As relações familiares ao longo do tempo ganharam novos contornos que exigiram do ordenamento jurídico a adaptação a essa nova realidade, fazendo com que novos institutos jurídicos surgissem como é o caso da filiação socioafetiva.
Logicamente que, apesar da autonomia existente entre os ramos do direito, a interface entre eles existe e também pressupõe a sua adequação aos novos institutos jurídicos.
É por isso que os casos de filiação socioafetiva tem impacto direto no Regime Próprio de Previdência Social à medida que pressupõe a discussão acerca da condição de dependente deste filho(a) do servidor falecido.
Daí a necessidade de abordagem direta dos efeitos previdenciários decorrentes da filiação socioafetiva.
1 – Filiação Socioafetiva
No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro encontram-se as relações biológicas e as socioafetivas estando estas relacionadas à relação decorrente de critérios afetivos existentes entre os seus integrantes.
Daí afirmar-se que a filiação afetiva pode também ocorrer naqueles casos em que, mesmo não havendo nenhum vínculo biológico ou jurídico (adoção), os pais criam uma criança por mera opção, denominado filho de criação, (des)velando-lhe todo o cuidado, amor, ternura, enfim, uma família, “cuja mola mestra é o amor entre seus integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto”.[1]
A verdade socioafetiva pode até nascer de indícios, mas toma expressão na prova; nem sempre se apresenta desde o nascimento. Revela o pai que ao filho empresta o nome, e que mais do que isso o trata publicamente nessa qualidade, sendo reconhecido como tal no ambiente social; o pai que ao dar de comer expõe o foro íntimo da paternidade, proclamada visceralmente em todos os momentos, inclusive naqueles em que toma conta do boletim e da lição de casa. É o pai de emoções e sentimentos, e é o filho do olhar embevecido que reflete aqueles sentimentos. Outro pai, nova família.[2]
Assim, é possível afirmar que a filiação socioafetiva não encontra respaldo em aspectos biológicos e sim no sentimento nutrido reciprocamente entre os integrantes daquele grupo familiar.
2 – Efeitos da Relação Socioafetiva
O Código Civil estabelece que:
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Em que pese o teor da norma não ser claro acerca dos efeitos da filiação socioafetiva há de se considerar que o conceito de parentesco civil acolhe outras formas de vínculo familiar não necessariamente restritas à adoção formal, reconhecendo a paternidade ou maternidade socioafetiva decorrente da convivência responsável, plena e afetuosa, com características de exercício de poder familiar.
Daí ter sido editado o seguinte enunciado pelo IBDFAM:
Enunciado nº 6:
Do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental.
E também o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. POSSIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO.
A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica.
A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação sociafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão.
Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico.
Não demonstrada a chamada posse do estado de filho, torna-se inviável a pretensão.
Recurso não provido. (REsp 1189663/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 15/09/2011)
De forma que as relações socioafetivas produzem efeitos jurídicos.
3 – Pensão por Morte
A Pensão por Morte se constitui em benefício pago aos economicamente dependentes dos servidores públicos filiados ao Regime Próprio de Previdência Social, sendo essa dependência presumida de forma absoluta ou de forma relativa.
Nesse ponto, há de se ressaltar que alguns autores partem diretamente para a dissociação entre dependência econômica absoluta ou relativa, discutindo a presunção apenas e tão somente nessa divisão.
Ocorre que a adoção desse parâmetro pode levar a conclusão de que a dependência econômica sempre existirá, admitindo-se apenas e tão somente a prova em sentido contrário, o que não parece ser o verdadeiro escopo da lei e do conceito do benefício.
Isso porque, a expressão dependência econômica tem o condão de afirmar que um terceiro somente tem seu sustento completo pela intervenção daquele que veio a falecer, o que, nem sempre pode ser uma realidade, já que pode ocorrer de a esposa ter remuneração muito maior do que o servidor falecido ou, ainda, de o filho ter patrimônio advindo de uma herança proveniente de um testamento, por exemplo, que lhe permite obter renda muito superior a dos pais falecidos.
De forma que a melhor conclusão é no sentido de que o conceito de dependência econômica parte muito mais de uma presunção, em alguns casos, decorrente do dever legal de sustento, do que propriamente de uma necessidade real.
Razão pela qual preferimos afirmar que a dependência econômica é que é presumida e que essa presunção pode ser absoluta ou relativa.
Nas hipóteses de dependência com presunção absoluta exige-se do beneficiário a comprovação apenas e tão somente do vínculo de parentesco ou afinidade, enquanto que nos casos de dependência com presunção relativa exige-se além da comprovação do vínculo que seja evidenciado que o servidor falecido contribuía para o sustento daquela pessoa.
E, mais especificamente no caso de filhos a presunção de dependência econômica é absoluta, à medida que decorre do dever legal de sustento dos pais em relação aos filhos menores.
Já com relação aos filhos maiores não se pode perder de vista a existência de entendimentos jurisprudenciais que levam à conclusão de que, nesses casos, a presunção de dependência econômica é relativa, uma vez que se entende que é necessário a comprovação de que o servidor falecido contribuía para o seu sustento.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR INVÁLIDO. RECEBIMENTO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DESCARACTERIZADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Trata-se de recurso da parte autora interposto contra sentença que rejeitou pedido de pensão por morte em razão do óbito de sua genitora, ocorrido em 21/5/17. 2. Muito embora a dependência econômica de filho maior inválido seja presumida para fins previdenciários, essa presunção é relativa no presente caso. A parte autora aufere aposentadoria por invalidez desde 1/7/98 (f. 45). A percepção do referido benefício corrobora o fato de que ele não dependia economicamente de sua mãe para sobreviver. 3. Além disso, sua genitora, aposentada como segurada especial, contava 81 anos de idade e recebia salário mínimo, que provavelmente era gasto com sua sobrevivência. Nota-se que uma das enfermidades relacionadas na certidão de óbito era neoplasia da boca, doença que requer tratamento contínuo e gastos extras, comprometendo boa parte da renda. 4. Portanto, se não havia dependência econômica entre o autor e sua genitora, não há direito à pensão requerida. 5. Ante ao exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, nos termos do art. 46 da Lei n. 9.099/95. 6. Condeno a parte recorrente ao pagamento de custas e honorários advocatícios, arbitrados em 20% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade fica suspensa em razão da assistência judiciária. 7. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos à origem. (AGREXT 0004404-27.2018.4.01.3807, CARLOS HENRIQUE BORLIDO HADDAD, TRF1 - SEGUNDA TURMA RECURSAL - MG, Diário Eletrônico Publicação 16/05/2019.)
E na mesma toada existem entendimentos em sentido contrário, senão vejamos:
Parte superior do formulário
ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE ESTATUTÁRIA. FILHO INVÁLIDO. COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Recurso do INSS contra sentença que conferiu ao autor o benefício de pensão por morte estatutária, na condição de filho inválido do ex-servidor Tereziano Ferreira da Silva, desde 26/7/2013. Registre-se que o magistrado a quo rejeitou o pedido de indenização por danos morais em razão do indeferimento na esfera administrativa. 2. Em síntese, o réu alega que não restou comprovada a dependência econômica do filho em relação ao segurado falecido (art. 16, §4º, da Lei n. 8.213/91). 3. A parte autora apresentou recurso, mas nas contrarrazões ao recurso do réu pediu desistência. 4. Homologação do pedido de desistência do recurso do autor. Homologo a desistência do recurso inominado interposto pela parte autora, com fundamento no art. 998 do CPC/15. 5. Quanto ao recurso do réu, ressalte-se, de logo, que se trata de pensão por morte estatutária, cujo instituidor é o ex-servidor público federal do INSS, Tereziano Ferreira da Silva (cf. fls. 14 e 60 da documentação inicial). Portanto, inaplicável a regra trazida na fundamentação do recurso do INSS (art. 16, §4º, da Lei n. 8.213/91). 6. Regula-se o benefício pela Lei n. 8.112/90, que em relação ao filho inválido não exige seja comprovada dependência econômica do servidor (art. 217, IV, "b"), previsão expressamente exigida somente quando se trata dos genitores e irmãos (art. 217, V e VI). 7. Demais disso, não há óbice ao recebimento de pensão por morte e aposentadoria por invalidez, pois possuem natureza distinta. Confira-se: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SÚMULA 7/STJ. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR. INVALIDEZ. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. PRESCINDIBILIDADE. CUMULAÇÃO DE PENSÃO COM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2. O mandado de segurança é via inadequada a pretensão que demanda dilação probatória, cabendo ao impetrante instruir o writ com a documentação prévia necessária para aferição imediata de seu direito líquido e certo. 3. No caso dos autos, o Tribunal de origem reconheceu o direito líquido e certo do impetrante em cumular à pensão por morte de seu genitor com os proventos de aposentadoria por invalidez, visto que houve prova da condição de inválido. A revisão do julgado esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 4. Nos termos do art. 217 da Lei n. 8.112/90, a prova de dependência econômica somente é exigível, nas pensões vitalícias, da mãe, do pai, da pessoa maior de 60 anos, ou da pessoa portadora de deficiência. Quanto às pensões temporárias, a prova da dependência é exigida restritivamente do irmão órfão ou da pessoa designada, em qualquer caso até 21 anos ou enquanto perdurar eventual invalidez. Com efeito, a norma não exige a prova de dependência econômica do filho inválido em relação ao de cujos. 5. Conforme jurisprudência do STJ, a cumulação de pensão por morte com aposentadoria por invalidez é possível, pois possuem naturezas distintas, com fatos geradores diversos. Precedentes. Súmula 83/STJ. Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp 1440855/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/04/2014, DJe 14/04/2014) 8. Homologada a desistência do recurso interposto pela parte autora (art. 998 de CPC/15). Recurso do réu desprovido. Sentença mantida. 9. Honorários advocatícios pelo recorrente vencido (no caso, o INSS) fixados em 10% sobre o valor da condenação (art. 55, caput, da Lei n. 9.099/1995), mas respeitada a limitação temporal imposta pelo enunciado da Súmula n. 111/STJ. (AGREXT 0000285-22.2014.4.01.3400, CRISTIANE PEDERZOLLI RENTZSCH, TRF1 - SEGUNDA TURMA RECURSAL - DF, Diário Eletrônico Publicação 20/06/2018.) |
Mas, independentemente disso, o fato é que a legislação previdenciária, seja ela do Regime Geral, seja dos Regimes Próprios assegura o direito ao recebimento da pensão por morte pelos filhos do segurado falecido. |
E ao utilizar-se da expressão filho, a legislação não faz distinção acerca da natureza jurídica dessa filiação, ou mesmo, exige que sua ocorrência se dê apenas e tão somente com base em pressupostos biológicos.
Razão pela qual a jurisprudência, tem firmado o entendimento no sentido de que a filiação socioafetiva permite o reconhecimento da condição de dependente àquele que comprová-la, para efeitos de recebimento da pensão por morte.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. DEPOIMENTOS INCONSISTENTES E CONTRADITÓRIOS. HISTÓRICO LABORAL DE CURTA DURAÇÃO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. I- A qualidade de segurado restou comprovada visto que, ao tempo do falecimento (30.04.2015), a de cujus mantinha vínculo empregatício com formal registro em CTPS. II- O conceito de parentesco civil acolhe outras formas de vínculo familiar não necessariamente restritas à adoção formal, reconhecendo a paternidade ou maternidade socioafetiva decorrente da convivência responsável, plena e afetuosa, com características de exercício de poder familiar (arts. 1.630 e 1.634, inc. I, do Código Civil). Trata-se de concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. III- A dependência econômica dos genitores em relação ao filho precisa ser comprovada, conforme o disposto no § 4º do art. 16 da Lei de Benefícios. IV- A autora instruiu a exordial com início de prova material, cabendo destacar os documentos de fls. 19/21 e 30/32, os quais revelam a identidade de endereço de ambas: Rua Saldanha Marinho, nº 63, Centro, em Igarapava - SP. Por outro lado, a nota fiscal de fl. 17 não se presta ao fim colimado, uma vez que foi expedida em 17 de setembro de 2015, vale dizer, após o falecimento da segurada. De igual maneira, as notas fiscais de fls. 22/23 e as duplicatas de fls. 24/25 se reportam à compra de artigos de uso pessoal em favor da própria filha e não constitui, em razão disso, início de prova material da dependência econômica da autora em relação à de cujus. V- As testemunhas ouvidas nos autos, em audiência realizada em 20 de abril de 2016 (mídia digital de fl. 128), confirmaram que a falecida segurada fazia parte do grupo familiar, tendo sido criada desde a tenra idade como se filha biológica fosse e que, por ocasião do falecimento, laborava como empregada doméstica. Asseveraram que a postulante, apesar de ser aposentada, dependia do auxílio financeiro da filha, mas sem passar dessa breve explanação, sem tecer qualquer relato substancial que remetesse ao quadro de dependência econômica. VI- Na Certidão de Óbito de fl. 14 restou assentado que, ao tempo do óbito, Elaine Cristina Moreira contava com 37 anos de idade, constando como causa mortis: "Choque não especificado. Peritonite não especificada. Cirrose Hepática não especificada. Insuficiência Renal Aguda". Tais informações constituem indicativo de que a segurada se encontrava com a saúde bastante debilitada, situação acerca da qual as testemunhas silenciaram, sem detalhar quanto de seus rendimentos eram gastos com seu tratamento médico e qual parcela era vertida para o sustento da postulante, omitindo-se sobre ponto relevante à solução da lide. VII- Depreende-se das anotações lançadas na CTPS de fls. 15/16 um único vínculo empregatício de curta duração, iniciado cerca de dois meses antes do falecimento (24.02.2015 a 30.04.2015), não sendo crível que com um histórico de vida laboral tão exíguo tivesse a filha se tornado a responsável por prover o sustento da parte autora. VIII- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, ficando suspensa a execução da verba honorária por ser a postulante beneficiária da justiça gratuita, enquanto persistir a condição de miserabilidade. IX- Apelação do INSS a qual se dá provimento. (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2215670 0000694-27.2017.4.03.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/05/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) |
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. DEPOIMENTOS INCONSISTENTES E CONTRADITÓRIOS. HISTÓRICO LABORAL DE CURTA DURAÇÃO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. I- A qualidade de segurado restou comprovada visto que, ao tempo do falecimento (30.04.2015), a de cujus mantinha vínculo empregatício com formal registro em CTPS. II- O conceito de parentesco civil acolhe outras formas de vínculo familiar não necessariamente restritas à adoção formal, reconhecendo a paternidade ou maternidade socioafetiva decorrente da convivência responsável, plena e afetuosa, com características de exercício de poder familiar (arts. 1.630 e 1.634, inc. I, do Código Civil). Trata-se de concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. III- A dependência econômica dos genitores em relação ao filho precisa ser comprovada, conforme o disposto no § 4º do art. 16 da Lei de Benefícios. IV- A autora instruiu a exordial com início de prova material, cabendo destacar os documentos de fls. 19/21 e 30/32, os quais revelam a identidade de endereço de ambas: Rua Saldanha Marinho, nº 63, Centro, em Igarapava - SP. Por outro lado, a nota fiscal de fl. 17 não se presta ao fim colimado, uma vez que foi expedida em 17 de setembro de 2015, vale dizer, após o falecimento da segurada. De igual maneira, as notas fiscais de fls. 22/23 e as duplicatas de fls. 24/25 se reportam à compra de artigos de uso pessoal em favor da própria filha e não constitui, em razão disso, início de prova material da dependência econômica da autora em relação à de cujus. V- As testemunhas ouvidas nos autos, em audiência realizada em 20 de abril de 2016 (mídia digital de fl. 128), confirmaram que a falecida segurada fazia parte do grupo familiar, tendo sido criada desde a tenra idade como se filha biológica fosse e que, por ocasião do falecimento, laborava como empregada doméstica. Asseveraram que a postulante, apesar de ser aposentada, dependia do auxílio financeiro da filha, mas sem passar dessa breve explanação, sem tecer qualquer relato substancial que remetesse ao quadro de dependência econômica. VI- Na Certidão de Óbito de fl. 14 restou assentado que, ao tempo do óbito, Elaine Cristina Moreira contava com 37 anos de idade, constando como causa mortis: "Choque não especificado. Peritonite não especificada. Cirrose Hepática não especificada. Insuficiência Renal Aguda". Tais informações constituem indicativo de que a segurada se encontrava com a saúde bastante debilitada, situação acerca da qual as testemunhas silenciaram, sem detalhar quanto de seus rendimentos eram gastos com seu tratamento médico e qual parcela era vertida para o sustento da postulante, omitindo-se sobre ponto relevante à solução da lide. VII- Depreende-se das anotações lançadas na CTPS de fls. 15/16 um único vínculo empregatício de curta duração, iniciado cerca de dois meses antes do falecimento (24.02.2015 a 30.04.2015), não sendo crível que com um histórico de vida laboral tão exíguo tivesse a filha se tornado a responsável por prover o sustento da parte autora. VIII- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, ficando suspensa a execução da verba honorária por ser a postulante beneficiária da justiça gratuita, enquanto persistir a condição de miserabilidade. IX- Apelação do INSS a qual se dá provimento. (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2215670 0000694-27.2017.4.03.9999, DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/05/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) |
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. INEXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. EXCLUSÃO DE SUPOSTA COMPANHEIRA. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO DO FILHO. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. A sentença julgou procedente, em parte, o pedido, determinando a exclusão da ré Elizabeth Maria da Silva do rol de dependentes do falecido, por não reconhecer a existência de união estável desta com o falecido, com a reversão da pensão em favor da autora, que era casada com o de cujus, e do filho do instituidor, pois houve o reconhecimento da paternidade socioafetiva, apesar de subsistirem dúvidas quanto à paternidade biológica, que culminou na anulação do registro civil do menor pelo Juízo da 6ª Vara de Família e Sucessões de Salvador/BA. 2. Tendo falecido o segurado na constância de seu matrimônio, que era conhecido da suposta companheira, descabe o reconhecimento de sua relação afetiva com a autora como união estável. In casu, restou comprovado nos autos que a ré Elizabeth Maria da Silva tinha conhecimento da relação de matrimônio existente entre a autora e o falecido, tendo afirmado, em depoimento, que mantinha com ele uma relação aos finais de semana, a revelar a existência de um relação extraconjugal e não de uma união estável, razão pela qual deve ser excluída do benefício em questão. 3. Ainda que não se reconheça a paternidade biológica é possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva para fins previdenciários. Embora, no caso sub judice, não se olvide a dúvida sobre a paternidade biológica, restou acertadamente reconhecida na r. sentença a paternidade socioafetiva, uma vez que restou demonstrado que o falecido registrou a criança como seu filho, adimplia com os deveres que normalmente cabem aos pais, conduzia a educação do menor, velava pela sua saúde, revelando, com isso, a relação dependência econômica. Não procede, assim, o pleito de exclusão do filho. 4. Os critérios de pagamento de juros moratórios e de correção monetária devem observar o Manual de Cálculos da Justiça Federal, na sua versão em vigor ao tempo da execução. 5. Apelações às quais se nega provimento. Remessa oficial parcialmente provida para que o cálculo dos juros e da atualização monetária observe as disposições supra. (AC 0020054-74.2004.4.01.3300, JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, TRF1 - 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, e-DJF1 11/01/2016 PAG 814.) |
E também o Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. INTERPRETAÇÃO COMPATIBILIZADA COM OS MACROPROPÓSITOS PROTECIONISTAS JUSPREVIDENCIARISTAS. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MILITAR ESTADUAL. PENSÃO POR MORTE DO INSTITUIDOR. FILHA AFETIVA OU DE CRIAÇÃO. RESP. 1.274.240/SC, REL. MIN. NANCY ANDRIGHI, DJE 15.10.2013 E RESP. 1.328.380/MS, REL. MIN. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJE 3.11.2014. COMPREENSÃO DO ART. 7o. DA LEI 3.765/60. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA QUE SE TEM POR PRESUMIDA. DESNECESSIDADE DE SUA COMPROVAÇÃO. AGRG NO RESP 1.190.384/RJ, REL. MIN. HAMILTON CARVALHIDO, DJE 2.9.2010; AGRG NO RESP 1.154.667/RS, REL. MIN. LAURITA VAZ, DJE 27.4.2012; RESP 370.067/RS, REL. MIN. LAURITA VAZ, DJE 5.9.2005; AGRG NO RESP 601.721/PE, REL. MIN. CELSO LIMONGI DJE 1O.2.2010. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO DESPROVIDO.
A interpretação jurídica e judicial das normas de Direito Previdenciário deve assegurar a máxima efetividade de seus institutos garantísticos, por isso não pode ficar restrita aos vocábulos que os expressam, sob pena de comprometer os seus objetivos e transformar o jusprevidenciarismo em mera técnica positivista, estranha ou refratária aos valores do humanismo e da fundamentalidade contemporânea dos direitos das pessoas.
O art. 7o., II da Lei 3.765/60 garante aos filhos de qualquer condição, excluindo os maiores do sexo masculino que não sejam interditos ou inválidos, o recebimento da pensão militar, independentemente da relação de dependência com o seu instituidor.
A filha afetiva ou de criação posiciona-se na mesma situação da enteada ou da filha adotiva; é entendimento antigo, mas atualizado do STJ, que equipara-se à condição de filha a enteada criada e mantida pelo Militar, instituidor da pensão, o qual, a despeito da ausência de laços sanguíneos, dispensou-lhe o mesmo tratamento que se dá a filho biológico (artigo 7o., inciso II, da Lei n. 3.765/60 combinado com o artigo 50, § 2o., Lei n. 6.880/80) (AgRg no REsp. 1.190.384/RJ, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJe 2.9.2010); a postura que tende a criar distinções ou classes de filiação, além de avessa aos postulados humanísticos e às premissas dos direitos fundamentais da pessoa humana, afronta também a realidade dos sentimentos dos pais e a larguesa de sua afeição pelos filhos.
No caso em comento, comprovado que o Militar dispensava à ora Agravada tratamento idêntico ao que as famílias devotam à filha biológica, deve ser-lhe assegurado o direito pensional decorrente do óbito do seu pai afetivo ou por adoção, sendo desimportante, nesta hipótese para a sua definição, a ausência de previsão legal expressa; em situação assim, a jurisprudência elaborou o entendimento de que, do mesmo modo que se reconhece à filha consanguínea a presunção de dependência econômica, também se deve reconhecer em favor da filha afetiva ou de criação a mesma condição pressuposta.
A 2a. Seção do STJ tem orientação firme e construtiva no sentido de reconhecer em casos como este, segundo afirmado pela douta Ministra FÁTIMA NANCY, a maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho (REsp. 1.274.240/SC, DJe 15.10.2013).
Também o eminente Ministro MARCO AURÉLIO BELIZZE, em atenção às novas estruturas familiares, baseadas no princípio da afetividade jurídica (a permitir, em última análise, a realização do indivíduo como consectário da dignidade da pessoa humana), a coexistência de relações filiais ou a denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão da realidade social, não pode passar despercebida pelo direito (REsp. 1.328.380/MS, DJe 3.11.2014).
Agravo Regimental da UNIÃO desprovido. (STJ. AgRg no AREsp 71.290/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 23/08/2016)
De forma que, a expressão filho contida na legislação previdenciária, nos termos dos entendimentos dos Tribunais, deve ser interpretada de forma ampla alcançando, consequentemente, os casos de filiação socioafetiva.
E, por se tratar de interpretação ampla, não se pode perder de vista que, em tese, está-se diante de um caso de dependência econômica cuja presunção é absoluta, já que esta é a dependência aplicada aos filhos biológicos.
4 – RECEBIMENTO DE DUAS PENSÕES
Ocorre que a filiação socioafetiva, não exclui a paternidade biológica, de forma que, tomando por base os entendimentos anteriores, é possível afirmar que, para efeitos legais, aquele filho ou filha passa a figurar como dependente de dois segurados que podem estar filiados ao mesmo regime previdenciário ou a regimes diversos.
E, a partir do momento em que uma filiação não exclui a outra, permitindo o reconhecimento da condição de dependente junto a dois segurados distintos, surge a controvérsia acerca da possibilidade ou não de recebimento de duas pensões diferentes na condição de filho.
É preciso deixar bem claro que essa controvérsia, encontra origem na dúvida acerca da possibilidade de este dependente possuir dois pais ou duas mães para efeitos previdenciários, o que não existe nos casos de adoção já que esta extingue a relação jurídica com o pai biológico, alcançando também os aspectos jurídicos desta.
De forma que, apesar de a maioria dos Regimes Próprios não contarem com previsão nesse sentido, é possível afirmar que a adoção afasta o direito à pensão por morte quando o falecimento for do Pai biológico.
Mas na filiação socioafetiva, o que existe de fato e de direito é a dupla filiação produzindo efeitos tanto no aspecto social, quanto no aspecto jurídico, o que inclusive leva os professores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari in MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, 20ª edição, editora Forense, página 156 a afirmarem que:
O STF, em decisão de 21 de setembro de 2016, decidiu em sede de repercussão geral que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, salvo nos casos de aferição judicial do abandono afetivo voluntário e inescusável dos filhos em relação aos pais”.
O caso, em verdade, envolvia como partes uma filha e o seu pai biológico, tendo aquela sido adotada por outra pessoa do sexo masculino (pai adotivo, ou socioafetivo). A discussão envolvia o direito da filha de ser beneficiada pelos “efeitos patrimoniais” de sua ligação com o pai biológico. O pai biológico sustentava não ser mais responsável em caráter patrimonial, já que havia, agora, um pai adotivo e a filha não pretendia romper os laços de parentesco com este último.
Por efeitos patrimoniais pode-se ter que a filha poderia buscar, por exemplo, uma pensão alimentícia, ou ser reconhecida futuramente como herdeira do patrimônio deixado pelo pai biológico, quando este vier a falecer. São questões ligadas ao Direito Civil – especialmente ao Direito de Família e das Sucessões.
A decisão do STF indica o reconhecimento de uma coexistência de relações de parentesco, quando se trata de pai e filhos, pois segundo o relator do processo, Ministro Luiz Fux, “não há impedimento do reconhecimento simultâneo de ambas as formas de paternidade – socioafetiva ou biológica –, desde que este seja o interesse do filho”. Dizendo em palavras mais simples: sim, uma mesma pessoa pode, “aos olhos do Direito”, ser filho ou filha de dois pais, em tal situação.
O direito a alimentos é irrenunciável, como se sabe, da mesma forma como é irrenunciável o direito à proteção previdenciária, tanto de segurados como de seus dependentes.
Não haveria sentido, portanto, em se limitar os efeitos da decisão judicial tomada, em nível de repercussão geral, como se o Direito pudesse ser cindido e a paternidade reconhecida para fins civis fosse “diferente” daquela reconhecida para fins previdenciários.
Significa dizer que, se na ordem jurídica construída sob a Constituição de 1988, uma pessoa pode ser considerada como filho ou filha de dois seres humanos do sexo masculino simultaneamente, sendo um na condição de pai biológico e outro na condição de pai socioafetivo, tal reconhecimento se espraia por todas as outras situações contempladas pelo Direito, e não apenas quanto aos efeitos da responsabilidade pai-filho ou os efeitos sobre direitos patrimoniais de um em relação ao outro.
Desta forma, entendemos que um mesmo ser humano pode ser dependente, para fins previdenciários, na condição de filho de mais de uma pessoa na qualidade de pai, toda vez que situação semelhante ao do julgamento proferido pelo STF ocorrer – houve um pai biológico e outro, socioafetivo.
A manutenção da condição de filho aliada a inexistência de regra que impeça o recebimento de pensão por morte decorrente do óbito de dois Pais, faz com que prevaleça o entendimento acerca da possibilidade de recebimento dos dois benefícios.
Isso porque, conforme já evidenciado, as relações socioafetivas não tem força jurídica para afastar o vínculo existente entre pais e filhos biológicos, pelo contrário, admite-se, inclusive, a emissão de Certidão de Nascimento com o nome de dois pais e/ou duas mães.
De forma que a existência de duas relações jurídicas distintas autoriza o recebimento dos dois benefícios, já que, no caso a contingência a ser protegida é o falecimento do pai ou mãe daquele(a) filho(a), cuja dependência econômica tem presunção absoluta, ante a impossibilidade de existência de tratamento diferenciado entre filhos.
Notas e Referências
[1] WELTER, Belmiro Pedro. FILIAÇÃO BIOLÓGICA E SOCIOAFETIVA: IGUALDADE. Revista Brasileira de Direito de Família. Editora Síntese, página 133, nº 14.
[2] FACHIN, Luiz Edson. DA PATERNIDADE: RELAÇÃO BIOLÓGICA E AFETIVA. Editora Del Rey, página 59.
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