Coluna Vozes-Mulheres / Coordenação Paola Dumont
O Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Dias Toffoli, decidiu autorizar por meio de uma Resolução, aos Tribunais de Justiça e Federais, a realização de sessões de julgamento com auxílio de videoconferência no âmbito dos Tribunais do Júri. Esta Resolução foi submetida à aprovação e pautada na 27ª Sessão Virtual Extraordinária do CNJ, que iniciou-se em 19/06/2020. Inicialmente, teve voto favorável do Relator para sua aprovação acompanhado de outro Conselheiro. Em seguida, foi retirada da pauta.
De fato, desde que o Brasil reconheceu que estava diante de uma pandemia, todos os setores ligados ao Poder Judiciário foram diretamente afetados. Neste período de quarentena, tornou-se necessário que medidas fossem tomadas para prevenir maior disseminação do Coronavírus e, ao mesmo passo, evitar que o acesso à justiça fique comprometido.
Pela necessidade de distanciamento social, o plenário do Tribunal do Júri continua diretamente acometido, eis que, pela liturgia, trata-se de uma “aglomeração” obrigatória. Consequentemente, as vítimas, familiares e os acusados por crimes contra a vida e conexos estão sem resposta. A situação é ainda mais grave quando vemos réus presos que poderiam ser absolvidos ou, pelo menos, adquirirem um título executivo para progredirem de regime a latere.
Entretanto, mesmo com toda essa crise e a grave situação que este grupo encontra-se, seria a melhor escolha a implementação de sessões de julgamento por meio de videoconferência, regulamentada com base nos termos de uma Resolução? A respeito das diretrizes expedidas pelo Ministro Dias Toffoli, vale fazer alguns levantamentos e críticas.
Inicialmente, a medida foi editada considerando o disposto na Lei nº 11.900/2009, que possibilita o uso de videoconferência em atos processuais. Mas valendo-se de uma interpretação teleológica, seria a intenção do legislador regulamentar sessões do júri por chamada de vídeo? Esta lei abrange a plenitude de defesa?
A Resolução em exame estabelece que as sessões serão realizadas por meio de sistema apropriado pelo CNJ, onde haverá a participação remota de todas as partes: Juiz, Ministério Público, defesa, vítima, réu e testemunhas. Não obstante, define que, se o acusado estiver solto, – poderá – acompanhar à sessão de julgamento virtual, devendo providenciar os equipamentos de rede necessários.
Esta é uma medida absurda considerando todo o cenário de desigualdade brasileiro. Além do mais, os protagonistas do tribunal do júri não são pessoas com renda razoável para possuírem smartphone, notebook e rede wifi para conferências de vídeo a qualquer momento. Muitos crimes contra a vida são cometidos em regiões afastadas do centro urbano e onde muitas vezes não chegam sinal de telefonia. Nestas situações, qual a decisão a ser tomada? Adiar todos os júris?
As intimações para a sessão de julgamento serão feitas por e-mail ou aplicativo de conversação e no momento da intimação, o oficial deverá certificar se o intimado possui equipamento com conexão à internet para sua oitiva por videoconferência. Novamente, esperar que todas as pessoas que precisarem comparecer a um ato judiciário possuam Whatsapp com conexão 24 horas, é esperar algo longe da realidade.
Conforme outro dispositivo, deverão ser cumpridos os mesmos procedimentos estabelecidos no Código de Processo Penal, exceto formalismos não essenciais ao ato que tiverem de ser adaptados ao ambiente de videoconferência. Quais formalismos? Qual formalidade legal seria desnecessária? E quanto aos formalismos essenciais, que ensejam nulidade e não são alcançados pela tecnologia?
Ademais, a defesa terá acesso ao constituinte ou assistido preso por meio de algum equipamento eletrônico. Pois bem, presume-se que todo estabelecimento prisional terá agentes penitenciários que ficarão ao lado do acautelado, em sala separada, portanto aparelho celular, com garantia que não está interceptado e estará preservado o sigilo de comunicação. A Resolução não dispõe a respeito, mas haverá permissão para outro defensor permanecer no estabelecimento prisional?
Ocorrendo dificuldade técnica e falhas de transmissão, não será necessariamente adiada a sessão, podendo o Juiz Presidente autorizar a repetição dos atos que contenham falhas. Como em vários aspectos, a Resolução é demasiadamente ampla e aberta. Não deixa claro o que será capaz de adiar o júri e quais atos serão efeitos. Tudo será definido no curso do julgamento?
Os casos de omissão da Resolução serão dirimidos pelo Magistrado. Nesse caso, caberia ao Juiz Presidente “legislar” sobre o procedimento que não está previsto?
Caso venha a ser colocada em prática e efetivamente inicie-se essa modalidade de sessões plenárias, haverá um dispêndio de diversos servidores, comprometimento do erário público com equipamentos apropriados, desgaste emocional das partes e, tudo isso, correndo o risco que seja perdido, caso a Resolução seja declara inconstitucional ou os atos sejam anulados.
Diante deste breve exame de alguns dispositivos, percebe-se que existe conflitos com a Constituição e a Lei Federal. Este é um ato normativo sucinto, editado às pressas, por um único Ministro e de forma a solucionar um problema inédito e delicado. Por essa razão, é importante que seja cautelosamente analisada antes de ser colocada em vigor.
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