Por Julio Cesar Marcellino Junior - 31/03/2015
Nos últimos tempos, mais especificamente nos derradeiros quarenta anos, e em atenção ao forte desenvolvimento tecnológico, a sociedade tem se deparado com intenso fluxo transnacional de informações, imagens, recursos, pessoas e bens de consumo, que transformaram por completo as relações humanas. Esse fenômeno é normalmente associado ao vocábulo, que se tornou usual, “globalização”.
Muito embora haja discussão e divergência a respeito do enquadramento conceitual, além de implicações lexicais na definição do termo, pode-se detectar como ponto comum o fato de que o processo de globalização exerceu influência direta na mudança de comportamento dos sujeitos e, como fenômeno de poder, potencializou, em muito, os valores do pensamento econômico. O que ocorreu de forma destacada em uma de suas frentes.
Nesta subseção, pretende-se discorrer sobre a globalização, sobretudo com o propósito de deixar clara a conexão direta entre o regime neoliberal globalizado, que, nesta tese, aborda-se como fase atual do capitalismo contemporâneo, e o pensamento econômico-eficientista, que oferece a matriz central e o código lógico da Teoria da Análise Econômica do Direito.
A globalização, especialmente em sua frente financeira e política, consolidou a universalização e, de algum modo, enquanto instrumental de poder, a relegitimação do pensamento econômico em sociedade, encontrando, também no Direito, campo fértil para se desenvolver.
Os valores liberais foram redimensionados no discurso econômico, agora, num mundo propalado como “sem fronteiras”, no qual as restrições estatais passam a ser vistas como inadequadas e equivocadas – salvo, é claro, no episódio da crise financeira de 2008, quando a intervenção do Estado na Economia passou a ser vista por muitos como “mal necessário”.[1]
Cientes de que o fenômeno da globalização transcende sua face essencialmente financeira, será necessário compreender o que significa o processo de globalização e suas implicações no pensamento econômico, bem como no comportamento dos sujeitos. Pelo excesso e pela banalização de seu uso, torna-se importante delimitar seu significado, evitando distorções e mau uso que se tem percebido no dia a dia em meios de comunicação e, até mesmo, em parte da academia.
Inicialmente, destaca-se que inexiste uma única forma de globalização. O que existe são dois tipos de globalização, os quais precisam ser distinguidos claramente: a globalização hegemônica e a globalização contra-hegemônica. Nas palavras de Santos:
[...] globalização significa conjuntos de relações sociais. À medida que estes conjuntos se transformam, assim se transforma a globalização. Existem, portanto, globalizações, e deveríamos usar este termo apenas no plural. Por outro lado, se as globalizações são feixes de relações sociais, estas envolvem inevitavelmente conflitos e, portanto, vencedores e vencidos. Frequentemente, o discurso da globalização é a história dos vencedores contada por estes. Na verdade, a vitória é, aparentemente, tão absoluta que os derrotados acabam por desaparecer completamente do cenário.[2]
Conforme estabelece o aludido autor português, existem quatro modos de produção da globalização: localismos globalizados, globalismos localizados, cosmopolitismo e patrimônio comum da humanidade. Os dois primeiros constituem o que o autor designa por globalização hegemônica, que, em realidade, consiste no “processo através do qual um dado fenômeno ou entidade local consegue difundir-se globalmente e, ao fazê-lo, adquire a capacidade de designar um fenômeno ou uma entidade rival como local.”[3]As outras duas formas de globalização são o que o autor denomina por globalização contra-hegemônica, que bem retrata a convergência de forças de resistência (iniciativas populares de organizações locais, articuladas em redes de solidariedade transnacional), as quais se opõem à exclusão social construindo alternativas para o desenvolvimento e para participação democrática. Esse “ativismo trans-fronteiriço” constitui o paradigma da globalização contra-hegemônica.[4]
O significante globalização também é usado com significado equivalente por diversos teóricos, em denominações como: formação global, cultura global, sistema global, modernidades globais, processo global ou culturas globais. Giddens define globalização como a “intensificação de relações sociais mundiais que unem localidades distantes de tal modo que os acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem a muitas milhas de distância e vice-versa”.[5]
A visão da globalização como estritamente financeira seria reducionista para Santos. O autor explica que se trata de um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo. Por conta disso, as explicações monocausais do fenômeno parecem inadequadas. Santos esclarece:
[...] acresce que a globalização das últimas décadas, em vez de se encaixar no padrão moderno ocidental de globalização – globalização como homogeneização e uniformização – sustentado tanto por Leibniz como por Marx, tanto pelas teorias da modernização como pelas teorias do desenvolvimento dependente, parece combinar a universalização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo, a diversidade local, a identidade étnica e o regresso ao comunitarismo, por outro. Além disso, interage de modo muito diversificado com outras transformações no sistema mundial que lhe são concomitantes, tais como o aumento dramático das desigualdades entre países ricos e países pobres e, no interior de cada país, entre ricos e pobres, a sobrepopulação, a catástrofe ambiental, os conflitos étnicos, a migração internacional massiva, a emergência de novos Estados e a falência ou implosão de outros, a proliferação de guerras civis, o crime globalmente organizado, a democracia formal como condição política para a assistência internacional, etc.[6]
A globalização contemporânea, assim, pode e deve ser analisada a partir de suas características dominantes, isto é, seu aspecto econômico, político e cultural necessitarão ser considerados. Sua feição dominante é atribuída a consenso construído por atores globais mais influentes também conhecidos como Consenso de Washington.
Essa expressão faz referência a um movimento ocorrido em Washington na década de 80 do século XX, que redefiniu o papel do Estado na Economia, estabelecendo como diretrizes políticas a prevalência do mercado, a desregulamentação da Economia e a privatização estatal.[7] Importante registrar, no entanto, que, nos dias de hoje, esse consenso está relativamente fragilizado em decorrência dos dissensos e atritos na esfera hegemônica, com destaque à resistência do eixo contra-hegemônico. Não por acaso, o período que se seguiu foi chamado de pós-Consenso de Washington.[8]
Muito embora a globalização financeira seja a grande mola propulsora do fenômeno transnacional de dominação, a dimensão social, política e cultural da globalização em muito interessa para compreensão de seu alcance. Sem perder de vista, é claro, que tais dimensões estão interligadas.
No que concerne à globalização social, torna-se importante notar que se está diante de um novo personagem de proporções planetárias, que representa uma classe capitalista transnacional e que se reproduz em âmbito global, transcendendo às organizações nacionais de trabalhadores e aos Estados periféricos. Este novo personagem é a empresa multinacional, que incorpora a principal forma institucional da classe capitalista transnacional. Seu alcance pode ser retratado pelo fato de que mais de um terço do produto industrial mundial é produzido por empresas multinacionais e de que um percentual ainda maior é negociado entre elas.[9]
Com relação à “globalização política”, observa-se que os Estados hegemônicos, por eles próprios ou por instituições internacionais, pressionaram e fragmentaram a autonomia política e a soberania efetiva dos Estados periféricos. Novos personagens surgiram, tais como a União Europeia, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement – NAFTA) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), como tentativas de aglutinação de interesses, sobretudo, econômicos e comerciais. Nesse contexto, o Estado-nação perdeu sua centralidade tradicional calcada na soberania, dissipando a força de ator internacional principal, no que diz respeito à condução e ao controle do fluxo de bens, pessoas, capital e ideias.[10]
Importante notar que a globalização, para o autor, é bem mais longa. Poderia tal fenômeno ser dividido em quatro ondas ocorridas no milênio passado, marcadamente nos séculos XIII, XVI, XIX e no final do século XX. No entanto, Santos ressalta que a globalização, no sentido de regulação estatal, apresenta-se como algo novo e único:
[...] em primeiro lugar é um fenômeno muito amplo e vasto que cobre um campo muito grande de intervenção estatal e que requer mudanças drásticas no padrão de intervenção. Para Tilly, o que distingue a atual onda de globalização da onda que ocorreu no século XIX é o fato de esta última ter contribuído para o fortalecimento do poder dos Estados Centrais (ocidentais), enquanto a atual globalização produz o enfraquecimento dos poderes do Estado. [...] O segundo fator de novidade da globalização política atual é que as assimetrias do poder transnacional entre o centro e a periferia do sistema mundial, i.e., entre o Norte e o Sul, são hoje mais dramáticas do que nunca.[11]
Nesse contexto de completa transformação do Estado acarretada pela globalização, identificam-se três tendências gerais marcantes. Inicialmente, depara-se com a desnacionalização do Estado, que consiste em
certo esvaziamento do aparelho do Estado nacional que decorre do fato de as velhas e novas capacidades do Estado estarem a ser reorganizadas, tanto territorial como funcionalmente, a níveis subnacional e supranacional.[12]
A segunda tendência é a desestatização dos regimes políticos. A propósito, Santos leciona que
[...] refletida na transição do conceito de governo (government) para o de governação (governance), ou seja, de um modelo de regulação social e econômica assente no papel central do Estado para um outro assente em parcerias e outras formas de associação entre organizações governamentais, para-governamentais e não-governamentais, nas quais o aparelho de Estado tem apenas tarefas de coordenação enquanto primus inter pares.[13]
Conclui-se que os fundamentos da face dominante da globalização política estariam ligados, segundo Santos, ao Consenso de Washington e poderiam ser reduzidos a: “consenso do Estado fraco”, “consenso da democracia liberal” e “consenso do primado do Direito e do sistema judicial.”[14] Em outras palavras, o consenso do Estado fraco traduz a ideia polarizada de que o Estado é o oposto da sociedade e seu inimigo em potencial. Por conta disso, necessitar-se-ia de um Estado reduzido, mínimo.[15]
O consenso de democracia liberal objetiva dar o formato político ao Estado na concepção minimalista, recorrendo à teoria política liberal, defendendo a convergência entre liberdade política e liberdade econômica, eleições e mercados livres. Aqui, a visão do bem comum pode ser concretizada por meio de ações individuais utilitaristas sem interferência estatal.
Finalmente, o consenso sobre o primado do Direito e do sistema judicial se apresenta como estratégia para vincular a globalização política à globalização econômica. Considerando o modelo calcado nas privatizações, na iniciativa privada e na primazia dos mercados, com franca proeminência da propriedade individual e dos contratos, os princípios da ordem, da previsibilidade e da confiança não podem partir do Estado, uma vez que deverão partir do Direito e do sistema judicial.[16]
Concernente à globalização cultural, esta assumiu lugar especial a partir da viragem cultural da década de 80 do século XX, quando ocorreu uma mudança de ênfase nas ciências sociais e nos fenômenos socioeconômicos para os fenômenos culturais. Ocorre que “a viragem cultural, veio reacender a questão da primazia causal na explicação da vida social e, com ela, a questão do impacto da globalização cultural.”[17]
Santos ressalta, ainda, a face dominadora desta dimensão da globalização, sugerindo reflexão a respeito da designação desse tipo de fenômeno, questionando se não seria o caso de chamá-la de ocidentalização ou americanização, “já que os valores, os artefatos culturais e os universos simbólicos que se globalizam são ocidentais e, por vezes, especificamente norte-americanos.”[18]
O sociólogo Bauman, por sua vez, enxerga o fenômeno de maneira peculiar e aponta para novas perspectivas de análise. O autor deixa claro que a globalização se tornou um fenômeno que abarca, de modo direto ou indireto, toda a humanidade. O que mudaria seria, tão somente, o posicionamento dos sujeitos diante da globalização. Desse modo, para o autor, globalização não é a exceção, e sim a regra.[19]
Explica, ademais, que o pressuposto fundamental para a compreensão da globalização como fenômeno contemporâneo é o entendimento da nova relação tempo/espaço, que, indiscutivelmente, transforma por completo os parâmetros tradicionais da condição humana. Para isso, seria necessário superar a visão reducionista de que a globalização é sempre homogeneizante, no sentido de crer que o fenômeno somente une. A propósito, Bauman esclarece que “a globalização tanto divide como une; divide enquanto une – e as causas da divisão são idênticas as que promovem a uniformidade do globo.”[20]
Sucede que, ao mesmo tempo em que a globalização se reveste de características inegavelmente planetárias, especialmente no tocante à globalização financeira e de informações, é posto em movimento um processo localizador, ou seja, de fixação no espaço. Segundo Bauman,
Conjuntamente os dois processos intimamente relacionados diferenciam nitidamente as condições existenciais de populações inteiras de vários segmentos de cada população. O que para alguns parece globalização, para outros significa localizações; o que para alguns é sinalização de liberdade, para muitos outros é um destino indesejado e cruel.[21]
Para o autor, os códigos centrais para a compreensão do fenômeno globalização são o movimento e a velocidade. Seria necessário enxergar os novos significados dessas categorias para perceber as vicissitudes impostas à humanidade nesses tempos globais. Os indivíduos, de alguma forma, encontram-se em movimento. O movimento ocorre mesmo que, fisicamente, os sujeitos estejam imóveis, pois “a imobilidade não é uma opção realista num mundo em permanente mudança.”[22]
Bauman explica que a relação é calcada na desigualdade:
alguns de nós tornam-se plenamente e verdadeiramente ‘globais’; alguns se fixam na sua ‘localidade’ – transe que não é nem agradável nem suportável num mundo em que os ‘globais’ dão o tom e fazem as regras do jogo da vida.[23]
Essa nova condição, conforme o autor, causa desconfortos aos sujeitos locais, que seriam objeto de privação e certa exclusão. A partir daí as localidades estariam perdendo a capacidade de gerar e negociar sentidos tornando-se cada vez mais dependentes de valores e interpretações “de fora.”[24]
O fenômeno do movimento global/local de que trata Bauman se evidencia, inicialmente, na nova face da estrutura corporativa dos tempos atuais. A ideia de empresa local, com raízes e identidade territoriais, que pertença aos proprietários visíveis da localidade, é superada.
Surge o que Bauman chama de “proprietário ausente”, num contexto em que as empresas, no formato “corporações”, não pertencem mais aos proprietários clássicos visíveis, identificados com a história de construção do negócio, e sim aos investidores, aos acionistas, que não necessariamente possuem vínculos territoriais, culturais ou identitários com a empresa. Esse novo patrão não está preocupado com os compromissos que a empresa tenha com a localidade onde esteja estabelecida – até porque ela pode se movimentar (e se movimenta) conforme seus interesses pela busca da redução de custos.[25]
O centro de poder, ou seja, o centro das decisões foi deslocado. As decisões agora não necessariamente levam em consideração o relacionamento direto com o local, com os empregados, com os colaboradores. Nem mesmo a diretoria e o conselho de administração conseguem absolutizar as decisões. Em verdade, decidem segundo os interesses dos acionistas, especialmente daqueles que ofereçam maior vantagem.
Criou-se um novo espaço para o fluxo de decisões, dissociado das relações locais. Isso, porém, torna-se preocupante, pois essa mobilidade adquirida pelos investidores acarreta desconexão do poder contra as obrigações e as responsabilidades. Rompe-se com as condições de relação que vinculavam os donos do negócio aos empregados, à comunidade, ao meio ambiente, etc.[26] Além disso, desconecta-se qualquer relação de responsabilidade com as gerações futuras e com as condições de auto-reprodução e desenvolvimento da vida concreta.[27]
Exonerar-se dessas responsabilidades é um dos fatores de grande impulso na lucratividade e no avanço do segmento corporativo. Nesse sentido, a distância entre quem decide e quem suporta os efeitos da decisão é utilizada para facilitar a resignação dos que sofrem com o processo. A pulverização da decisão tomada por uma coletividade de acionistas dificulta qualquer esboço de resistência.[28]
Tornou-se um meio eficaz de invisibilizar o inimigo. Também, por conta disso, torna-se difícil, nos dias de hoje, pensar na relação trabalhadores versus empregadores numa perspectiva marxista de estrutura tradicional de classes. As relações de poder, agora, são impulsionadas por outros fatores. Bauman explica que, no mundo do pós-guerra espacial, “a mobilidade tornou-se o fator de estratificação mais poderoso e mais cobiçado, a matéria de que são feitas e refeitas diariamente novas hierarquias sociais, políticas e econômicas e culturais.”[29]
Outro aspecto fundamental, que não somente foi responsável pelo surgimento, mas também pela consolidação e pelo avanço do fenômeno globalização, é a velocidade que, articulada com a distância, possui implicações importantes. Nesse pensar, Bauman invoca Paul Virilio: “com efeito, longe de ser um ‘dado’ objetivo, impessoal, físico, a ‘distância’ é um produto social; sua extensão varia dependendo da velocidade com a qual pode ser vencida.”[30]
A velocidade não é tratada como consequência neutra e despropositada do cibermundo, da cultura fundamentalista científica fundada a partir da modernidade. Pelo contrário, é tratada, dito de modo claro, como o poder, como o meio, que possui íntima relação com a Economia. Em suas palavras:
La noción de la velocidad es uma cuestión primordial que forma parte del problema de la economía. La velocidade es, a sua vez, uma amenaza tirânica, según el grado de importância que se le dé, y, al mismo tiempo, ella es la vida misma. No se puede separar la velocidad de la riqueza. Si se da una deficion filosófica de la velocidad, se puede decir que no es un fenômeno, sino la relación entre los fenômenos. Dicho de outro modo, la relatividad em si mesma. Se puede incluso llegar más lejos y decir que la velocidad és um medio. No es simplemente un problema de tiempo entre dos puntos, es um médio que está provocado pro el vehículo.[31]
A velocidade, vista como relação política, é inseparável da lógica de maximização da riqueza. Torna-se, em tempos como estes, impossível estudar política sem dedicar-se a melhor compreender o fenômeno da velocidade. A velocidade representa um movimento absoluto, instantâneo.[32]
Aspecto não menos importante, e diretamente ligado à velocidade, é o papel desempenhado pelo transporte da informação. Com o avanço tecnológico, a comunicação passa a não mais envolver o movimento de corpos físicos ou, quando utiliza tal movimento, o faz somente em caráter secundário. Como afirma Bauman, a “informação viaja independente dos seus portadores físicos – e independente também dos objetos sobre os quais informava: meios que libertaram os ‘significantes’ do controle dos ‘significados.’”[33]
A informação se tornou, especialmente a partir do surgimento da rede mundial de computadores, instantânea, impondo nova visão em relação ao tempo. Isso implica dizer que a velocidade, aliada à globalização financeira, reorganizou o espaço de tal forma que explode com o passado e acaba por nos projetar para um presente alargado ao infinito, fazendo com que o futuro se torne um no-sense imaginário.[34]
Este espaço, que surge a partir da informática de ponta, é o que Virilio chama de espaço cibernético. Com o fluxo instantâneo de informações no planeta o “aqui” e o “lá” deixaram de fazer sentido para muitas das relações humanas. Ao invés de homogeneizar a condição humana, a anulação tecnológica das distâncias temporais/espaciais tem tendência de polarização. Bauman explica que “ela emancipa certos seres humanos das restrições territoriais e torna extraterritoriais certos significados geradores de comunidade.”[35]
A experiência da não-territorialidade do ciberespaço exerce, segundo Bauman, forte influência no imaginário coletivo dada sua abstração. Tanto que o autor faz analogia do ciberespaço com a concepção cristã de paraíso. Algo que vem de cima, do além-físico e que, por consequência, não poderia ser questionado, ou seja, não haveria resistência. Como é de fonte invisível, a capacidade de questionamento e reflexão fica prejudicada.[36]
O fenômeno da globalização possui relação direta e especial com a visão economicista prevalente em sociedade nas últimas décadas. Não pode ser tratado como fenômeno secundário ou periférico. O processo de globalização é central e, por se apresentar como meio de poder, deve ser considerado e refletido como estratégico para os fins desta tese.
A globalização transcende o aspecto financeiro. Não se pretendeu aqui ser reducionista quando se enfocou essa frente. Pelo contrário, pensando no propósito final desta pesquisa, procurou-se abordar a face econômica e política desse fenômeno, que poderá tornar importante para melhor compreender a influência e o peso desse processo no comportamento dos sujeitos e no seu modo de pensar.
No campo jurídico, observa-se a influência nítida da visão econômica, sendo essa aproximação potencializada pela globalização e pela sua capacidade de relegitimar valores universais em sociedade. As ideias liberais ocupam cada vez mais espaço no discurso jurídico ocidental. No Brasil, isso não foi diferente.
Viu-se também como a eficiência, código central da lógica econômica, passou a parâmetro vinculador na condição de princípio constitucional. É inegável a influência desse marco para a visão reformista pátria, que, a partir desse balizador, considera a velocidade e a produtividade como referências objetivas e racionais de solucionamento hermenêutico dos problemas burocráticos do direito. O reformismo processual dos últimos tempos, por sua vez, de certo modo, seguiu muito desse receituário.
Compreender a evolução do movimento capitalista torna-se importante para melhor entender como se formou e estruturou a lógica economicista no âmbito político e jurídico. A relação é direta. O pensamento econômico não foi o mesmo ao longo de todo o período. Perceber como este se tornou proeminente e vinculador durante a evolução do capitalismo foi fundamental para bem compreender o surgimento do movimento LaE e entender o papel dessa teoria em relação ao direito pátrio.
O presente artigo faz parte da Tese de Doutoramento do autor, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina.
Notas e Referências:
[1] Um registro a respeito desse assunto: A crise financeira de 2008, apesar de sua importância para a compreensão da atual fase do capitalismo e do regime neoliberal, ainda não provocou na doutrina especializada uma mudança sólida de perspectiva teórica, sobretudo no que se refere aos dogmas do pensamento neoliberal. Por conta disso, e considerando os fins do presente estudo, abdicou-se de um aprofundamento deste fato histórico, não deixando, contudo, de considerar sua imensa relevância para a melhor compreensão dos possíveis rumos do atual e prevalente regime político-econômico.
[2] SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. v. IV, p. 194-195.
[3] Ibidem, p. 194-195.
[4] Ibidem, p. 195-196.
[5] GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP, 2001. p. 26.
[6] Ibidem, p. 32.
[7] Ibidem, p. 33.
[8] Idem.
[9] Ibidem, p. 37.
[10] Ibidem, p. 42-43.
[11] Ibidem, p. 44.
[12] Idem.
[13] Idem.
[14] Ibidem, p. 47.
[15] Quanto a este ponto, Santos destaca que este processo de enfraquecimento do Estado e fortalecimento da sociedade civil é extremamente contraditório, uma vez que, somente um Estado forte é capaz de se desregular e criar normas e instituições que conduzirão o novo modelo de regulação social. SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos de globalização. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Globalização: fatalidade ou utopia? Porto: Edições Afrontamento, 2001. p. 48.
[16] Ibidem, p. 48-49.
[17] Idem.
[18] Ibidem, p. 51.
[19] BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1999. p. 7.
[20] Ibidem, p. 8.
[21] Idem.
[22] Idem.
[23] Idem.
[24] Idem.
[25] Ibidem, p. 16.
[26] Ibidem, p. 15.
[27] DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Tradução de Ephraim Ferreira Alves, Jaime A. Clasen e Lúcia M. E. Orth. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
[28] BAUMAN, op. cit., p. 16.
[29] Idem.
[30] Ibidem, p. 19.
[31] VIRILIO, op. cit., p. 16.
[32] VIRILIO, op. cit.
[33] BAUMAN, op. cit., p. 21.
[34] Idem.
[35] Ibidem, p. 25.
[36] Ibidem, p. 27.
Julio Cesar Marcellino Junior é Doutor em Direito pela UFSC. Mestre em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Especialista em Direito Econômico pela FGV/RJ e Especialista em Gestão Pública pela UNISUL. Atualmente Secretário da Casa Civil do Município de Florianópolis.
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