A expectativa de sobrevida aos 65 anos de idade: contra qualquer expectativa...

07/04/2017

Por Diego Henrique Schuster – 07/04/2017

A tábua de mortalidade projetada para o ano de 2015 forneceu uma expectativa de vida de 75,5 anos para o total da população brasileira. No entanto, o que parece que justificou a idade mínima de 65 anos de idade – tanto para homens como mulheres – é a expectativa de sobrevida de quem conseguiu chegar a essa idade, ou seja, a preocupação do governo é com a expectativa de vida aos 65 anos, que passou para 18,4 anos[1]. Consultando a tabela disponibilizada pelo IBGE, constata-se que quem nasceu antes de 2015, ou seja, para quem tinha 20 anos nesse ano e, portanto, nasceu em 1995, a expectativa de vida é ainda maior, qual seja, de 77,2; para quem tinha 40 anos e, portanto, nasceu em 1975, a expectativa de vida é de 78,9; para quem tinha 65 anos e, portanto, nasceu em 1950, a expectativa de vida é de 83,4; e assim sucessivamente. Qual é a explicação para isso? Segundo próprio IBGE:

[...] ao nascer um recém-nascido esperaria viver 75,5 anos, esta criança ainda vai passar por todos os riscos de morte ao longo de sua vida. Já para um indivíduo que atingiu os 20 anos, sua expectativa de vida é de 57,2 anos, valor inferior ao do nascimento. Contudo, este indivíduo de 20 anos em 2015, já passou por todos os riscos de morte até os 20 anos, riscos estes que um recém-nascido ainda irá passar. Logo, se somarmos os 20 anos que este indivíduo já viveu aos 57,2 anos que ele ainda espera viver, viverá em média 77,2 anos. A cada fase da vida existirá um bônus por ele ter passado e alcançado idades mais velhas.

O que não fica claro é quais são esses fatores de risco e se eles são atualizados de tempos em tempos, vale ponderar: se antes a preocupação era com a desnutrição, hoje, é com a obesidade; se antes a preocupação era com a mortalidade infantil, hoje, é com a redução na taxa de natalidade; se antes a tuberculose, o sarampo e AIDS assolavam o país, hoje, temos o câncer; e assim por diante. Seja como for, a probabilidade de um recém-nascido desta geração alcançar os 65 anos é de 0,7891, ou seja, 78912 dividido por 100.000. Em que condições de saúde para o trabalho? A tábua de mortalidade não permite saber, pois se trata de uma tábua de mortalidade demográfica, que expressa a mortalidade da população como um todo, não levando em consideração varáveis qualitativas. A propósito, o IBGE faz questão de esclarecer que “trabalhamos com a população total”. Assim, as variáveis que são contempladas na tábua; são o sexo e a idade. Não são tábuas atuariais.

A PEC 287/2016, no seu art. 201, § 15, traz a seguinte perspectiva em relação a idade mínima de 65 anos: Sempre que verificado o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacional única correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira aos sessenta e cinco anos, para ambos os sexos, em comparação à média apurada no ano de promulgação desta Emenda, nos termos da lei, a idade prevista no § 7º será majorada em números inteiros. O que se deve considerar para efeitos de incremento na média nacional única correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira aos sessenta e cinco anos?

Como já se viu, não é (lá) a expectativa de vida de 75,5 anos projetada para o total da população brasileira, mas expectativa de vida aos 65 anos, que de 12 anos, em 1980, aumentou para 18,4 anos, em 2015. Nesse ritmo, ou seja, se a cada 6 anos tivermos um aumento de 1 ano na expectativa de vida aos 65 anos, em 2047, a idade mínima será de 70 anos. Não? E se fosse a expectativa de vida geral da população brasileira? O IBGE já confirmou uma projeção até 2060, vale dizer: para 2020, 76,7 anos; para 2030, 78,6 anos; para 2040, 79,88; para 2050, 80,69; e 2060, 81,20[2]. Nesse ritmo, em 2060 a idade mínima será superior a 70 anos.

Como se vê, existe uma expectativa de vida dentro da expectativa total, na qual são considerados os riscos de morte em cada idade. Nesta última, importante destacar que a probabilidade de um idoso alcançar 80 ou mais anos é de 0,4914, ou seja, 49146 dividido por 100.000, nem 50%, sendo que a tabela não traz a probabilidade de um idoso alcançar 83,4 anos, quiçá por constituir um pequeníssimo número de pessoas. Oportuno lembrar que o cálculo da vida mediana ou vida provável é, conforme as palavras de Alfred Sauvy, “a duração de vida da qual cada indivíduo tem uma probabilidade em duas de atingir”. Na tábua de sobrevivência, a vida mediana corresponde ao ponto em que o número de sobreviventes em relação ao número inicial atinge 50%. Nessa linha, Antônio Cordeiro Filho[3] concluiu em 2009:

Com base nesta informação e analisando uma hipotética tábua de sobrevivência do Brasil, num determinado ano podemos afirmar que a vida provável do brasileiro é de 65 anos porque nesta idade estão 50% dos indivíduos, os quais nasceram há 65 anos. Ou seja, 65 anos depois, o número inicial de indivíduos, que era de 10.000, caiu para 5.000, relevando assim que, hoje, a possibilidade de um recém-nascido chegar a 65 anos é de 50%. Portanto, a vida provável deste recém-nascido será de 65 anos.

Por tudo, e não só isso, o que se pode concluir é que estão fazendo da exceção uma regra, uma vez que o contingente de pessoas que gozam faticamente dessa expectativa de sobrevida (de 18,4) é muito pequeno. Uma coisa é adotar a expectativa de vida para fazer uma previsão estimada de gasto, para efeitos de uma reordenação do financiamento, com vistas à manutenção ou extensão da previdência social, outra coisa é considerá-la para efeitos de uma idade mínima, uma espécie de regra de corte. Os pontos são (quase) sempre ligados com uma linha reta. Tudo é aproximado, negociação entre querer e poder (HG). Com isso se atinge, desproporcionalmente, estados, regiões e pessoas com expectativa de vida inferior.

Cumpre perguntar: a tabela de mortalidade disponibilizada pelo IBGE traduz a realidade do trabalhador-segurado brasileiro, dos nossos agricultores? Quem são as pessoas com maior chance de atingir a sobrevida de 18,4 anos? Qual de fato é a expectativa de saúde após os 65 anos de idade? A resposta certamente vai contra a expectativa da maioria dos brasileiros... A vida não é como numa propaganda de previdência privada, ilustrada por casais idosos e jovens executivos que demonstram tranquilidade e satisfação!


Notas e Referências:

[1] Bah1: Fica fácil perceber que o aumento da sobrevida aos 65 anos é que fundamenta a implementação de uma idade mínima de 65 anos. Vale transcrever trechos da justificativa da Proposta de Emenda à Constituição, que evidenciam essa preocupação: “Em perspectiva, é importante registrar que a expectativa de sobrevida da população com 65 anos, que era de 12 anos em 1980, aumentou para 18,4 anos em 2015. Nesse sentido, a idade mínima de aposentadoria no Brasil já deveria ter sido atualizada". Mais adiante: “Cabe destacar que a idade mínima para os benefícios assistenciais tem diminuído ao longo do tempo, apesar do aumento de expectativa de sobrevida dos idosos. Em 1974, a expectativa de sobrevida para quem tinha 70 anos (idade de elegibilidade ao benefício de renda mensal vitalícia) era de 8,5 anos de vida. Em 2011, a expectativa de sobrevida para quem tinha 65 anos era de 17,8 anos, e atualmente já chega a 18,4 anos de vida, segundo dados do IBGE”.

[2] Bah2: Estes dados podem ser encontrado sem:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/projecao_da_populacao/2013/default_tab.shtm> Acesso em: 03 fev. 2017.

[3] Bah3: CORDEIRO FILHO, Antônio. Cálculo atuarial aplicado: teoria e aplicações; exercícios resolvidos e propostos. São Paulo: Atlas, 2009. p. 13.


Diego Henrique SchusterDiego Henrique Schuster é Mestre em Direito Público e Especialista em Direito Ambiental pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Advogado e pesquisador da Lourenço e Souza Advogados Associados; Diretor-Adjunto da Diretoria Científica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP. Autor de inúmeros artigos jurídicos e dois livros: “Aposentadoria especial: entre o princípio da precaução e a proteção social”, pela editora Juruá, e Processo previdenciário: o dever de fundamentação das decisões judiciais, pela editora LTr. Email: vidareal33@bol.com.br.


Imagem Ilustrativa do Post: Perseverança & Resignação // Foto de: Otávio Nogueira // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito. 


 

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