O servidor público tem autorizo constitucional para exercer cargos públicos cumuláveis na forma preconizada pelo artigo 37, além disso, não há vedação, salvo em casos específicos, de que ele atue na iniciativa privada.
No caso de atuação na iniciativa privada ocorre seu enquadramento como segurado obrigatório e, consequentemente, são vertidas contribuições previdenciárias para o INSS.
Em razão dessas situações podem lhe ser concedidas aposentadorias que serão recebidas de forma cumulativa.
Além disso, é possível a ele o recebimento ou mesmo a geração de pensão por morte, valor este que poderá ser recebido pelo beneficiário em conjunto com proventos de aposentadoria ou mesmo remuneração de cargo ou emprego público ou ainda pelo exercício de atividade na iniciativa privada.
Com o advento da Emenda Constitucional n.º 103/19 a regra de cumulação de proventos ganhou algumas restrições tanto relacionadas ao recebimento do benefício quanto aos valores a serem pagos.
As quais exigem uma análise mais aprofundada diante dos preceitos constitucionais que regulam os benefícios previdenciários e principalmente de sua natureza.
1 – A Regra de Acúmulo
A Emenda Constitucional n.º 103/19 estabeleceu que:
Art. 24. É vedada a acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro, no âmbito do mesmo regime de previdência social, ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos acumuláveis na forma do art. 37 da Constituição Federal.
§1º Será admitida, nos termos do § 2º, a acumulação de:
I - pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro de um regime de previdência social com pensão por morte concedida por outro regime de previdência social ou com pensões decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal;
II - pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro de um regime de previdência social com aposentadoria concedida no âmbito do Regime Geral de Previdência Social ou de regime próprio de previdência social ou com proventos de inatividade decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal; ou
III - pensões decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal com aposentadoria concedida no âmbito do Regime Geral de Previdência Social ou de regime próprio de previdência social.
§2º Nas hipóteses das acumulações previstas no § 1º, é assegurada a percepção do valor integral do benefício mais vantajoso e de uma parte de cada um dos demais benefícios, apurada cumulativamente de acordo com as seguintes faixas:
I - 60% (sessenta por cento) do valor que exceder 1 (um) salário-mínimo, até o limite de 2 (dois) salários-mínimos;
II - 40% (quarenta por cento) do valor que exceder 2 (dois) salários-mínimos, até o limite de 3 (três) salários-mínimos;
III - 20% (vinte por cento) do valor que exceder 3 (três) salários-mínimos, até o limite de 4 (quatro) salários-mínimos; e
IV - 10% (dez por cento) do valor que exceder 4 (quatro) salários-mínimos.
§3º A aplicação do disposto no § 2º poderá ser revista a qualquer tempo, a pedido do interessado, em razão de alteração de algum dos benefícios.
§4º As restrições previstas neste artigo não serão aplicadas se o direito aos benefícios houver sido adquirido antes da data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.
§5º As regras sobre acumulação previstas neste artigo e na legislação vigente na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderão ser alteradas na forma do § 6º do art. 40e do § 15 do art. 201 da Constituição Federal.
Dentre as muitas regras contidas no dispositivo, destaca-se aqui a que estabelece a redução dos proventos sempre que houver cumulação de pensões ou mesmos destas com aposentadorias ou benefícios de natureza militar.
De forma que restou estabelecido que nessas hipóteses será assegurado ao beneficiário o pagamento integral do benefício mais vantajoso independentemente de ser ele uma aposentadoria ou uma pensão, enquanto que os demais serão reduzidos na forma preconizada pelo § 2º, independentemente de serem eles aposentadorias e/ou pensões.
Acerca do dispositivo, a primeira observação que merece destaque reside no fato de que se trata de norma auto-aplicável não exigindo, portanto, regulamentação por norma infraconstitucional.
Além disso, alcança o Regime Geral, os Regimes Próprios da União, dos Estados e dos Municípios e o sistema de proteção social dos militares, razão pela qual sua validade já abarca todos os casos de cumulação cujo direito adquirido a ao menos um dos benefícios tenha ocorrido após 13 de Novembro de 2.019, conforme se depreende do teor do § 4º do artigo.
Por outro lado, essa amplitude traz uma maior dificuldade quanto ao que venha a ser o benefício mais vantajoso, já que, tal expressão é muito mais ampla do que benefício de maior valor.
Tal dificuldade reside no fato de que, em sede de Regime Próprio e também do sistema de proteção dos militares, ainda existem regras que autorizam a inativação com base na última remuneração do cargo e também que asseguram a aplicação da regra da paridade.
Isso porque a reforma promovida em Novembro de 2.019 manteve essa possibilidade para servidores federais cujo ingresso em cargo efetivo se deu até 31 de dezembro de 2.003 quando cumpridos os requisitos nela estabelecidos.
Já nas pensões por morte o sistema de proteção, também permite o recebimento de proventos integrais e com paridade, enquanto que para os servidores civis, existe a possibilidade de proventos de pensão integrais, tendo em vista o teor da Emenda Constitucional n.º 103/19, para a viúva ou viúvo dos integrantes da área de segurança, enumerados na própria Constituição, quando seu falecimento se der em razão de agressão sofrida no exercício da função ou em razão dela.
Reforma que impôs aos demais Entes Federados que possuem Regime Próprio, a manutenção das regras vigentes até sua edição, enquanto não forem realizadas as modificações locais, fazendo com que também existam permissivos estaduais e municipais autorizando proventos integrais e com paridade.
Sendo possível que as modificações previdenciárias de Estados e Municípios, dentro da liberdade que lhes foi outorgada pelo novo texto constitucional, optem, inclusive, pelo fim da paridade, o que, diga-se de passagem, ainda não ocorreu entre aqueles que propuseram suas reformas locais.
A aposentadoria com proventos correspondentes à última remuneração consiste na possibilidade de o servidor se inativar recebendo valores iguais aos que recebia quando se encontrava no serviço ativo.
Já a paridade ou isonomia consiste na igualdade entre ativos e inativos perante a legislação instituídora de remuneração para os primeiros, garantido aos que já deixaram o serviço público a extensão das vantagens concedidas àqueles que continuam em atividade.[1]
Sendo essa possibilidade, como já dito, exceção.
Isso porque, desde 2.003 a regra de cálculo dos proventos de aposentadoria exige a observância histórica das médias das contribuições previdenciárias e o reajuste dos proventos é feito com o objetivo de recompor o seu poder de compra.
O princípio da preservação do valor real, por sua vez, implica na aplicação de índice, previamente fixado pelo Ente Federado, de reajuste anual aos proventos de aposentadoria sem qualquer vinculação com os aumentos concedidos aos servidores em atividade, com o objetivo de recompor seu poder de compra, ou seja, o mesmo deve tomar por base as perdas inflacionárias do período anterior.[2]
Em um primeiro momento a aposentadoria com última remuneração e paridade pode parecer mais vantajosa do que a inativação pela média e com reposição das perdas inflacionárias, já que o valor inicial do benefício será no máximo igual em ambas as hipóteses e no médio e longo prazo a garantia dos mesmos reajustes dos ativos pode parecer mais atrativa.
Ocorre que ao se analisar a realidade atual, verifica-se que vários Entes Federados não tem concedido qualquer tipo de reajuste a seus servidores ativos, fazendo com que os inativos com direito à paridade também fiquem sem alteração em seus proventos.
Por outro lado, estes mesmos Entes Federados são compelidos, anualmente, a recompor o poder de compra das aposentadorias e pensões daqueles que se aposentaram pela média contributiva, fazendo com que em alguns casos, tais segurados já estejam recebendo valores maiores do que aqueles que tem paridade.
Assim, o conceito de benefício mais vantajoso, não pode se restringir apenas e tão somente ao valor bruto dos benefícios a que faz jus o segurado, devendo considerar também tais situações.
2 – Modificação a Qualquer Tempo
Razão pela qual a Emenda Constitucional n.º 103/19 foi prudente no sentido de estabelecer que:
§3º A aplicação do disposto no § 2º poderá ser revista a qualquer tempo, a pedido do interessado, em razão de alteração de algum dos benefícios.
Nesse ponto, há de se ressaltar que tal parágrafo torna imprescritível o direito à revisão da opção pelo benefício mais vantajoso feito no momento da cumulação, contudo não assegura a imprescritibilidade das prestações.
Em verdade, a norma constitucional em questão, ainda exige interpretação, inclusive quanto a possibilidade de exigência, em tais casos, de valores anteriores ao pleito de alteração.
Assunto este a ser debatido em outra oportunidade.
3 – Natureza da Aposentadoria e da Pensão
A Reforma Previdenciária de 2.019 definiu como benefícios previdenciários dos servidores públicos apenas e tão somente as aposentadorias e pensões, entendimento esse que já vinha se consolidando no âmbito dos Regimes Próprios à medida que se entendia que sua criação se dava por intermédio da edição de lei que previsse a existência de tais benefícios para os servidores.
Na condição de benefícios previdenciários sua concessão pressupõe a realização de contribuições previdenciárias, sendo esta inclusive uma das exigências para o reconhecimento da condição de filiado ao Regime por parte do servidor.
Além disso, as regras de aposentadoria voluntária trazem como exigência tempos mínimos de contribuição a serem cumpridos pelos servidores, sem os quais o benefício não pode ser concedido.
Já a pensão por morte é benefício previdenciário pago aos dependentes do segurado em razão de seu falecimento. Trata-se de um benefício derivado, pois depende da existência de proventos de aposentadoria ao inativo ou remuneração/subsídio ao servidor ativo.[3]
Mas ainda assim, sua concessão somente pode se dar em razão das contribuições do servidor falecido.
Além disso, não se pode perder de vista o fato de que, principalmente as aposentadorias, são benefícios autônomos uma vez que para sua concessão faz-se necessário que hajam contribuições em vínculos distintos, não se admitindo a utilização de tempo de contribuição já utilizado na concessão de uma inativação em outra.
Sem contar que, muitas vezes, como se vê do próprio dispositivo, são obtidas junto a regimes previdenciários diferentes.
As pensões também se revestem de certa autonomia, especificamente quando sua concessão decorre do falecimento de um servidor na ativa ou mesmo foi concedida em regime diverso.
4 – Caráter Contributivo do Regime
Além disso, não se pode perde de vista que desde a Emenda Constitucional n.º 20/98 foi restabelecido, integralmente, para os Regimes Próprios, o caráter contributivo dos benefícios previdenciários, passando, inclusive, o tempo de contribuição a figurar como requisito para a concessão de aposentadoria.
Isso porque, a previdência social, qualquer que seja o regime adotado (geral, público ou complementar) e qualquer que seja sua base de financiamento, sustenta-se ordinariamente por contribuições sociais.[4]
Assim, o benefício previdenciário advém das contribuições vertidas para determinado Regime Próprio e não por uma liberalidade do Ente Federado ou da respectiva Unidade Gestora, fundado em uma relação legal, seja para o filiado ao RPPS seja para o vinculado ao RGPS, já que a própria Constituição Federal impõe o dever de filiação ao sistema previdenciário por parte dos trabalhadores.
Portanto, está-se diante de relações jurídicas que tomam por base fundamentos legais, mas que se baseiam em contraprestações recíprocas, ou seja, compete ao servidor público promover o recolhimento das contribuições previdenciárias e ao respectivo Regime Próprio conceder o benefício quando a situação de contingência social que a autoriza surgir.
De forma que não há correlação entre os benefícios decorrentes de um vínculo previdenciário com outro vínculo também de natureza previdenciária, sob pena de se fazer sobrepor um sobre o outro ou mesmo condicionar o exercício pleno das regras estabelecidas naquela relação jurídica à existência ou não de outra relação jurídico previdenciária.
Para piorar, em sede de Regime Próprio, não se pode perder de vista que a existência do direito a mais de um benefício previdenciário decorrente do exercício do direito constitucionalmente assegurado a seu servidor e seus dependentes de exercerem cargos públicos ou mesmo o direito ao trabalho na iniciativa privada.
5 – O Suposto Conflito das Regras Constitucionais
O que faz com que as regras contidas no artigo 24 da Emenda Constitucional n.º 103/19 se constituam, em princípio, em limitações de direitos assegurados constitucionalmente aos cidadãos brasileiros, fazendo surgir um conflito aparente entre normas constitucionais.
Isso porque, a imposição de efetivação de contribuições para concretização do direito aos benefícios previdenciários (aposentadorias e pensões) decorrente da Emenda Constitucional n.º 20/98, contrasta com nova regra reformadora que limitou seu recebimento nos casos de recebimento conjunto.
E, nesse ponto, é preciso ressaltar que o conflito entre normas constitucionais pode ensejar o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma delas quando há contradição entre uma norma tida como fundamental e outra advinda de modificação posterior, o que não parece ser o caso, já que ambas são provenientes de reformas constitucionais.
Além do que, o fato de a previdência social ser considerada direito fundamental, não impede que haja modificações em seus regramentos, de forma que a resolução do mesmo deve observar as regras interpretativas das normas constitucionais.
Ensejando a conclusão de que o dito conflito inexiste.
Isso porque, o que a Carta Magna assegura aos segurados e seus dependentes é o recebimento do benefício e não o valor a ser por ele pago, conclusão essa obtida da análise do teor do artigo 40 onde fica evidente que a contribuição é requisito para a concessão do benefício de aposentadoria, ficando a forma de cálculo do mesmo ao alvedrio da legislação infraconstitucional.
Tanto que recentemente o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da aplicação dos limites remuneratórios estabelecidos para os casos de cumulação de remuneração e/ou proventos de aposentadoria e pensão, afirmando que:
Tema 359:
Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional nº 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor
E ao se analisar a legislação reguladora do cálculo do benefício (artigos 23 e 26 da Emenda Constitucional n.º 103/19 e Leis n.º 8.213/91 e 10.887/04) não se encontra vinculação efetiva à contribuição do servidor ao valor dos proventos, limitando-se, apenas a afirmar que, no caso das aposentadorias a base de cálculo das inativações dos proventos é o valor utilizado como base para aferir a contribuição devida.
Prova disso, é que a Corte Suprema, em sede de repercussão geral, tomando por base o caráter solidário do Regime Geral, decidiu que:
Tema 1.065
É constitucional a contribuição previdenciária devida por aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permaneça em atividade ou a essa retorne.
Afastando, no caso em questão, a vinculação do benefício ao pagamento das contribuições, já que nas hipóteses do Tema, a continuidade do recolhimento da exação não autoriza a concessão de nova aposentadoria ou mesmo de pensão por morte.
Corroborando com essa inexistência de vínculo entre o caráter contributivo e o valor a ser recebido pelo segurado ou mesmo seu dependente a título de proventos.
Pois como afirmamos in DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, 3ª edição, editora LTr, página 20:
Mas, frise-se o direito à previdência social, como integrante dos direitos fundamentais, é que não pode ser afastado dos trabalhadores da iniciativa privada ou pública, o que não conduz necessariamente a imutabilidade de suas regras, o que seria um paradoxo diante da gama de fatores sociais (expectativa de vida, taxa de natalidade, taxa de mortalidade, relações afetivas entre os seres humanos) que influenciam a concepção de suas normas.
Assim, não existe óbice algum para a modificação dos requisitos constitucionalmente estabelecidos para a concessão das aposentadorias e de outros benefícios ou mesmo modificação das regras de tributação e a metodologia de cálculo dos proventos.
Até porque, apesar de estarem regulados na Carta, constituem-se em norma que, em boa parte, poderiam integrar a legislação infraconstitucional por não se constituírem no bem, propriamente dito, objeto da proteção social objetivada pela previdência social.
6 – Conclusão
Assim, a previsão de redução dos proventos do benefício menos vantajoso independentemente de ser ele uma aposentadoria ou uma pensão por morte, não contraria o Texto Magno.
Notas e Referências
[1] MARTINS, Bruno Sá Freire. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO. 3ª edição, editora LTr, página 48.
[2] MARTINS, Bruno Sá Freire e AGOSTINHO, Theodoro Vicente. MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO. 2ª edição, editora LTr, página 203
[3] CAMPOS, Marcelo Barrosso Lima Brito de. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS. Editora Juruá, 4ª edição, página 302.
[4] MORENO, Rosana Cólen. MANUAL DE GESTÃO DOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, editora LTr, página 58.
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