A Relativização das Nulidades Processuais Penais e a Prova do Prejuízo: Mera Subjetividade do Julgador

19/11/2015

Por Aphonso Vinicius Garbin - 19/11/2015

Na prática, o processo criminal no brasil vem acoimado de ultrajes e inobservâncias das previsões legais e, principalmente, das garantias processuais constitucionais. Tais previsões, direitos e garantias asseguradas aos réus em demandas criminais, são de suma importância para o regular processamento da demanda, objetivando a correta aplicação do direito e um julgamento justo.

O devido processo penal, quando não devidamente observado, resulta em risco à demonstração da verdade por parte da defesa, uma incorreta aplicação ou capitulação da sanção, dentre tantas outras hipóteses de real prejuízo. O interesse por um processo sério e justo, no campo do Direito Penal, é uma vontade social dentro do Estado Democrático de Direito, posto que a todos interessa a justiça bem empregada.

Não que se defenda que o processo penal seja um fim em si mesmo, a discussão é mais ampla, é possível respeitar o Código de Processo Penal e, principalmente, a Constituição Federal para se punir.

As formas processuais existem e operam de acordo com a sua finalidade especifica (PACELLI DE OLIVEIRA, p. 897), elas não estão pairando no ar prontas para serem alçadas e codificadas, elas insurgem de necessidades para um regular processamento em busca da verdade processual e a aplicação da lei penal.

O devido processo legal e formal, e as garantias processuais, são formalidades encontradas no processo criminal visando coibir injustiças em detrimento daquele que tem contra si imputado um delito. É um limite e rédea ao poder punitivo do Estado, e, não havendo tal observação, ocorre a nulidade do ato, e dos seguintes por ele contaminados.

É que a inquietação no que se refere às formas processuais busca garantir maior eficiência na punição criminal, longe de prejuízos aos direitos e garantias fundamentos do réu, ou seja, enquanto o Estado assegura o seu interesse ao processar na lide criminal, resguarda os direitos e garantias do cidadão processado (LIMA, p. 1578).

Porém, as nulidades, que, via de regra, são todas absolutas, vem sendo violentamente relativizadas, tornando-se requisito para seu conhecimento a “demonstração do prejuízo sofrido pela parte que alega”, e esta, por sua vez, vem se tornando uma falácia, ao passo que é de interpretação subjetiva do julgador.

Frisa-se, antes de tudo, que aqui não se busca fomentar a frustração da atividade jurisdicional, pelo contrário, assenta-se a imperiosidade de que um processo penal justo precisa ater-se às formalidades, e que caso elas não sejam observadas, não se deve afastar os prejuízos delas decorrentes em busca se uma célere e econômica resposta estatal.

Diante deste entendimento, as nulidades, tais como se abordam na prática forense e em alguns manuais, se dividem em (i) absolutas quando decorre de uma mácula da norma cogente, que protege o interesse público, que viola um princípio da constituição. Ela é passível de declaração de ofício ou por provocação da parte interessada, sendo o prejuízo presumido. Ela é insanável, não é passível de legitimação, e não se convalida em razão da preclusão ou do trânsito em julgado; e (ii) relativas, que são decorrentes da violação de uma norma que protege o interesse da parte (privado), somente sendo possível seu reconhecimento quando postulado pelo interessado, “mediante a demonstração do prejuízo que o vício acarretou”, convalescendo com a preclusão e o trânsito em julgado (LOPES JUNIOR, pp. 1124-1125).

Logo, não observada uma regra processual, dá-se a entender que o prejuízo emerge per si, e o processo torna-se viciado. Contudo, nesse aspecto, quando o profissional atuante na seara criminal se depara com uma nulidade, faz esse exercício do óbvio. A não atenção ao devido processo no campo penal gera afronta direta às previsões contidas na Carta Magna (art. 5º, incisos LIV e LV), consequentemente uma nulidade absoluta. Mas apenas tal afirmativa não satisfaz grande parte dos julgadores, eles querem mais, eles relativizam todas as nulidades (seja qual for ela), de modo que se deve demonstrar algo além, pois o óbvio, por ser óbvio, tornou-se inócuo (o que não se ratifica), precisa ser provado o “prejuízo” para o seu reconhecimento. Ou seja, na autoritária visão, um regular processamento não mais interessa à sociedade, mas apenas ao réu.

Porém, as nulidades relativas que demandam a demonstração do prejuízo para seu reconhecimento são “uma errônea importação do processo civil e que, aliada ao arremedo de teoria do prejuízo (o que é prejuízo? Uma cláusula genérica, vazia de sentido e que se presta ao decisionismo), constitui uma fraude processual a serviço do punitivismo e da estrutura amorfa do sistema inquisitório [...] Esquecem os adeptos da superada teoria geral do processo, que no processo penal forma é garantia e limite de poder. O amorfismo é típico de modelos autoritários” (ROSA; LOPES JUNIOR, 19jun2015)

Dito isso, a conclusão que se faz é que é impossível a demonstração do prejuízo, porque ele decorre per si, em primeiro plano pelas causas especificas do caso, e, de sobreplano, em afronta às disposições da Constituição Federal. Ademais, pela inexistência de um parâmetro, consoante assevera Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, o famigerado “prejuízo, em sendo um conceito indeterminado (como tantos outros dos quais está prenhe a nossa legislação processual penal), vai encontrar seu referencial semântico naquilo que entender o julgador; e aí não é difícil perceber, manuseando as compilações de julgados, que não raro expressam decisões teratológicas” (COUTINHO, p. 44) Ora, o que é prejuízo a ser provado? É mera subsunção do julgador, cabendo a ele, e somente ele, entender se houve prejuízo ou não.

E dentro deste cenário, o juiz, buscando legitimar a sua atuação, assim como a do Poder Judiciário (em sentido mais abrangente), raras vezes reconhecem uma nulidade, ou, caso a conheçam, sempre a tem como relativa, e demandam a prova do prejuízo.

Segundo a falácia do decisionismo, abre-se a cancela para interpretação do julgador de acordo com a sua “consciência”; aí, segundo Lênio Streck, fala-se qualquer coisa sobre qualquer coisa. Decide-se de acordo com o que lhe convém; uma regra processual, inclusive garantida pela Constituição, é descumprida, uns (raros) entendem pela nulidade absoluta, outros, de diferente pensar, mas que são maioria, exigem a demonstração do famigerado “prejuízo”.

Pouco se preocupa com o devido processo legal (formal e substancial), relativizando-se tudo e exigindo a inalcançável prova do prejuízo, fazendo com que a Carta Magna passe a se subordinar à lei infraconstitucional originada em tempos de autoritarismo da ditadura do Estado Novo (CCP - 1940) e Ditadura Militar (CPC – 1973). Esse, atualmente, é o Direito pátrio.

No processo penal brasileiro, quando se tratar de nulidades, “diz-se tudo para nada”, na medida em que no reconhecimento de uma nulidade, o ponto de vista do julgador é que faz a baliza. Parece desapontador chegar a este remate, pois a própria lei trata delas, contudo, de uma análise dissociada à doutrina, vemos que as nulidades processuais só tem espaço quando da vontade do juiz, e não nas hipóteses em que a lei preceitua, posto que o manejo feito com a demonstração do prejuízo abre um terreno fértil a aquele que decide, onde este pode legitimar aquilo que lhe conve(m)nce (LOPES JUNIOR, p. 1128).


Notas e Referências:

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Nota Dez Editora, nº 1, 2001.

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

ROSA, Alexandre Morais da; LOPES JUNIOR, Aury. A dispensabilidade do Ministério Público diante do juiz-faz-tudo. Revista Consultor Jurídico. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2015-jun-19/limite-penal-dispensabilidade-ministerio-publico-diante-juiz-faz-tudo#_ednref1>. Acessado em 19jun2015.


Aphonso Garbin

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Aphonso Vinicius Garbin é Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Advogado Criminalista.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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