercício de suas funções, tem a sua atuação limitada e regrada por lei que regem suas carreiras?

2. Aplicam-se-lhes outras legislações, como o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil?

3. Por estarem inseridos dentre às funções essenciais à justiça tem autonomia funcional? Quais os parâmetros desta autonomia?

4. A atividade de defesa dos entes públicos e demais instituições públicas é privativa da advocacia Pública?

5. Pode a Administração Pública, de qualquer poder, contratar advogado privado para fazer sua defesa?

6. Deve o advogado público, em ação proposta contra Ministro ou Secretário de Estado fazer a defesa também desta pessoa física?

7. É legítimo a percepção de honorários advocatícios pelos advogados públicos?

8. O princípio do juiz ou promotor natural se aplica na advocacia pública?

9. Podem os advogados públicos fazer greve?

10. São inamovíveis?

11. É possível ao advogado público não recorrer por convicção pessoal, sem poder ser responsabilizado?

12. É ainda adequado o disciplinamento da remessa necessária pela nova lei processual civil?

13. As prerrogativas processuais da Fazenda Pública não seriam privilégios?

14. É somente a lei que regula as atividades administrativas? A jurisdição, pelos precedentes judiciais vinculantes, pode regulamentar atividades administrativas? A advocacia pública, neste particular, como deve atuar?

Estas questões, melhor dirimidas nos textos vindouros nesta coluna dominical, ganham relevância em virtude dos acontecimentos diariamente noticiados de malversação da atuação de agentes públicos e políticos. Ora, está a advocacia pública inserida na máquina administrativa e, por consectário, cumpre-lhe, como efetivamente ocorre, a fiscalização, dentro de suas competências, da atuação daqueles agentes.

Fiscalização de atuação e própria atuação não apenas de forma passiva - postulando em juízo os direitos do ente público que defende e nos processos administrativos pelos quais é chamada a opinar -, mas, talvez, nunca na história desse país, com proatividade nas suas condutas, buscando evitar litígios, compondo os conflitos internos e externos.

A referida composição de conflitos, aliás, é tema de grande prestígio pelo ordenamento jurídico brasileiro, que intenta trazer formas de autocomposição, como a mediação, nos termos da Lei Federal n. 13.140, de 26 de junho de 2015 e do Código de Processo Civil de 2015, notadamente artigos 165 a 175.

Sobre o tema o Fórum Permanente do Poder Público aprovou os seguintes enunciados:

“6. A confidencialidade na mediação com a Administração Pública observará os limites da lei de acesso à informação”

“36. Durante o processo de mediação do particular com a Administração Pública, deve ser observado o princípio da confidencialidade previsto no artigo 30 da Lei 13.140/2015, ressalvando-se somente a divulgação da motivação da Administração Pública e do resultado alcançado”[5].

De igual modo, de grande relevo a alteração feita pela Lei n. 13.129, de 26 de maio de 2015, na Lei da Arbitragem, de n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, possibilitando a arbitragem no setor público[6].

O papel da advocacia pública na contemporaneidade é latente: atuar de modo proativo em defesa da ordem pública constitucionalizada a bem dos interesses da sociedade. É necessário perceber que, no campo administrativo, o centro das discussões e objetivos de atuação é o bem estar das pessoas, efetivado por políticas públicas responsáveis; o ato administrativo, como objeto principal de estudo do direito administrativo, já não tem o prestígio dos tempos de outrora.

Isso porque “os parâmetros valorativos a serem perseguidos pela República e Federação brasileira estão postos de forma induvidosa e revelam-se suficientes para o cumprimento das promessas da modernidade: emancipação, autonomia, liberdade e igualdade do homem, fundadas na sua capacidade de ser no mundo. A isto se encontra atrelada a Administração Pública”[7] e, a isso se encontra umbilicalmente atrelada a advocacia pública.


Notas e Referências:

[1] Autonomia das Procuradorias dos Estados, in Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 30, n. 64, p. 49-61, jul/dez. 2006, p. 61.

[2] OLIVEIRA, Weber Luiz de. Procurador geral do Estado de Santa Catarina da carreira – uma proposição de lege ferenda, In, Revista da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina, n. 3, 2014, Florianópolis: Dioesc, 2013, p. 13.

[3] SCHUBSKY, Cássio. Origens da Advocacia Pública, in São Paulo (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Centro de Estudos. Advocacia pública: apontamentos sobre a história da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Coordenação editorial e texto: Cássio Schubsky. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, p. 33.

[4] Raízes do Brasil, 26ª ed., São Paulo: Companhia das Letras.

[5] Disponível em http://fnpp2016.wixsite.com/fnpp. Acesso em 30.11.2016.

[6] Destacam-se os seguintes dispositivos: Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. § 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.

[7] LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e sociedade: novos paradigmas, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 74.


 

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