A hiperexposição dos agentes públicos e a frustração de uma expectativa de condenação

27/05/2017

Por João Paulo Orsini Martinelli – 27/05/2017

Uma das últimas decisões do juiz Sergio Moro foi absolutória e a ré absolvida foi Cláudia Cruz, esposa do ex-deputado Eduardo Cunha, que ainda permanece preso. Ao ler as notícias nos portais da imprensa, a maior parte dos comentários dos leitores demonstra insatisfação pela não condenação, frustração e, pasmem, insinuações de sentença “comprada”. Nas redes sociais, repetem-se as manifestações de que “tudo vai acabar em pizza” e que Moro não é o herói que a sociedade tanto admira. Essa guinada de opiniões tem uma explicação simples: a expectativa da punição a todo custo. E a culpa é dos próprios integrantes da “força-tarefa”.

Quando uma investigação está em curso, deve-se resguardar a imagem do acusado até que haja eventual condenação definitiva. A partir da Constituição Federal de 1988, o acusado deixou de ser mero objeto processual para se tornar um sujeito de direitos. Um dos principais direitos fundamentais é a presunção de inocência, que, entre suas vertentes, está o direito de resguardar a imagem do acusado. Não basta dizer que a pessoa é inocente se não for tratada como tal. A presunção de culpa para o acusado pode se voltar ao juiz que absolve a pessoa pré-condenada pela mídia, pois a opinião pública pode duvidar da honestidade de quem apenas cumpriu a Constituição Federal.

Ademais, policiais, membros do Ministério Público e juízes devem ser contidos e discretos. Agentes públicos não são artistas que vivem da imagem e do marketing pessoal, muito menos são celebridades. Quem decide ser juiz ou membro do Ministério Público deve ter consciência de que parcela da vida pessoal também fica comprometida. Não lhe são permitidos certos comportamentos como participar de premiações de conglomerados de empresas ou de programas de rádio e televisão para comentar casos em andamento. Também não lhes compete atuar como legislador em causa própria, utilizando da mídia para pressionar a aprovação de leis que sejam de seu interesse, sem qualquer discussão, mesmo que estas sejam inconstitucionais. Não é recomendável, ainda, buscar apelo social em tom messiânico, tentando passar uma imagem de perfeição, o que só amplia a cultura polarizada do “nós contra eles”.

Na sociedade ideal do Estado democrático de direito, ninguém deveria saber quem são os juízes ou acusadores, a não ser o próprio acusado. O processo público não é sinônimo de processo “para o público”. A publicidade do processo nada mais é que uma reação ao processo sigiloso que encobre as arbitrariedades de seus protagonistas. A exposição de acusados à execração pública é uma conduta muito grave, em que há pré-julgamento sem processo. Não se deve admitir que os agentes públicos “joguem para a galera” e coloquem a opinião pública como fator determinante de decisões judiciais. A manipulação por meio de pronunciamentos indevidos e atos ilegais, como o vazamento de sigilo, é manifestação de processo inquisitório no qual os direitos fundamentais são meros detalhes. É um paradoxo: atuar com apelo à opinião pública significa que o Poder Judiciário não teria mais função, pois é de sua essência ser contramajoritário.

A absolvição da jornalista Cláudia Cruz por falta de provas é produto de um excelente trabalho da equipe de defesa, que conseguiu reverter um quadro de presunção de culpa instalado pela acusação. O grande problema é justamente a expectativa que se criou em torno de uma condenação certa e garantida pela superexposição da acusada e dos acusadores. É frustrante para a sociedade saber que seus heróis “falharam”, mesmo que uma única vez, e não levaram o vilão à prisão. A situação do juiz, quando há superexposição dos acusados, é muito desconfortável, pois pode recair nele a “culpa” por eventual absolvição por falta de provas, mesmo que seja seu dever absolver pela dúvida.

Deve-se ter muita cautela na acusação formal de alguém. O agente público representa o Estado e, como tal, não se pode personalizar as figuras do julgador e do acusador. O risco de jogar para o público é deixar nas mãos do juiz uma decisão que pode frustrar a expectativa geral de condenação. Se o acusado for tratado como presumidamente inocente, essas expectativas não se criam e o juiz sente pressão menor para absolver, em caso de dúvidas, sem que a sociedade duvide de sua integridade. Ao invés de crucificar o juiz por ter absolvido, melhor seria exaltar sua postura de absolver por falta de provas, frustrando todas as expectativas condenatórias.


João Paulo Orsini Martinelli. João Paulo Orsini Martinelli é Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre e Doutor em Direito Penal (Universidade de São Paulo), Pós-Doutor em Direitos Humanos (Universidade de Coimbra), Advogado Criminalista, Coordenador-adjunto no IBCCRIM no Rio de Janeiro. .


Imagem Ilustrativa do Post: Cell Shadows // Foto de: Justin Gurbisz // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jgurbisz/2729433201 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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