Por Bruno Sá Freire Martins - 18/11/2015
Introdução
A Lei n.º 13.183/15 fez mais do que simplesmente converter o teor da Medida Provisória n.º 676/15, uma vez que a redação originária da MP, publicada no Diário Oficial da União, trazia apenas a criação da regra 85/95 progressiva no âmbito do Regime Geral.
E após sua tramitação no Congresso Nacional, retornou sob a forma de projeto de Lei de conversão contendo a dita regra, outras alterações em benefícios, a desaposentação e, também, modificações relacionadas à filiação dos servidores federais no FUNPRESP.
Na previdência complementar do servidor público federal (FUNPRESP), com o intento de aumentar a arrecadação do Fundo, estabeleceu-se a filiação automática dos servidores recém nomeados, dentre outras mudanças.
As quais merecem ser analisadas a luz do ordenamento constitucional previdenciário brasileiro, com o objetivo de se discutir a sua compatibilidade com o mesmo.
Emenda “Jabuti”:
Antes de discutir a nova redação da Lei, é preciso verificar se as novas regras do FUNPRESP se constituem em matéria que poderia ser incluída no texto do projeto de conversão por intermédio de emenda apresentada no âmbito do Congresso Nacional.
Isso porque, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5.127 decidiu que:
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ação direta com cientificação do Poder Legislativo de que o Supremo Tribunal Federal afirmou, com efeitos ex nunc, não ser compatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida a sua apreciação, vencidos os Ministros Rosa Weber (Relatora), Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que julgavam procedente o pedido, e, em maior extensão, o Ministro Dias Toffoli, que o julgava improcedente. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 15.10.2015.
E essa decisão da Corte Suprema apenas ratifica posicionamento anterior, senão vejamos:
PROJETO DE LEI – INICIATIVA EXCLUSIVA DO EXECUTIVO – EMENDA PARLAMENTAR – DESVIRTUAMENTO. A ausência de pertinência temática de emenda da casa legislativa a projeto de lei de iniciativa exclusiva do Executivo leva a concluir-se pela inconstitucionalidade formal. CARGO PÚBLICO – PROVIMENTO – INADEQUAÇÃO. A teor do Verbete nº 685 da Súmula do Supremo, “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”. (ADI 3926, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 14-09-2015 PUBLIC 15-09-2015)
A inserção de emendas em projetos de conversão de Medidas Provisórias com assuntos estranhos ao texto originalmente publicado foi denominada folcloricamente de “Emenda Jabuti”.
E a partir do julgamento da ADIN n.º 5.127 restou definitivamente vedada, já que foi dado efeito ex nunc à decisão, passando, a partir de então, a permitir-se que as Medidas Provisórias somente sejam emendadas pelo Poder Legislativo quando o assunto a ser inserido detenha pertinência temática com o seu conteúdo original.
A atribuição de efeito ex tunc à decisão proferida na ADIN impediu sua aplicação direta ao projeto de conversão da MP n.º 676/15, uma vez que a sua tramitação foi concluída antes da respectiva notificação do Congresso Nacional.
Entretanto, não havia nenhum impedimento para que a Presidente da República promovesse o seu veto, utilizando-se dos argumentos dos Ministros da Corte Suprema.
Mas em não tendo sido adotada tal postura e tendo entrado em vigor a norma, é preciso enfrentar o tema diretamente.
Nesse aspecto, cabe lembrar que, por força do artigo 24, XII da Constituição Federal, a competência para legislar sobre previdência social é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal.
O dispositivo, em questão, tem o intuito de autorizar os Entes Federados a legislar sobre a matéria relacionada a seus servidores públicos, pois as regras afetas ao Regime Geral são de competência exclusiva da União.
No caso da Medida Provisória n.º 676/15, o intento inicial do Governo fora o de promover alterações apenas no Regime Geral o que, legitimaria aos parlamentares promover alterações em seu texto, desde que relacionadas ao INSS.
Isso porque, o FUNPRESP é a unidade gestora do sistema de previdência complementar dos servidores públicos federais, matéria afeta ao regime jurídico estatutário.
Nessa condição, toda norma atinente a ele reveste-se da natureza de lei federal e não de norma geral.
As Leis federais são aquelas que disciplinam a organização, funcionamento e as relações jurídicas da União, enquanto pessoa jurídica de direito público interno, enquanto que as Leis nacionais se aplicam, indistintamente, à União, Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal.
Como norma de caráter federal relacionada ao regime jurídico único dos servidores federais as alterações na Lei n.º 12.618/12 devem observar o rito constitucional lançado no artigo 61 que outorga legitimidade exclusiva ao Chefe do Poder Executivo federal para apresentar projetos de Lei que tenham por objetivo reger as relações jurídicas existentes entre a União e seus servidores, in verbis:
Art. 61...
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria...
A locução constitucional ‘regime jurídico dos servidores públicos’ corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. Precedentes.” (ADI 2.867, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-12-2003, Plenário, DJ de 9-2-2007.) No mesmo sentido: AI 348.800, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 5-10-2009, DJE de 20-10-2009.
Portanto, a diretriz contida no artigo 61 da Lei Maior abarca as relações existentes entre a União e seus servidores, até porque esse é o texto expressamente nele contido e, em assim sendo, as normas oriundas do exercício da competência ali prevista devem, necessariamente, originar-se do Presidente da República.
Afastando, assim, qualquer relação jurídica ou mesmo de pertinência temática entre a matéria originária da Medida Provisória e a alteração apresentada no Congresso Nacional.
A dita pertinência temática consiste na possibilidade de se promover emendas que não desfigurem o texto da Medida Provisória ou que nela insiram matéria afeta a proposta inicial.
No presente caso a ausência de pertinência temática evidencia-se pela inclusão em texto de caráter geral de norma federal cuja competência é exclusiva do Presidente da República, conforme já mencionado.
E ainda que paire dúvidas se tal argumento realmente evidencia a ausência de pertinência temática, não se pode perder de vista o fato de que o Regime Geral de Previdência Social e o Regime Próprio, apesar de se constituírem em regimes básicos de previdência, são distintos e autônomos.
Dentre as várias diferenças que ensejam essa distinção é possível enumerar duas que dão bem a amplitude desse afastamento, sendo a primeira a exigência de idade mínima para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição e a segunda a imposição de contribuição previdenciária aos aposentados e pensionistas.
Quanto à autonomia, basta frisar que a aplicação das normas do INSS no âmbito da Previdência do Servidor Público só pode ocorrer de forma subsidiária, conforme estabelece o § 12 do artigo 40 da Constituição Federal.
E o fato de os Regimes Próprios também integrarem a competência legislativa específica dos demais Entes Federados, conforme autorizam os parágrafos do artigo 24 da Constituição Federal.
Fica claro que se trata de assuntos distintos não guardando qualquer pertinência material, induzindo a inconstitucionalidade da emenda apresentada, senão vejamos:
EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 3º DA LEI Nº 15.215/2010 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. CONCESSÃO DE GRATIFICAÇÃO A SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. DISPOSITIVO INCLUÍDO POR EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. REMUNERAÇÃO. AUMENTO DA DESPESA PREVISTA. VEDAÇÃO. MATÉRIA ESTRANHA AO OBJETO ORIGINAL DA MEDIDA PROVISÓRIA SUBMETIDA À CONVERSÃO. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO DE INICIATIVA. ARTS. 2º, 61, § 1º, II, “A” E “C”, 62 E 63, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. 1. Segundo a jurisprudência reiterada desta Suprema Corte, embora o poder de apresentar emendas alcance matérias de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, são inconstitucionais as alterações assim efetuadas quando resultem em aumento de despesa, ante a expressa vedação contida no art. 63, I, da Constituição da República, bem como quando desprovidas de pertinência material com o objeto original da iniciativa normativa submetida a cláusula de reserva. Precedentes. 2. Inconstitucionalidade formal do art. 3º da Lei nº 15.215/2010 do Estado de Santa Catarina, por vício de iniciativa. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 4433, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 01-10-2015 PUBLIC 02-10-2015)
Princípio da Facultatividade:
Após as alterações promovidas na Lei n.º 12.618/12 os §§ 2º e 3º de seu artigo 1º passaram a contar com a seguinte redação:
§ 2º Os servidores e os membros referidos no caput deste artigo com remuneração superior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que venham a ingressar no serviço público a partir do início da vigência do regime de previdência complementar de que trata esta Lei, serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar desde a data de entrada em exercício.
§ 3º Fica assegurado ao participante o direito de requerer, a qualquer tempo, o cancelamento de sua inscrição, nos termos do regulamento do plano de benefícios.
Por força do novo texto, a filiação dos servidores federais ao regime de previdência complementar da União passou a ser obrigatória, conforme se depreende da análise conjunta dos parágrafos que preveem a filiação automática a partir do ingresso no serviço público (§ 2º) aliada ao cancelamento da inscrição somente a pedido do servidor (§ 3º).
Ocorre que a Constituição Federal ao regular a previdência complementar dos servidores públicos estabeleceu que:
Art. 40...
§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida.
E o artigo 202, caput, da Constituição Federal impõe a facultatividade ao regime de previdência complementar, segundo a qual a filiação/inscrição dos seus segurados pressupõe a manifestação expressa do interessado para a adesão ao respectivo fundo.
Acerca da facultatividade o professor Jerônimo Jesus dos Santos in PREVIDÊNCIA PRIVADA, Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, página 67 afirma que:
"c) facultatividade: a previdência privada é regime facultativo porque o participante não é obrigado a aderir ou filiar-se a ele. Em consequência, suas receitas são arrecadas sob a forma de contribuições voluntárias das pessoas físicas e/ou das pessoas jurídicas instituidoras ou patrocinadoras, enquanto que as receitas do regime da previdência social são arrecadadas sob a forma de tributos (contribuição previdenciária), ou seja, trata-se de obrigações compulsórias oriundas e regidas por lei, cuja arrecadação é efetuada por atividade administrativa plenamente vinculada, nos termos do art. 3º do Código Tributário Nacional – CTN."
Já Fábio Zambitte Ibrahim in CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, 20ª edição, editora Impetus, página 34, leciona que:
O regime complementar possui caráter facultativo, já que o ingresso é voluntário, e autônomo, pois a obtenção do benefício complementar independe da concessão da prestação pelos regimes básicos (daí sua verdadeira natureza implementar).
Portanto, a previsão legal de que todos os servidores estarão automaticamente inscritos no regime complementar contraria o disposto no caput do artigo 202 aplicado ao FUNPRESP por força do § 15 do artigo 40 ambos da Constituição Federal.
É bem verdade que, alguns, podem questionar a aplicabilidade do princípio da facultatividade no âmbito do regime complementar dos servidores públicos pela inserção da expressão “no que couber” no parágrafo supramencionado.
Já que essa levaria ao entendimento de que os preceitos contidos no artigo 202 seriam de aplicação subsidiária e, nessa condição, sua utilização no Regime Próprio exige omissão constitucional ou legal, além de compatibilidade com o mesmo.
Ocorre que todas essas condições estão presentes para o reconhecimento da aplicabilidade do princípio facultatividade, uma vez que não há qualquer previsão constitucional que regule a filiação dos servidores públicos ao regime complementar, caracterizando, assim, a omissão e ao mesmo tempo afastando a incompatibilidade.
Motivos que levaram os professores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari in MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, 14ª edição, Conceito Editorial, página 132 a concluir que:
"Finalmente, merece atenção o fato de que, mesmo no âmbito dos entes federativos que criarem fundos de previdência complementar para seus agentes públicos, não obrigatoriedade de adesão, por parte de novos ingressantes em cargos públicos efetivos ou vitalícios. Apenas a contribuição destes se limitará a 11% do valor estabelecido como “teto” para o regime de que trata o art. 40, caput, da Constituição. Caberá a cada pessoa atingida pela alteração decidir se irá ou não contribuir para o fundo de previdência complementar."
Até porque a facultatividade é característica inerente ao regime complementar, cuja existência tem por objetivo permitir aos segurados a manutenção do seu padrão de vida anterior à inativação, cabendo aos regimes básicos, cuja natureza é obrigatória, assegurar os recursos necessários ao custeio dos mínimos sociais.
Tanto que o mestre Wladimir Novaes Martinez in DICIONÁRIO NOVAES DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, editora LTr, página 383, ao conceituar previdência complementar, afirma que é aquela que complementa, suplementa ou implementa as prestações da previdência básica (LC n. 109/01).
No que é acompanhado por Sérgio Pinto Martins in DIREITO DA SEGURIDADE SOCIAL, 27ª edição, editora Atlas, página 460:
"A previdência complementar demonstra que o benefício previdenciário do INSS não é suficiente para atender a todas as necessidades do segurado, principalmente quando o limite máximo é de aproximadamente 10 salários mínimos.
A Previdência Privada tem por objetivo complementar, complementar o benefício oficial. Visa não prover a subsistência básica do trabalhador, mas complementar a que o Estado não pode prover. Não substitui o sistema oficial, apenas complementa."
Permitindo-se afirmar, então, que a facultatividade da previdência complementar se constitui em princípio constitucional de aplicação obrigatória também aos Regimes Próprios ensejando, consequentemente a inconstitucionalidade do disposto nos §§ 2º e 3º do artigo 1º da Lei n.º 12.618/12 com a redação que lhes fora imposta pela Lei n.º 13.183/15.
Até porque a previsão contida no § 3º que autoriza o cancelamento da filiação automática a qualquer tempo não desnatura a ofensa ao princípio da facultatividade, já que se limita a inverter a lógica do sistema, tornando a filiação obrigatória e o seu cancelamento facultativo.
Princípio da Igualdade:
Em decorrência da obrigatoriedade de filiação estabeleceu, ainda, que:
§ 4º Na hipótese do cancelamento ser requerido no prazo de até noventa dias da data da inscrição, fica assegurado o direito à restituição integral das contribuições vertidas, a ser paga em até sessenta dias do pedido de cancelamento, corrigidas monetariamente.
Regra que, ao invés de auxiliar, na verdade, induz mais uma inconstitucionalidade, por proporcionar tratamento desigual entre pessoas que, em tese, encontram-se em situações idênticas.
O artigo 5º estabelece que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
O princípio da igualdade é conceituado por Inocêncio Mártires Coelho em co-autoria com Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco in CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 4ª edição, editora Saraiva, página 179 é o seguinte:
"Quanto ao princípio da isonomia, significa em resumo tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade. Como, por outro lado, no texto da nossa Constituição, esse princípio é enunciado com referência á lei – todos são iguais perante a lei -, alguns juristas construíram uma diferença, porque a consideram importante, entre a igualdade na lei e a igualdade diante da lei, a primeira tendo por destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da lei para fazer discriminações entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a segunda, dirigida principalmente aos interprétes/aplicadores da lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciados jurídicos dando tratamento distinto a quem a lei encarou como iguais.”
E a definição do prazo de 90 (noventa) dias entre a inscrição e o pedido de cancelamento como marco temporal para reconhecimento do direito à restituição integral das contribuições, proporciona tratamento legalmente distinto entre os servidores federais, além de não se revestir de qualquer lógica jurídica.
Isso porque não há previsão no mesmo sentido, em favor, daqueles que optarem pelo desligamento a partir do nonagésimo primeiro dia, restando-lhes apenas, como alternativa para o recebimento dos valores pagos a título de contribuições, o resgate onde os valores das contribuições não são devolvidos integralmente por terem descontadas as parcelas do custeio administrativo que sejam da responsabilidade do segurado.
Assim, não se pode ignorar que a Lei promoveu tratamento diferenciado entre os servidores, ainda que ambos tenham ingressado no serviço público no mesmo dia.
Os professores Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior in CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 12ª edição, editora Saraiva, página 131, afirmam que:
“A Constituição da República instituiu o princípio da igualdade como um dos seus pilares estruturais. Por outras palavras, aponta que o legislador e o aplicador da lei devem dispensar tratamento igualitário a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer natureza. Assim, o princípio da isonomia deve constituir preocupação tanto do legislador como do aplicador da lei.”
Não se permitindo sequer cogitar que o disposto no novo § 4º se constitui em uma espécie de resgaste uma vez que o § 5º expressamente afirmar que a hipótese contida no texto do referido parágrafo não se caracteriza como tal.
A forma pela qual a alteração foi promovida criou novo instituto distinto do resgaste sem estabelecer regramentos isonômicos para a aplicação de um e de outro.
Teria andado melhor o legislador se optassem pelo resgaste para todos ou pelo saque, na nova modalidade estabelecida, até porque, na forma preconizada hoje pela Lei, a principal diferença entre os dois é que o primeiro ocorre quando o cancelamento da inscrição se dá após o prazo de 90 (noventa) dias, enquanto que o direito ao segundo estará caracterizado quando o dito cancelamento se der dentro dessa noventena.
O fato é que os servidores federais além de serem compulsoriamente filiados ao Regime Complementar tem regramento distinto para a restituição dos valores pagos, nos casos de cancelamento da inscrição, pela simples inobservância do prazo legalmente estabelecido.
Então, há de se reconhecer que a fixação do prazo de 90 (noventa) dias para a restituição integral fere a isonomia entre os segurados do regime complementar.
Conclusão
Não restando outra alternativa senão a de reconhecer que as modificações introduzidas no regime de previdência complementar, pela ausência de pertinência temática, e, os novos §§ 2º, 3º e 4º do artigo 1º da Lei n.º 12.618/12, por contrariedade aos princípios da facultatividade e da igualdade, encontram-se revestidos de inconstitucionalidade.
Bruno Sá Freire Martins é servidor público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc – Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus – curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB e do Conselho de Pareceristas ad hoc do Juris Plenun Ouro ISSN n.º 1983-2097 da Editora Plenum; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.
Imagem Ilustrativa do Post: old man and his pint // Foto de: Petras Gagilas // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/gagilas/3501432476
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.