A prometida pacificação e o NCPC

08/08/2016

Por Quitéria Péres - 08/08/2016

O cenário da justiça reclama mudanças há muito tempo. Poderíamos tê-las buscado por meio de novas reformas legislativas. Todavia, o alcance das transformações almejadas é tão destacado que se anuncia, para sua consecução, a necessidade de uma verdadeira mudança de paradigma. Somente depois de promovida esta profunda reflexão é que lograremos delinear uma nova cultura, quiçá menos adversarial e mais humana.

Quando assim for, talvez não mais sejam necessárias tantas letras na lei para determinar que o Estado promova, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, nem para ordenar que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos sejam estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, muito menos para ressaltar que assim há de ser também (senão principalmente) no curso do processo judicial.

Contudo, para além das letras na lei, será necessária profunda modificação na postura adotada pelo operador do direito, sobretudo na abordagem das lições que lhe são ministradas em sua formação. A pergunta central formulada nos bancos acadêmicos não há mais de se pautar em como litigar, mas sim em como resolver.

Como sabemos, a primeira pergunta (como litigar) desperta, no interlocutor, por si só, um desafio de toda grandeza, pois implica na concepção do processo como um palco de disputa, no qual um será perdedor e outro ganhador, este de regra tão melhor quanto mais habilidoso for no manuseio da técnica aplicável, inclusive a de impugnar e, se for o caso, de recorrer. Lembremos, outrossim, que todo este contexto se desenvolve absorvendo um tempo que é das partes, titulares do direito em conflito, as quais, se indagadas, desejariam que tudo se resolvesse da forma mais rápida possível.

Já a segunda pergunta (como resolver) nos coloca diante de outra perspectiva, certamente mais consentânea com a angústia que motivou a parte a procurar o Poder Judiciário, sobretudo porque não se baseia nas técnicas processuais de disputa processualmente disponíveis, mas sim na busca das melhores e mais efetivas alternativas de solução do conflito, as quais potencialmente encontrarão nos seus próprios interlocutores os principais responsáveis por sua lapidação, já que sabem, melhor que ninguém, onde está o foco da dor. A propósito, esta nem sempre coincide tão perfeitamente com o “pedido certo e determinado” formulado na exordial, aliás nem sua “causa de pedir” permanece tal como emoldurada, já que estática não é a vida em que se insere. Não se pode perder de vista, portanto, que as dores desencadeadas antes ou após o conflito, então jurisdicionalizado, se modificam com o tempo, ora se intensificam, ora se amenizam. É preciso que, sensível a isso, o Poder Judiciário oportunize às partes a forma mais adequada possível à solução do conflito que lhe é trazido sob a forma de processo. E, por certo, nenhuma outra solução será mais adequada que aquela lapidada pelas próprias partes, à luz dos seus interesses e suas reais expectativas (nem sempre bem assimiladas pelo operador jurídico ou mesmo pelo legislador). Eis a forma mais legítima de honrar a promessa veiculada constitucionalmente de que não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

Se tal diretriz for observada, a via adversarial apenas excepcionalmente será trilhada, viabilizando, assim, uma nova perspectiva: a de que a tarefa de julgar comporá estatísticas bem menores. Como consequência, também menores serão outros levantamentos quantitativos, como o de recursos, de execuções fundadas em inadimplemento de obrigação imposta por decisão judicial. Maiores, contudo, serão os índices de satisfação, se puderem ser aferidos, tanto por parte do jurisdicionalizado - que não vem ao Poder Judiciário buscar uma sentença, mas sim uma solução -, como também por parte dos seus servidores e juízes, os quais podem encontrar neste novo Código de Processo Civil mecanismos de todo compatíveis com as razões que um dia motivaram a escolha da missão que assumiram.

A propósito, na exposição de motivos do novo Código de Processo Civil, alertou o legislador: “Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo.” E, por fim, arrematou anunciando: “Não há fórmulas mágicas”. Nem poderia ser diferente. Todavia, ouso dizer que quiçá hajam fórmulas possíveis, cuja descoberta não haveria de encontrar na lei seu melhor habitat, mas sim no caso concreto. Afinal, é no palco real da vida que se descortinam todos os dias novos enredos, cada qual com suas particularidades e inconstâncias próprias da natureza humana. Felizmente é assim, pois é a arte que imita a vida e não o contrário. O mesmo se pode dizer da lei. Logo, a mudança que se almeja depende, agora mais do que nunca, de nós próprios. Gandhi sabiamente já havia nos alertado para isso.


quiteria-peresQuitéria Tamanini Vieira Péres é Graduada em Direito (FURB - Universidade Regional de Blumenau). Concluiu os Cursos de Pós-Graduação “lato sensu” em: (1) Direito Civil (UNIVALI); (2) Direito Penal e Processual Penal (FURB) e (3) Gestão e Controle no Setor Público (convênio UDESC/ESAG/TJSC). Concluiu o Curso de Mestrado, área de concentração: instituições jurídico-políticas (UFSC). Ingressou na Magistratura do Estado de Santa Catarina em 1998, tendo atuado, como titular, nas comarcas de Rio do Oeste, Jaraguá do Sul, Brusque, encontrando-se atualmente lotada em Blumenau desde julho de 2009 (na 1a Vara Cível). Atualmente, é Juíza Eleitoral, respondendo pela 3ª Zona Eleitoral de Blumenau. Lecionou na FAE, FURB, UNIFEBE e UNERJ e também na Escola da Magistratura deste Estado (Capital e extensões de Joinville, Blumenau, Rio do Sul, Itajaí, Tubarão, Lages e Bal. Camboriú), na área de Direito Processual Civil. É professora, também, da Academia Judicial (vinculada ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina). É autora do curso online sobre Sentença Cível Descomplicada, disponível no site da Livraria Concursar (livrariaconcursar.com.br)..


Imagem Ilustrativa do Post: Arquivo próprio // Foto de: Quitéria Tamanini Vieira Péres // Sem alterações  
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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