ABDPRO #95 - LEVANDO AS "DECISÕES JUDICIAIS" A SÉRIO

24/07/2019

Coluna ABDPRO

O presente ensaio reflete a confirmação, na prática forense, de que, cada vez mais, arremedos de decisões judiciais surgem de um pernicioso subjetivismo apto a instaurar a mais nítida e inconsequente ditadura processual.

O julgador “não pode ser visto como um ser fora do Direito e nem pode interpretar a lei subjetivamente ou fora do ordenamento jurídico”[2].

Passou da hora de levarmos as decisões judiciais a sério![3] E não decisões judicias em série, onde a quantidade sobeja a qualidade do ato decisional.[4]

 

I.

Não é de hoje que se refutam os decisionismos,[5] em prol da "liberdade"[6] das partes, no sentido de que possam combater os desvios e abusos do Estado-juiz, por intermédio do processo.[7]

Para tanto, bastará ao juiz, em prol de uma fundamentação completa, exauriente, levar em consideração todas as particularidades do caso concreto.[8]

O Estado-juiz, ao projetar o seu decidir, o faz sem considerar o seu dever de fundamentação, aliás, na maioria das vezes, percebe-se na prática forense que os juízes sempre decidem para somente depois fundamentarem a sua decisão.[9]

Tal conduta ilegítima, diga-se, malfere, ou melhor, desconsidera a “liberdade” das partes, para privilegiar uma consciência "isenta" de influências (pelo menos é o que pensa a maioria dos juízes), mas que, em verdade, já predefiniu o iter a ser trilhado até o seu pronunciamento (decisão precedente ao devido fundamento).[10]

No mais das vezes, observa-se também o uso indevido do iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito) como subterfúgio ao pleno exercício da fundamentação (como mitigação à adstrição), o que, com certeza, corrompe o Estado de Direito.[11]

O Estado-juiz para se escusar de seu dever de fundamentação, por vezes, lança mão do mencionado brocardo, olvidando inclusive da aplicação do art. 10, CPC/2015 (contraditório efetivo, substancial[12] – vedação de decisão-surpresa).[13]

Também, pertinente afirmar que o juiz, nesses casos, age com parcialidade,[14] distanciando-se do seu dever de fundamentação e de lealdade para com o jurisdicionado.[15]

Ao lançar mão de “metodologia arbitrária”, o magistrado não percebe que a sua parcialidade contamina a decisão a ser tomada. No mais das vezes, o que se vê na prática forense, são atitudes autoritárias direcionadas a afastar a “liberdade” dos jurisdicionados, com a imposição de “decisões solitárias”,[16] ou seja, decisões construídas a partir de uma vontade (até mesmo) vingativa do Estado-juiz (baseadas em ‘elementos metajurídicos’), em total desconsideração e desprestígio aos fatos e provas.

Ora, o agente público com responsabilidade política (o juiz) ao adotar o iter (decidir – fundamentar), e não o contrário (fundamentar – decidir) já definiu, com base em sua fértil convicção, o resultado da demanda. E assim o faz, por vezes, em claro intuito persecutório, onde, p. ex., já se decidiu pelo indeferimento ou pela improcedência, para, somente, após essa “(pré)decisão” fundamentar o “porquê” que assim o fez; daí a maratona seguinte de se buscar a todo custo na “jurisprudência lotérica” um ajuste ou uma explicação para a sua decisão (“fundamento ad hoc”, como preconizado por Lenio Luiz Streck – Precisamos falar sobre direito e moral. Florianópolis [SC]: Tirant Lo Blanch, 2019, p. 128: “Vamos falar claro: Ninguém mais aguenta essa fragmentação das decisões. Vivemos um estado de natureza hermenêutico: no campo criminal, cada um solta se quer. Sempre encontrará um julgado para servir de fundamento ad hoc. Inclusive, se procurar bem, encontrará julgados isolados até do STF.”).

Com certa frequência, tem-se observado, decisões judiciais respaldadas em pseudofundamentos, ou seja, decisões estribadas em outros provimentos (v.g., acórdãos) defasados (reformados ou cassados), o que implica em total mácula à boa-fé processual e à segurança jurídica; e que, à evidência, se por ignorância ou má-fé deveria responsabilizar o agente público. Portanto, cuidado redobrado no controle de tais decisões judiciais!

Nesses casos, verificamos, sem dúvida alguma, verdadeiros simulacros de decisões judiciais contrários ao Estado Democrático de Direito.[17] Infelizmente, já se transformou em cacoete antidemocrático a facilitar, simplificar o ato decisional!

 

II.

Para serem "legítimas", numa perspectiva democrática, todas as decisões judiciais devem ser "devidamente" fundamentadas.[18]

O "devido fundamento"[19] decorre num primeiro plano da própria lei, ou seja, o Estado-juiz deve observá-la e aplicá-la efetivamente, e não se afastar do ordenamento jurídico.

A partir do momento em que o Estado-juiz se afasta do ordenamento jurídico (detalhe, o juiz está a ele vinculado), passa a projetar, ao seu bel prazer (livre convicção), o seu decidir, olvidando-se, por certo, de que para garantir a legitimidade de seu pronunciamento, deverá levar em conta as alegações das partes e provas "devidamente" produzidas[20] (rectius: de todos aqueles que participam efetivamente do processo),[21] explicitando as razões de seu pronunciamento, para, assim, decidir.[22]

Então, pode-se constatar que toda decisão para ser "legítima" num Estado de Direito deverá: (i) decorrer da observância do ordenamento jurídico; (ii) garantir no curso do procedimento, o efetivo diálogo entre todos que participam do processo, inclusive com a oportunidade, em igualdade, de influenciarem na construção da decisão; (iii) ser efetivamente fundamentada - devido fundamento; dentre outros.

        

III.

O que se tem observado, na prática forense, são decisões cada vez mais projetadas desgarradas da necessária fundamentação, ultrajantes à "liberdade" das partes, em total contrariedade ao ordenamento jurídico.

Um exemplo que se tornou corriqueiro seria a desregrada aplicação de medidas executivas atípicas (ex vi do art. 139, IV, CPC/2015) – medidas indutivas inominadas -,[23] com a inusitada criação de sanções "atípicas" contrárias ao ordenamento jurídico, advindas exclusivamente da percepção "vingativa" na suposta realização da justiça (onde a indução cede lugar à punição) – verdadeira exaltação ao caráter “punitivista”.

Na atual conjuntura, Estado Democrático de Direito, todas as decisões judiciais devem ser tomadas com estrita observação ao ordenamento jurídico, não se admitindo "mitigações" em prol de justificativas pessoais,[24] sob pena de retornarmos ao processo inquisitorial, autoritário.

 

IV.

Além disso, observa-se que tais decisões desconsideram os fatos desenhados pelas partes e as provas produzidas (ou consideram apenas um argumento - inconteste mácula à "igualdade"[25]) para a detida e necessária apreciação do Estado-juiz.

De mais a mais, v.g., existem inúmeras decisões proferidas em julgamentos de recursos de embargos de declaração em primeira instância (isso, sem considerar as inúmeras proferidas em instâncias superiores, em diversificados tipos recursais); decisões ocas, padronizadas, "ilegítimas", portanto.[26]

Exemplo de decisão oca (com pseudofundamento): "(...) Não se encontram presentes os vícios da omissão, obscuridade, contradição ou erro material. Interponha o embargante o recurso próprio à espécie".

A referida decisão judicial, ou melhor, arremedo de decisão judicial, nem de longe seria legítima, não há qualquer fundamentação, mas reprodução do texto legal.[27]

Ora, se a parte embargante apontou e delimitou algum vício (v.g., omissão, contradição, obscuridade, erro material – ex vi do art. 1.022, CPC/2015), com a efetiva demonstração de sua presença, também, caberá ao Estado-juiz fundamentar para decidir, com a demonstração de que não há o apontado vício, ou melhor, o “porquê” da inexistência do vício, e não somente reproduzir o texto legal,[28] citando ausência dos vícios lá tipificados, em análise ao caso concreto.[29]

Em alguns casos, o vício (p. ex., a omissão) pode estar direta ou indiretamente relacionado a um documento X, cujo conteúdo deixou de ser apreciado e efetivamente levado em conta no momento do julgamento do recurso de embargos de declaração.

Nesse aspecto, se o Estado-juiz proferir uma decisão oca, padronizada, haverá inconteste cerceamento de defesa.

Tal atitude não leva em consideração as alegações e provas, em total desprestígio à "liberdade" de argumentação das partes.

Outro emblemático exemplo de decisão oca (com pseudofundamento): “Intime-se a parte autora para o recolhimento das custas judiciais, no prazo de 10 (dez) dias”. Nesse caso, a decisão foi proferida no curso de uma demanda, onde o jurisdicionado (o autor), dentre os seus pedidos, empreendeu expresso pedido de gratuidade de justiça e pedido de tutela provisória de urgência, em caráter liminar.

A referida decisão (rectius: simulacro de decisão judicial) traz pelo menos dois sérios (gravíssimos) problemas, quais sejam: (i) total ausência de fundamentação, o que implicará na sua anulação; (ii) total negativa de tutela jurisdicional.

Ora, se o autor (parte) elaborou expresso pedido de gratuidade de justiça, o Estado-juiz deveria analisar o seu pedido, mesmo se o for negar, com a devida e adequada fundamentação.

Agora, se há expresso pedido de tutela provisória de urgência, o Estado-juiz não deverá condicionar a análise do pedido com a devida fundamentação ao recolhimento de custas judiciais, pois nesse caso, estar-se-á negando a tutela jurisdicional ao direito da parte em contrariedade ao disposto no art. 5º, XXXV, CF/88, o que se afigura inconcebível num Estado Democrático de Direito.[30]

Assim, a "ausência de fundamentação" indica "ausência de liberdade" das partes no processo, já que deixaram de participar efetivamente da construção da decisão judicial.

O devido fundamento, portanto, é aquele que prestigia a liberdade das partes na construção de um provimento judicial democrático.

 

V.

A ausência de fundamentação[31] ou a fundamentação mínima ou suficiente[32] como propositadamente apregoada pelos tribunais (em especial os superiores) agride ao Estado de Direito,[33] na medida em que neutraliza a "liberdade" das partes na construção do provimento judicial.[34]

Nesse contexto, o Estado passa agir em nítido arbítrio (com traços autoritários) ao impor a sua decisão,[35] sem que o jurisdicionado tenha tido oportunidade efetiva de participar do procedimento e influenciar, aparando os desvios e abusos do Estado-juiz, para, ao final, contribuir para a formatação de um provimento democrático;[36] e tal descumprimento do dever de fundamentação, à evidência, poderá aumentar sobremaneira o número de recursos.[37]

A decisão judicial devidamente fundamentada, por certo, garante a previsibilidade e, portanto, a segurança jurídica, além de proporcionar aos jurisdicionados a confiança rente à realidade que se quer trilhar numa democracia; o contrário, com certeza, conduzirá à discricionariedade e, com isso, ao arbítrio próximo ao autoritarismo[38] prejudicial ao Estado de Direito.[39]

           

           

Notas e Referências

[1] O título do presente ensaio foi inspirado nos títulos das seguintes obras: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério. Salvador: JusPodivm, 2018. Nota: O conteúdo do presente ensaio, por mais que seja óbvio, encontra-se fora da rotina daqueles que deveriam empenhar para bem decidir. Lógico, cientes, da existência de valorosos julgadores, cuja função estatal efetivamente proporciona o exercício da “liberdade” das partes. Além disso, pode-se verificar que há um consenso entre os autores, independentemente da escola processual, em relação à devida e necessária fundamentação das decisões judiciais. O presente ensaio também não pretende percorrer, ou melhor, trazer em minúcias a estrutura normativa do art. 489, CPC/2015, mas servir de alerta para prática comum e contrária ao Estado Democrático de Direito.

[2] MADEIRA, Dhenis Cruz. Argumentação jurídica: (in)compatibilidades entre a tópica e o processo. Curitiba: Juruá, 2014, p. 351.

[3] “Atente-se que ‘decisão fundamentada’ é aquela que leva a sério os argumentos, teses e provas de ambas as parte e, portanto, não é sinônimo de decisão longa e de difícil compreensão.”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinoud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 328). Ressalte-se, decisão longa nem sempre é “completa”, não significa completude.

[4] Segundo Leonardo Zehuri Tovar: "Mas sobre o fascínio da quantidade em detrimento da qualidade, indaga-se: o que dizer da imposição de 'metas' pelo CNJ? São metas quantitativas, jamais qualitativas, e com o objetivo de que? Ora, esvaziar, as prateleiras de gabinetes, garantindo um pretenso acesso rápido à prestação jurisdicional. Rápido, entretanto, nem sempre bom, pois há um sem número de julgados embasados em enunciados performáticos e manipulações argumentativas, cujo objetivo é propiciar um rótulo, uma 'casca', de forma a conferir uma aparência de legitimidade ao que será decidido. (...) Portanto, segundo as bases deste estudo, pode-se até mesmo adiantar que (i) não é possível abrir mão da qualidade das decisões - e de sua fundamentação - em prol de uma celeridade cujas causas são externas à própria atividade dos tribunais; (ii) o julgador não é um mero reprodutor de textos legais; (iii) é absolutamente inadequado separar questões de fato e de direito, estandardizando casos, com a promoção do esquecimento do caso concreto; e (iv) obviamente, decidir não é escolher!". (Teoria do direito e decisão judicial: elementos para a compreensão de uma resposta adequada. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 275-276-277). Verdadeiros déficits (para não dizer total ausência) de fundamentação! Em relação ao inconsequente fetiche pela quantidade, assim manifestou Guilherme Lunelli: “Nesse contexto, o cidadão-jurisdicionado passa a ser um mero consumidor da prestação jurisdicional à espera de uma decisão massificada e pautada em metódicas de produtividade empresariais. Ao mesmo tempo, deveria ser mais importante: a qualidade dos provimentos e o respeito mínimo às garantias processuais. Evidentemente, essa forma de se encarar a função processual (e, por consequência, a própria função da atividade jurisdicional) não encontra respaldo constitucional. A adoção de técnicas muito mais pautadas na redução quantitativa dos processos do que na qualidade da prestação jurisdicional (e, no mais das vezes, abertas a métodos de estandardização do direito, afastamento do caso concreto e fundamentações de mera aparência) não pode ou deve ser encorajada. Ao consagrar as garantias do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e do dever de fundamentação das decisões, a Constituição não garantiu ao cidadão simplesmente o direito de ter o seu litígio solucionado. Conferiu ao jurisdicionado, sim, o direito de receber uma decisão qualitativamente adequada, que leve em conta as especificidades do seu caso, dialogue com seus argumentos e se encontre suficientemente maturada”. (Direito sumular e fundamentação decisória no CPC/2015. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 46 e 47).

[5] Num viés crítico ao decisionismo judicial, assim pontuou Rosemiro Pereira Leal: “Agora, outra utopia da boa decisibilidade está a nascer numa especialidade que, segundo se apregoa, irá aperfeiçoar a corrente realista do decisionismo judicial. Trata-se da juscibernética, que, por banco de dados organizado pela informática jurídica, fornecerá ao juiz, em linguagem algorítmica (fórmulas fixas), uma ratio jurisprudencial para congelar o rumo das decisões, realizando a eternização da autocracia jurídica de uma ‘justiça rápida’ pela construção pretoriana sabiamente uniformizada e armazenada ao longo do tempo pela prodigiosa memória do computador. Evita-se, assim, o desconforto de uma jurisdiscência (não jurisprudência) pelas garantias do devido processo constitucional procedimentalizado, que é considerado pela judicatura mundividente como lento, desnecessário, imprestável à superação da morosidade do Judiciário. Somam-se a isso, como auxílio do decididor-realista, uma psicologia forense, uma sociologia jurídica, uma política jurídica, que lhe vão municiar de sabedorias para recuperar a enfermidade da lei e dos paradigmas hermenêuticos que a lei possa adotar em lugar da clarividência judicante sempre reveladora de uma justiça judiciarista esplendorosa”. (Teoria processual da decisão jurídica. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, p. 62-63).

[6] Aqui no texto, “liberdade” no sentido de “liberdade contrajurisdicional”, expressão utilizada por Eduardo José da Fonseca Costa: Processo: garantia de liberdade [freedom] e garantia de liberdade [liberty]. https://emporiododireito.com.br/leitura/processo-garantia-de-liberdade-freedom-e-garantia-de-liberdade-liberty. Acesso em: 4 de julho de 2019.

[7] Em relação ao processo como garantia a ser utilizada contra o arbítrio do Estado, interessante a afirmação de Rodrigo Ramina de Lucca, entretanto, trabalha o processo como ‘método de atuação’: “(...) o Direito Processual embora público, não existe para o Estado, mas para a pessoa. Rejeita-se a confusão entre processo e jurisdição, ideias estritamente relacionadas, mas autônomas e independentes. Se a jurisdição é a função, a atividade e o poder do Estado, a qual precisa ser exercida com a máxima efetividade, o processo e o Direito Processual são a disciplina desse exercício jurisdicional. Isso quer dizer que o processo e o Direito Processual têm a específica função de proporcionar segurança jurídica e tutelar o indivíduo contra o exercício arbitrário do poder. O processo não serve para fazer justiça, mas para permitir que o Estado-jurisdicional faça a sua ‘justiça’ institucional com legitimidade. Essa diferença é imprescindível para estabelecer e disciplinar os pontos de conflito entre os interesses privados juridicamente tutelados das partes e os interesses público-estatais no exercício jurisdicional. (...) todo poder estatal precisa ser disciplinado: é essa a grande conquista do Estado Moderno, regido pelo ideal do Estado de Direito. Disciplina-se o exercício do poder jurisdicional mediante a criação de um método de atuação, o processo, que deve ser rigorosamente seguido pelos agentes estatais para que, além de ‘justa’, a decisão ao final proferida seja legítima. Daí falar-se em devido processo legal, que é, lembrando as atemporais lições de Couture, a ‘garantia da liberdade’”. (Disponibilidade processual: a liberdade das partes no processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 23-367). Com proveito, sobre a definição do processo como instituição de garantia, ver o artigo de Eduardo José da Fonseca Costa: O processo como instituição de garantia. https://www.conjur.com.br/2016-nov-16/eduardo-jose-costa-processo-instituicao-garantia. Acesso em: 4 de julho de 2019. Ver também o estudo de Antônio Carvalho Filho: Precisamos falar sobre o instrumentalismo processual. https://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-2-precisamos-falar-sobre-o-instrumentalismo-processual-por-antonio-carvalho-filho.

[8] De acordo com Leonardo Zehuri Tovar: "Equivale dizer: a facticidade do caso ganha relevo! A expectativa, então, é que o juiz não se valha da abertura do conceito legal como subterfúgio para apor sua eventual e incondizente prática decisionista, mas sim que ele tenha em mira essa abertura e construa a norma no caso concreto, a partir de todas as suas especificidades". (Teoria do direito e decisão judicial: elementos para a compreensão de uma resposta adequada. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 286).

[9] Segundo Maurício Ramires: “É assim, portanto, que é preciso compreender a obrigação de motivação da decisão judicial como garantia política e democrática. É freio ao arbítrio; a referência à sustentação normativa da decisão evidencia que ela não foi fruto de uma deliberação arbitrária do autor, mas de um trabalho de conhecimento e reflexão. É uma necessária comunicação entre a atividade judiciária e a sociedade, pois faz parte da responsabilidade dos juízes a sujeição de seus provimentos à ciência e à opinião das partes e do público, de forma transparente”. (Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 40-41). Ao final do referido raciocínio, o autor acrescenta, em nota de rodapé a seguinte explicação: “Não se pode confundir, porém, o saudável controle da opinião pública sobre os provimentos do Judiciário – aquele decorrente da fundamentação e transparência dos julgados – com outra coisa, definitivamente indesejável, que se pode chamar de ‘populismo jurisdicional’. Este se caracteriza pela submissão dos juízes à pressão popular, à ‘voz das ruas’, que pode ser tão naturalmente volúvel quanto artificialmente manipulável. É preciso ter sempre em conta que a atividade jurisdicional exerce a função contramajoritária em uma democracia; a adoção da consulta direta à ‘vontade popular’ como fundamento de escolhas dos juízes é a introdução de uma instância decisória ilegítima no Estado de Direito, que acabaria, na prática, por suprimir a atividade jurisdicional”. (Idem, p. 41). Para a compreensão da indevida e (des)legitimadora inversão do “fundamentar-decidir”, verificar: SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 220 a 225.

[10] Em relação aos tipos de pronunciamentos do juiz, verificar o conteúdo do art. 203, CPC/2015.

[11] Rodrigo Ramina de Lucca assim pontuou: “O nosso STJ invoca com frequência o iura novit curia, mas muitas vezes o faz de forma atrapalhada para justificar decisões extra petita ou ultra petita, em prejuízo da inércia jurisdicional e da correlação entre demanda e tutela. (...) Com efeito, embora o Direito seja indisponível às partes e ao Estado-juiz, isso não autoriza que seja concedida tutela jurisdicional diversa da que foi pleiteada pelo demandante ou que a decisão esteja fundada em fatos distintos dos que foram alegados e provados pelas partes. O iura novit curia impõe que o Estado-juiz dê aos fatos a qualificação jurídica adequada e julgue de acordo com o Direito, mas o julgamento deve ser da pretensão deduzida pelo demandante com fundamento nos fatos alegados pelas partes. Conclusão diversa implicaria negar o princípio dispositivo e a regra da inércia jurisdicional. (...) Repete-se: o iura novit curia não pode servir de pretexto para decisões ativistas que desrespeitem a demanda ou a defesa e extravasem os limites estabelecidos pela correlação”. (Disponibilidade processual: a liberdade das partes no processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 231).

[12] Sobre o contraditório, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias afirmou o seguinte: “A nosso ver, contudo essas noções ainda se revelam incompletas, pois o que deve ser instaurado na dinâmica do procedimento é o quadrinômio estrutural do contraditório (e não binômio ou trinômio), ou seja – informação-reação-diálogo-influência – como o resultado lógico-formal da correlação do princípio do contraditório com o princípio da fundamentação das decisões jurisdicionais. Por consequência, no Estado Democrático de Direito, é esta forma de estruturação procedimental que legitima o conteúdo das decisões jurisdicionais proferidas ao seu final, fruto da comparticipação dos sujeitos do processo (juiz e partes contraditoras), gerando a implementação técnica de direitos e garantias fundamentais ostentados pelas partes”. (Processo constitucional e estado democrático de direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p. 133-134). Ver também as seguintes obras: LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. SANTOS, Welder Queiroz dos. Princípio do contraditório e vedação de decisão surpresa. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

[13] “Já foi dito neste trabalho que o iura novit curia é uma exigência do Estado Moderno de que os juízes apliquem corretamente o Direito a que estão vinculados. O aforismo radica na noção de que as decisões judiciais são atos impessoais produzidos pelo Estado-jurisdição, ainda que ‘corporificado’ pelos juízes. Sob essa perspectiva de indisponibilidade do Direito, pouco importa se o juiz tira de sua cartola um argumento jurídico que jamais havia sido cogitado no processo ou se, antes de decidir, informa às partes que talvez os fatos comportem uma qualificação jurídica diversa da que foi por elas apresentada e abre-lhes a oportunidade de manifestação. Em qualquer uma das duas hipóteses, o Estado-juiz está cumprindo a sua missão de preservar a juridicidade das decisões judiciais. O que muda entre um cenário e outro é que o primeiro é um ato autoritário e despótico que suprime a participação das partes no processo e a faculdade que cada uma delas tem de influir na decisão judicial. O segundo é um ato democrático que dá aos litigantes a oportunidade de demonstrar que aquela talvez não seja a solução correta ao caso concreto. De uma forma ou de outra, o iura novit curia não significa – nem jamais significou – que o Estado-juiz deva impor de forma autoritária a qualificação jurídica que bem entende aos fatos narrados pelas partes. Significa, sim, que o Estado-juiz deve zelar pela juridicidade de suas decisões; objetivo que será atingido com muito mais legitimidade se proporcionados o contraditório prévio e a participação efetiva das partes no resultado do processo. Nas precisas palavras de Francesco Luiso, ‘o que foi discutido é melhor decidido do que o que não foi discutido’. (...) Diante de tudo isso, a única conclusão a que se pode chegar é a de que o iura novit curia é, sim, uma restrição ao princípio dispositivo e impõe ao Estado-juiz que decida corretamente as pretensões que lhe são deduzidas sob o ponto de vista jurídico, independentemente do que foi alegado pelas partes; contudo, qualquer questão levantada de ofício pelo Estado-juiz, que não tenha sido objeto de debate entre as partes, deve ser submetida ao prévio contraditório”. (RAMINA DE LUCCA, Rodrigo. Disponibilidade processual: a liberdade das partes no processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 325-326-329).

[14] Relevantes as ponderações lançadas por Eduardo José da Fonseca Costa acerca da “condição de imparcialidade” para a existência de jurisdição: “Por conseguinte, nota-se que os elementos essenciais à definição de jurisdição são a 1) ‘imparcialidade’ [= imparcialidade psicológica = imparcialidade subjetiva ou anímica = imparcialidade propriamente dita = não se interessar pela causa nem tomar partido por quem quer que seja] e a 2) ‘terceiridade, alienidade, alteridade ou alheação’ [= imparcialidade funcional = imparcialidade objetiva = ‘impartialidade’ = não atuar como parte, mantendo-se equidistante] (cf., por exemplo, o artigo 11 da Constituição italiana: ‘Ogni processo si svolge nel contradittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale’) (d. n.). Daí por que, onde não pode haver imparcialidade, não pode haver jurisdição. Como bem diz Gonzalo Calderón, ‘historicamente la cualidad preponderante que aparece inseparable de la ideia misma del juez, desde su primera aparición em los albores de la civilización, es la imparcialidad’”. (Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 21).

[15] “Assim, sob a ótica, o dever de fundamentar passa a ser encarado também enquanto um dever de lealdade do juiz para com o jurisdicionado e para com o próprio sistema jurídico. É por via da fundamentação que o magistrado poderá demonstrar que, na solução do caso, os parâmetros decisório-interpretativos por ele utilizados repousam sobre critérios intersubjetivos (que superam o ‘seu querer’), que levou em conta todas as especificidades fáticas da situação posta a julgamento, bem como todas as alegações ventiladas pelas partes”. (LUNELLI, Guilherme. Direito sumular e fundamentação decisória no CPC/2015. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 66).

[16] Para uma noção de solipsismo judicial, Lenio Luiz Streck explicitou o seguinte: “Não se pode ‘assujeitar’ as coisas. O solipsismo judicial se coloca na contramão desses constrangimentos cotidianos, do mundo vivido. No Direito, em face do lugar da fala e da sua autoridade, o juiz pensa que pode – e, ao fim e ao cabo, assim o faz – assujeitar os sentidos dos textos e dos fatos. Por vezes, nem a Constituição constrange o aplicador (juiz ou tribunal). Por isso o lema hermenêutico é: deixemos que a Constituição dê o seu recado. Ela é linguagem pública. Que deveria constranger epistemicamente o seu destinatário, o juiz”. (Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do direito. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito, 2017, p. 277).

[17] “A democracia se baseia, sobretudo, na fiscalização dos atos dos agentes públicos na estrita vinculação jurídico-normativa, soando como algo envelhecido expressões legais do tipo ‘é facultado ao juiz’, ‘o juiz decidirá por equidade’, ‘o juiz aplicará por analogia’, ‘o juiz aplicará os costumes’, ‘o juiz poderá’, quando se sabe que nenhum agente público possui faculdades ou ônus, mas sim, deveres. Quando a lei diz ‘o juiz poderá’, deve-se interpretar como ‘o juiz deverá’. Nenhum agente público possui liberdade irrestrita para atuar de uma forma ou de outra, mas deve se ater à legalidade de seus atos, evitando cair em espaços de subjetividade, a não ser que queira prolatar uma decisão de forma solipsista o que, por impedir a participação dos destinatários do provimento, carece de legitimidade jurídico-democrática”. (MADEIRA, Dhenis Cruz. Argumentação jurídica: (in)compatibilidades entre a tópica e o processo. Curitiba: Juruá, 2014, p. 352) .

[18] Rosemiro Pereira Leal assim pontuou: “O que se impõe distinguir, na quadra do direito deste terceiro milênio, é, como já mencionamos, a dialítica das teorias (problematização continuada por fundamentos ligados a argumentos) e a dialética-deôntica das ideologias (pré-soluções radicais). As decisões, embora proferidas em nome de um Estado Democrático de Direito ou de um Direito Constitucional Democrático, não se vêm fundamentando na teoria de um sistema aberto, jurídico-linguístico, da democracia, não se prestando, portanto, a realizar os conteúdos legais instituintes desse tipo de Estado de vez que se limitam seus prolatores a entender, aos moldes de Luhmann, como decisão fundamentada, aquela que ideologicamente se definisse em apreciar pressupostos e condições de procedimentos, bem como a causa de pedir e pedido por via de motivações jurídicas, éticas ou morais do decididor, ao atendimento de ‘aspirações da sociedade’ extraídas de seu especial talento e sensibilidade intimorata. Ter a jurisprudência como ciência é outro arcaísmo que tem deveras contribuído para piorar a compreensão das novas perspectivas da produção e aplicação do direito na atualidade. Aceitar o direito como objeto reificado da Ciência do Direito é uma tautologia bem própria dos realistas, que inferem pelo seu talento uma Ciência de sua própria realidade pessoal para lidar com o direito culturalizado por uma jurisprudência de conceitos ou de valores”. (Teoria processual da decisão jurídica. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, p. 105-106).

[19] Para Lenio Luiz Streck, o “fundamento” seria a “obrigação fundamental... de fundamentar, conforme estabelecido na Constituição e em qualquer país civilizado”. (O que é isto – o senso incomum? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2017, p. 26).

[20] Segundo Dhenis Cruz Madeira: “(...) o destinatário da decisão judicial – leia-se: a parte – não poder ser surpreendido com uma decisão surpresa, que se vale de argumentos ou instrumentos de prova que não foram previamente debatidos nos autos. A decisão surpresa viola frontalmente o princípio do contraditório, agredindo, portanto, o próprio Processo Constitucional”. (Argumentação jurídica: (in)compatibilidades entre a tópica e o processo. Curitiba: Juruá, 2014, p. 449).

[21] “Isso não quer dizer, como óbvio, que a autoridade encarregada pela aplicação da lei (v.g., o juiz) tenha que concordar com todos os argumentos apresentados pelos destinatários do provimento legislativo (v.g., as partes), mas lhe é vedado decidir sem passar pelos argumentos dos destinatários e sem explicar o porquê de acolher ou rejeitar os argumentos apresentados. A fundamentação jurídica das decisões passa a ganhar ainda maior importância, na medida em que reduz o espaço de arbítrio da autoridade e evita que o destinatário da decisão se transforme num homo sacer, para quem a lei civil é suspensa por um estado de exceção o que lhe faz viver uma vida nua”. (MADEIRA, Dhenis Cruz. Argumentação jurídica: (in)compatibilidades entre a tópica e o processo. Curitiba: Juruá, 2014, p. 346). Ainda nas palavras de Dhenis Cruz Madeira, “o homo sacer é, em última palavra e como sobredito, também reconhecido como um excluído social, desprovido de direitos fundamentais e incapaz de integrar a sociedade civil. Ele habita, portanto, fora do espaço jurídico, está fora do Direito, é um fora-da-lei, incapaz de se autoincluir nos espaços de discursividade jurídica – ou seja, não é cidadão, no sentido democrático do termo – e, quando muito, vê restringido seu exercício político ao direito de voto, esperando, eternamente, tal como o camponês kafkiano, que a autoridade seja sensível às suas súplicas e lhe permita entrar na lei”. (Idem, p. 346).

[22] Sobre o iter percorrido até a tomada de decisão, assim pontuou Leonardo Zehuri Tovar: "Decisão é ato de responsabilidade política (Dworkin) e como tal, deve reconstruir a história institucional do caso concreto, o que é feito pelo conhecido relatório sentencial. A fundamentação, como direito fundamental que é (art. 93, IX, CF), constitui elemento essencial para o Estado Democrático de Direito, uma verdadeira condição de possibilidade da decisão e não uma mera justificativa de razões subjetivamente elencadas para a tomada de decisão, de forma que não se pode mais dizer que o juiz primeiro 'pensa' no dispositivo e depois 'pensa' nos fundamentos capazes de lhe dar sustentação". (Teoria do direito e decisão judicial: elementos para a compreensão de uma resposta adequada. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 278).

[23] Ver o nosso artigo escrito em conjunto com Diego Crevelin de Sousa e Jorge Bheron Rocha. Medidas indutivas inominadas: o cuidado com o fator shylockiano do art. 139, IV, CPC. In: TALAMINI, Eduardo; MINAMI, Marcos Youji (Coordenadores). Medidas executivas atípicas. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 704. Com proveito, em relação às variadas espécies de medidas indutivas inominadas, o artigo de Guilherme Sarri Carreira e Vinicius Caldas da Gama e Abreu. Dos poderes do juiz na execução por quantia certa: da utilização das medidas inominadas. In: TALAMINI, Eduardo; MINAMI, Marcos Youji (Coordenadores). Medidas executivas atípicas. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 256 a 271. Verificar também a obra de Marcos Youji Minami. Da vedação ao non factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas. Salvador: JusPodivm, 2019. Verificar, ainda, as obras de Marcus Vinícius Motter Borges. Medidas coercitivas atípicas nas execuções pecuniárias: parâmetros para a aplicação do art. 139, IV do CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019; e de Paulo Antonio Papini. Medidas atípicas para cumprimento de ordem judicial suspensão do passaporte e CNH do devedor. São Paulo: Lualri, 2018.

[24] Danúbia Patrícia de Paiva, em citação a Rosemiro Pereira Leal, manifestou o seguinte: “Nos dias atuais, a partir de um exame dos dispositivos do Código de Processo Civil de 2015, nota-se que é verificada uma posição epistemológica na qual a fundamentação das decisões judiciais está calcada em uma razão universal e apriorística, repousada no racionalismo kantiano. (...) A fundamentação decisória centrada nos valores sociais e na figura do juiz é a morte pelo direito, pois transforma a ciência do direito numa teoria subjetivista do conhecimento, o que é verificado ‘desde a mais remota antiguidade (juízos ordálios e carismáticos) até nossos dias por sequelas continuadas nos textos jurídicos vigorantes em todo o mundo’”. (A crença em uma imperatividade na fundamentação: uma perspectiva a partir da ausência de processualidade jurídica como morte pelo direito. In: LEAL, André Cordeiro; BATISTA, Sílvio de Sá; PENIDO, Flávia Ávila; SANTOS, Luiz Sérgio Arcanjo dos; DOURADO DE ANDRADE, Francisco Rabelo (Coordenadores). Processo como democracia na contemporaneidade: colóquio em homenagem ao Professor Rosemiro Pereira Leal. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019, p. 231-239).

[25] “A igualdade na democracia se define pela garantia de simétrica atuação temporal entre partes na construtividade da estrutura procedimental como espaço argumentativo instituído pela conexão normativa egressa da teoria jurídico-processual do direito democrático e não pela paridade entre pessoas no nível de justificação faticizada para obviar uma solidariedade social pressuposta ou para alegar boas razões para otimizar estrategicamente inclusões sociais. Igualdade na democracia – e aqui está o equívoco de Habermas – não se confirma pela racionalidade final e reconhecedora do judiciário (tribunal constitucional) ou pelo tratamento de paridade devido às pessoas, mas pela proporcionalidade temporal juridicamente assegurada a todos no âmbito da procedimentalidade instaurada e processualmente estruturada à legitimação discursiva do direito como lugar de preservação da durabilidade do projeto constitucional por uma interpretação ‘desencadeada em todos os níveis da positivação do direito’ e de sua aplicação”. (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. Belo Horizonte: Editora D”Plácido, 2016, p. 164-165).

[26] Leonardo Zehuri Tovar manifestou o seguinte: "(...) temos que ante a feliz inovação trazida pelo art. 489, § 1º, IV, NCPC/15, vê-se que, com os aportes das críticas feitas que cabe sim ao julgador, ao acolher as razões de uma determinada parte, enfrentar todas as alegações da que fora vencida, até mesmo para que se propicie o prequestionamento de matérias que, ao final, poderão ser objeto de insurgência via recurso especial e/ou extraordinário, mesmo porque, ainda no escopo de investir na qualidade da prestação jurisdicional e de combater decisões genéricas e subjetivismos, o art. 1.022, NCPC/15, possibilita o cabimento de embargos de declaração, por ser omissa, a decisão que incorra em qualquer das condutas do art. 489, § 1º". (Teoria do direito e decisão judicial: elementos para a compreensão de uma resposta adequada. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 288). Mas, o que se observa, na prática forense, é uma verdadeira burla ao disposto no art. 489, § 1º, CPC/2015, isso porque também não se apercebem que o próprio texto constitucional está sendo usurpado (ex vi do art. 93, IX).

[27] Segundo o saudoso Ovídio A. Baptista da Silva, em análise ao disposto no art. 131, CPC/1973 (art. 371, CPC/2015): “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”): “Devemos ter presente que a referência feita no texto a ‘circunstâncias’ impede – ou deveria impedir – as usuais formas de fundamentação de sentenças elaboradas a partir da referência a doutrina e a textos legais. Por esta via, jamais se terão em contas as ‘circunstâncias’ do caso concreto. De resto, não devemos confundir fundamentação das sentenças com a maneira como o juiz costuma explicar os motivos de seu convencimento. ‘Fundamentar o justificar una decisión es diferente de explicarla’ (Sergi Guasch, El hecho y el derecho em la casación civil, Bosch, Barcelona, 1998, p. 447). Há, portanto, duas exigências impostas ao julgador. A primeira, determinando que ele se ‘persuada’ racionalmente, formando o convencimento a partir dos ‘fatos e circunstâncias’ constantes dos autos; depois, impondo-lhe que explicite seu convencimento, através da análise crítica do conjunto da prova, assim como justificando a interpretação do direito aplicável. Mais, tendo em vista a natureza dialógica do processo, é necessário que o julgador assegure o contraditório efetivo a ambas as partes, compreendido nesse princípio o direito, reconhecido a ambos os litigantes, não apenas de alegar e provar suas alegações, mas, fundamentalmente, o direito, reconhecido tano ao vencedor quanto ao vencido, de obter ‘respostas’ para suas alegações e provas”. (Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo (Coordenação). O processo na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 469-470).

[28] Leonard Ziesemer Schmitz afirmou: “(...) Qualquer decisão judicial precisa basear-se no que diz a lei; esta é a premissa básica de um sistema normativo calcado no princípio da legalidade (art. 5º, caput, da CF/88). Isso, no entanto, não exime o julgador de demonstrar o porquê há respaldo legal para a pretensão deduzida em juízo. O presente tópico presta-se a analisar criticamente decisões que, a pretexto de justificação, limitam-se a constatar que estão presentes, ou ausentes, determinados ‘requisitos legais’ para a concessão de determinada medida judicial. ‘Mostra-se absolutamente corriqueira a ausência de justificação na prolação de tais provimentos de urgência sob a frágil assertiva de que essas decisões estariam dentro de uma zona de discricionariedade. [...] É nula de pleno direito a decisão judicial que indefere ou defere o pedido de antecipação de tutela sob a singela argumentação de estarem ou não presentes os requisitos legais. O jurisdicionado precisa saber quais os fundamentos fáticos passíveis de enquadramento aos ditos requisitos. Como diz José Carlos Barbosa Moreira, sobre decisões que apenas afirmam a falta dos ‘pressupostos legais’: ‘Dizer isso ou nada dizer é praticamente a mesma coisa. Cumpre justificar o asserto de que os pressupostos legais não estão presentes. A mera alusão à respectiva falta não é satisfatória. Decisão desse teor não está motivada’. Decisões dessa natureza são especialmente comuns no (des)provimento de embargos de declaração. Observe-se, ilustrativamente, a ementa que segue: ‘Embargos declaratórios. Omissão e contradição inexistentes. Acórdão que é claro quanto aos fundamentos que justificaram a solução adotada com base nos elementos existentes no recurso. Embargos rejeitados’. (...) O mesmo acontece no (in)deferimento de pedidos de natureza liminar, onde se diz apenas o seguinte: ‘Ausentes os requisitos legais, notadamente a existência de prova inequívoca, fica mantido o indeferimento da antecipação de tutela reclamada’. Onde, nesse caso acima, está a verdadeira fundamentação da decisão? Os requisitos que a lei exige para a concessão da antecipação e efeitos da tutela estão ausentes na visão subjetiva do julgador, mas como temos certeza dos porquês dessa ausência? A mera transcrição do que sejam os ‘requisitos legais’ e a conclusão de que não estariam presentes basta, para aferir como a decisão foi tomada?”. (Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 279-280-281).

[29] De acordo com Maurício Ramires: “Compreendida a importância da fundamentação na tradição constitucional e democrática, é preciso diferenciar, agora, a fundamentação válida das suas simulações. Fundamentar validamente não é explicar a decisão. A explicação só confere à decisão uma falsa aparência de validade. O juiz explica, e não fundamenta, quando diz que assim decide por ter incidido ao caso ‘tal ou qual norma legal’. A atitude do juiz que repete o texto normativo que lhe pareceu adequado, sem justificar a escolha, não vai além do que faria se não explicitasse de forma alguma o motivo da decisão. Diz Streck que ‘jamais uma decisão pode ser do tipo ‘Defiro com base na lei x ou na súmula y’’. Essa escolha ‘livre’ de sentido não fundamenta o julgado, a não ser para alguém ainda tão imerso no paradigma racionalista que acredite que a lei tenha um sentido unívoco e pressuposto. Ao juiz contemporâneo não pode bastar, ao dar cabo a uma discussão, a mera declaração do vencedor, repetindo as razões deste como quem enuncia uma equação matemática. Ao contrário, é preciso que o julgador, no mesmo passo em que diz por que acolheu as razões do vencedor, afirme as razões pelas quais rejeitara a interpretação dada pela parte sucumbente. É por isso que se diz que a exigência de fundamentação nem precisaria estar expressa no texto constitucional para configurar uma inarredável garantia política contra o arbítrio judicial, uma vez que ela, corretamente compreendida, decorre de forma direta do princípio do contraditório. Isso porque o contraditório, por óbvio, não pode ser entendido como o direito apenas de alegar e provar em juízo, mas também o de obter ‘respostas’ a estas alegações ou provas. E tal direito deve ser necessariamente assegurado a ambas as partes: vencido e vencedor”. (Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 42).

[30] Para casos similares, o Estado-juiz deveria analisar de pronto o pedido de tutela provisória de urgência, e, se negada a gratuidade de justiça, caso a tutela de urgência tenha sido deferida liminarmente, intimar a parte para o recolhimento de custas judiciais. Se a parte deixar de pagar as custas judiciais, a tutela provisória será revogada. Com isso, o jurisdicionado atingiu a proteção urgente de um direito seu, sem ter sido condicionado ao pagamento de custas judiciais.

[31] Beclaute Oliveira Silva manifestou o seguinte: “(...) A decisão sem fundamento ou a decisão com fundamentação insuficiente é arbitrária, logo nula. O CPC criou critérios para uma fundamentação analítica ao indicar hipóteses de decisões não fundamentadas”. (Comentários ao art. 489. In: ALMEIDA RIBEIRO, Sérgio Luiz de; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos; CARDOSO PANTALEÃO, Izabel Cristina Pinheiro; GRASSI DE GOUVEIA, Lúcio (Coordenadores). Novo código de processo civil comentado – Tomo II – artss 318 a 770. São Paulo: Lualri Editora, 2017, p. 284).

[32] Segundo pensamos, as fundamentações suficientes equivalem à inadequação, por isso, não seria razoável o raciocínio da existência de fundamentação boa ou ruim, mas fundamentação completa, adequada e exauriente (tal qual previsto no disposto do art. 489, CPC/2015), já que as fundamentações boas ou ruins podem equivaler àquelas formas "suficientes" de escamotear o dever de fundamentação. Rodrigo Ramina de Lucca, em estudo específico acerca do dever de motivação, traça alguns requisitos mínimos necessários à fundamentação, os quais seriam “(...) a clareza, a coerência e, em certa medida, a completude. Tais requisitos eram extraídos indiretamente do art. 535 do CPC/73 ao permitir a oposição de embargos de declaração quando a decisão fosse obscura, contraditória ou omissa. O NCPC manteve os embargos de declaração (com redação legislativa mais adequada – art. 1.022) e alargou de forma louvável os requisitos formais de motivação em seu art. 489, § 1º. Com efeito, de um lado o art. 489, § 1º, IV reforça o dever de completude ao impor que o juiz manifeste sobre todas as alegações capazes de, em tese, infirmar a decisão proferida. De outro lado, positiva expressamente o dever de concretude em quatro incisos do mesmo art. 489, § 1º. Além desses requisitos tratados claramente no NCPC, merece destaque a exigência de que as razões jurídicas das decisões judiciais sejam dotadas de universalidade, sobretudo pela importância que os precedentes judiciais passam a ter no sistema jurídico brasileiro”. (O dever de motivação das decisões judiciais: estado de direito, segurança jurídica e teoria dos precedentes. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 215).

[33] Em relação à “insuficiente” fundamentação das sentenças, já afirmava o saudoso Ovídio A. Baptista da Silva: “Sentenças insuficientemente motivadas ocultam uma parcela de poder arbitrário. Esta conduta exige que superemos a lógica binária do ‘certo’ e do ‘errado’ que, em questões relativas à formação da sentença, expressa-se na suposição de que ou o juiz deve basear o julgamento num juízo de ‘certeza’ ou, ao contrário, cairá irremediavelmente na ‘arbitrariedade’.” (Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo (Coordenação). O processo na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 471).

[34] “Assim, para uma motivação ser completa e corresponder à pretensão à tutela jurídica, o julgador, além de confirmar por modus ponens as hipóteses do vencedor, deve negar por modus tollens o alvitre do vencido. No dia a dia do foro, contudo, é infelizmente frequente que se vejam decisões que simplesmente afirmam a preferência do julgador por uma das soluções possíveis, sem se preocupar com as razões que a neguem. Tais decisões são tanto mais comuns porquanto objetificam a interpretação, possibilitando ao intérprete ‘sentir-se desonerado de maiores responsabilidades na atribuição de sentido’, podendo colocar no legislador ou nos julgadores de superior instância (elaboradores da jurisprudência) o ônus das anomalias do direito. ‘Esfumaça-se, pois, a ética do discurso jurídico’”. (RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 43).

[35] "A novel processual hoje em vigor, sob o olhar hermenêutico aqui adotado, desprivilegia esta noção de autoridade judicial para abraçar a participação das partes, intersubjetivamente, na construção do provimento jurisdicional. Portanto, o CPC/2015, procedimentalizou algo que a Constituição já assegurava, os direitos e garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa e, notadamente, da exaustiva fundamentação das decisões judiciais. Tudo com o objetivo de combater a discricionariedade deste ato de decidir quando da eleição de elementos probatórios subjetivos, que se mostrariam aptos a conferir um rótulo de racionalidade a decisões intrinsecamente já tomadas; juízos a priori, são inconsistentes com o caráter dialógico da legislação processual presente, ante o dever de fundamentar de forma minuciosa. Em sendo assim, o CPC/2015 contém regras que incrementaram e potencializaram a fundamentação das decisões judiciais, regulando-a minuciosamente (vide art. 489), de forma que não é um mero acaso a subtração da palavra 'livre' do art. 371, mas sim um consectário lógico da 'processualização' do contraditório, extraída do artigo 10". (TOVAR, Leonardo Zehuri. Teoria do direito e decisão judicial: elementos para a compreensão de uma resposta adequada. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 315).

[36] “Dessa forma, no ato de sua fundamentação, o magistrado deverá levar em conta a postura hermenêutica; dessa forma, irá levar em conta a alteridade e o diálogo (processualmente entendido como contraditório) para ‘prestar contas’ aos litigantes de que sua decisão foi democraticamente construída; o que é condição de sua legitimidade na contemporaneidade”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinoud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 349).

[37] Nesse sentido, já previa o saudoso Ovídio A. Baptista da Silva: “Mas não basta, porém, formular hipóteses e sugerir alternativas. O problema está em determinar os limites entre a realidade e utopia, no que se refere a uma autêntica transformação paradigmática, que possa alcançar o sistema recursal. Não se ignora as adversidades a que se acha submetido o Poder Judiciário, ante o aumento extraordinário de litigiosidade, conjugado com as notórias carências materiais e humanas que a instituição, especialmente a partir do momento em que o Brasil tornou-se uma ‘sociedade de mercado’, vem enfrentando. Mesmo assim, a exigência de fundamentação adequada das sentenças, além de atender a uma imposição constitucional, ainda contribuiria para a redução do número de recursos, kespecialmente dos recursos extraordinários”. (Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo (Coordenação). O processo na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 482).

[38] Ver com proveito a interessante análise desenhada por André Del Negri, em pesquisa direcionada a uma “discussão racional da discricionariedade administrativa”: “Ora, se não houver critérios na fundamentação de atos decisórios que restringem o acesso à informação pública, o retrocesso acontece a passos largos. Diante disso, cabe inquirir se a autoridade competente optou por juízos morais ou de conveniência tão-somente política no encaminhamento do ato decisório de Estado e em que medida o Direito filtrou essa conveniência política, uma vez que do ponto de vista da função administrativa, o Estado agiria em conformidade com a lei”. (Discricionariedade e autoritarismo: o que fica oculto na decisão que impede o direito de informação?. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019, p. 11).

[39] Para Cristina Reindolff da Motta: “Assim, a prestação jurisdicional que não é fundamentada, não só fere a Constituição por não respeitar o imperioso inciso IX do artigo 93 da Constituição, mas macula a possibilidade de verificar a correção da aplicação de princípios, tais como da isonomia e do devido processo legal, atingindo fatalmente o Estado Democrático de Direito”. (A motivação das decisões cíveis: como condição de possibilidade para resposta correta/adequada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 146).

 

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