A Criminologia Etiológica: fundamentos e explicações

12/07/2017

Por Gabriel Martins Furquim - 12/07/2017

1. Introdução 

Não há um conceito inequívoco para se definir ou generalizar o que seriam as criminologias. Na verdade, existem definições conceituais diferenciadas ou opostas com desdobramentos políticos (declarados ou reais), científicos e metodológicos inerentes à adoção de uma ou de outra. O que se pretende é analisar, de forma breve, a construção, as abordagens e os fundamentos da Criminologia Tradicional, como explicação etiológica da criminalidade, certamente antagônica à Criminologia Crítica, como discurso político para desvendar o real (ou o invisível) sobre o processo de criminalização. Não há como falar de criminologia crítica, que será objeto de texto futuro, sem antes analisar brevemente a criminologia tradicional.

2. A Criminologia Etiológica e suas principais explicações 

A Criminológica Etiológica (ou Tradicional) é o discurso que pretende diferenciar os criminosos dos indivíduos normais através de um método causal- explicativo (ou causal-determinista), no sentido de se determinar as causas (o como e o por que) do comportamento criminoso, caracterizado como existência de defeitos individuais dos sujeitos, naturais ou apreendidos (BARATTA, 2004, p. 21; CIRINO DOS SANTOS, 2017, p. 08), que explicariam a criminalidade, de modo  que  ela  fosse  combatida  com  ferramentas  modificativas  do  delinquente.  Não diferente, esses olhares sobre o crime e o criminoso são próprios “da criminologia positivista que, inspirada na filosofia e na psicologia do positivismo naturalista, predominou entre os finais do século passado” (BARATTA, 2004, p. 21), mas que é reinventada e sobrevive na contemporaneidade para legitimar, e isso veremos a seguir, a incidência do Direito Penal, sem discutir a construção política deste (BATISTA, 2011, p. 29).

É preciso ter presente que a Criminologia Tradicional, como ferramenta  auxiliar do Direito Penal, possui algumas características das quais se erigem suas conclusões e assertivas em relação à criminalidade, vale dizer, “as teorias conservadoras caracterizam-se pela descrição da organização social: a ordem estabelecida (status quo) é o parâmetro para o estudo do comportamento criminoso ou desviante, e a base das medidas de repressão e correção do crime e desvio” (CIRINO DOS SANTOS, 1981, p. 02).

Necessário se faz a existência de uma visão consensual do mundo (ou uma teoria política consensual), em que o fundamento político da sociedade não é o conflito, mas o consenso e, por isso, há uma única realidade monolítica, na qual a conduta   desviada   é resultado individual determinado por uma patologia ou por uma socialização insuficiente, que demanda tratamento ou neutralização (TAYLOR; WALTON; YOUNG, 1997, p. 49).

Em resumo, o consenso, o determinismo e o experimentalismo, inerentes a este discurso criminológico, possibilitam que a criminalidade seja explicada a partir de defeitos individuais determinados por patologia ou por socialização insuficiente, sem se cogitar, no entanto, o contexto social mais abrangente – formação social e econômica, ou seja, o foco está apenas no autor e nas causas, e não nas condições estruturais e nos mecanismos de construção social (BATISTA, 2011, p. 89).

Certo é que a característica de consenso da sociedade permitirá supor que o comportamento é causalmente determinado (ou determinação causal do comportamento), para o sentido a (de homem normal) ou para o sentido b (de criminoso), produzidos por causas internas de se adequar ou não ao comportamento social, de modo que o desvio é incontrolável ao criminoso, bem como a conformação é obrigação do homem normal.

A consolidação da determinação causal é, ao mesmo tempo, o império do método experimental (ou indutivo-experimental) para a explicação da criminalidade, como algo transposto das ciências naturais para as ciências sociais, cuja finalidade é saber o porquê que determinadas pessoas cometem crimes, bem como quantificar os resultados obtidos destas pesquisas neutras que recaem sobre uma coisa inerte ou sobre o organismo doente da sociedade.

É assim que o consenso, o determinismo e o experimentalismo, possibilitaram que a criminalidade seja explicada a partir de defeitos individuais determinados por patologia ou por socialização insuficiente, que necessitam tratamento corretivo ou assecuratório, como se o criminoso fosse uma peça a ser reparada, que desgastada por si mesma, bem como pelas engrenagens (explicações individuais) ou pela máquina (explicações socioestruturais), sem se cogitar na alteração do modelo (de produção social) desta máquina por outro. Muito bem, passemos a enumerar as explicações individuais (naturais ou apreendidas) e socioestruturais da criminalidade comuns da Criminologia Etiológica (ou Tradicional).

No que tange a teoria dos defeitos pessoais naturais, como explicação criminológica a partir de defeitos individuais inerente ao sujeito, é determinada a partir de abordagens biológicas, constitucionais, genéticas e instintivas do comportamento humano. O abre-alas é LOMBROSO com sua rígida explicação biológica, comparativa de indivíduos e grupos, de que o segredo do comportamento criminoso está na existência de estigmas físicos (dentição anormal, assimetria do rosto etc.) que determinam o criminoso nato, como degeneração pessoal atávica, caracterizada como regressão à período evolutivos inferiores com baixo índice desenvolvido. Algo similar à Teoria da Evolução de Darwin, que vem transplantada para criminologia, com intenção de explicar a criminalidade. Conquanto estejam presentes defeitos da teoria lombrosiana, como técnicas estatísticas inadequadas, o fato de que os estigmas derivam tanto do meio social quanto resultam do prevalecimento das classes mais altas sobre as mais baixas etc., não restou eliminada essa teoria na contemporaneidade, pelo menos do inconsciente, que vem para legitimar a criminalização seletiva (TAYLOR; WALTON; YOUNG, 1997, p. 58-62).

Por sua vez e ainda dentro das explicações a partir de defeitos pessoais naturais, não se pode olvidar a teoria da combinação cromossômica XYY, a teoria genética mais difundida para a explicação da criminalidade, caracterizada na estrutura cromossômica do sujeito como a chave do comportamento criminoso, em razão da presença de um Y, ou seja, a base genética individual define a predisposição delitiva. Mas a capacidade explicativa dessa teoria genética é insignificante, justamente porque tanto a presença de um Y extra na estrutura cromossômica estatisticamente insignificante se comparada com a população carcerária ou geral, quanto pela incapacidade de explicar porque as diferenças genéticas significam comportamentos diferenciados (TAYLOR; WALTON; YOUNG, 1997, p. 62-65, CIRINO DOS SANTOS, 2017, p. 10). Neste mesmo campo, importante   frisar   a   existência   de   teorias hereditárias, em que se defende o comportamento criminoso como disposição hereditária, mais precisamente como herança de comportamento desviante.

Mas não é só. O comportamento instintivo animal também foi utilizado como critério para a explicação da criminalidade, como inibição ou desencadeamento de agressividade humana, a partir de estímulos inatos e condicionados, cuja finalidade é a sobrevivência, a defesa ou a preservação ou ascensão de posição social. Mas a transposição dos instintos animais não serve para explicar a complexidade social determinada por um modo de produção específico.

As teorias criminológicas dos defeitos pessoais apreendidos podem ser assim divididas: a) teoria da aprendizagem por condicionamento; b) teorias psicanalíticas e c) teoria da associação diferencial. Para as teorias da aprendizagem por condicionamento, o comportamento humano, caracterizado como objeto maleável, é um conjunto de reflexos condicionados (EYSENCK) ou mecânicos, no sentido de que a mente humana pode ser condicionada através do princípio hedonista de recompensa ou de punição, onde alguns indivíduos são mais facilmente condicionados do que outros (TRASLER) (TAYLOR; WALTON; YOUNG, 1997, p. 65-81).

Da psicologia behaviorista à psicanálise, com raízes no pensamento de FREUD, a criminalidade passa a ser explicada pelo inconsciente sentimento de culpa que necessita senão o alívio ou a redução através da tendência da confissão ou da punição (BARATTA, 2004, p. 44-46). Isso porque, segundo FREUD (2011, p. 43), “o Super-eu conservará o caráter do pai, e quanto mais forte foi o complexo de Édipo tanto mais rapidamente (sob influência de autoridade, ensino religioso, escola, leituras) ocorreu sua repressão, tanto mais severamente o Super-eu terá domínio sobre o EU como consciência moral, talvez como inconscientemente como sentimento de culpa”. Não diferente, o psicanalista conclui que “em muitos criminosos, principalmente juvenis, pode-se demonstrar que havia um poderoso sentimento de culpa antes do crime, e que, portanto, é o motivo deste, não sua consequência; como se fosse um alívio poder ligar esse sentimento de culpa inconsciente a algo real e imediato” (FREUD, 2011, p. 65-66).

Finalizando as teorias dos defeitos pessoais apreendidos, certo é que a teoria da teoria da associação diferencial, desenvolvida por SUTHERLAND, entende o comportamento criminoso “como um processo de aprendizagem que se coloca a funcionar através da associação com outras pessoas e sua principal parte se faz entre grupos pessoais íntimos” (TAYLOR; WALTON; YOUNG, 1997, p. 142), ou seja, a aprendizagem criminosa ocorreria através da interação social no interior de grupos sociais, no sentido de socializar técnicas para execução de crimes.

É da crítica às criminologias do consenso ou tradicional, por sua incapacidade para compreender o fenômeno criminal em sua totalidade e em um contexto social dinâmico e mais amplo, que surge a criminologia crítica sob um enfoque macrossociológico (socioestrutural), aonde o conflito social é algo intrínseco, sendo aí que se localiza o espaço da análise, ou seja, a formação social e econômica, considerações que devem ser ampliadas futuramente.


Notas e Referências:

BARATTA, Alessandro. Criminológia crítica y crítica del derecho penal: introducción a la sociología jurídica penal. – 1ª Ed. 1ª reimp. – Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2004.

BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia. – Rio de Janeiro: Revan, 2011.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A criminologia radical. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1981.

                                          , Juarez.  Os Discurso sobre  Crime  e  Criminalidade,  p.  08. Disponível em:

http://icpc.org.br/wp-content/uploads/2012/05/os_discursos_sobre_crime_e_criminalidade.pdf. Acesso em: 06/07/2017, às 17h37mim.

FREUD, Sigmund. O Eu e o Id, p. 43. In: O Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos (1923-1925). Tradução Paulo Casar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro – 11ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007

TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock. La nueva criminología: contribuición a una teoria social de la conduta desvida – Buenos Aires: Amoorrortu editores, 1997.


Gabriel Martins Furquim. . Gabriel Martins Furquim é especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal - ICPC, em convênio com o Centro Universitário Internacional - UNINTER. Advogado. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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