A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial - Comentários ao enunciado nº 589, aprovado na VII Jornada de Direito Civil

15/01/2016

Por Vitor Vilela Guglinski - 15/01/2016

Nos dias 28 e 29 de setembro do presente ano foi realizada em Brasília a VII Jornada de Direito Civil, promovida pelo Superior Tribunal de Justiça em parceria com o Conselho da Justiça Federal, ocasião na qual foram aprovados 36 novos enunciados, dentre os quais o de número 589, que destaco abaixo:

"ENUNCIADO 589 - A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retração pública ou outro meio".

Pois bem.

Há alguns anos já venho defendendo meios de reparação de caráter não pecuniário, tendo no ano de 2009 publicado o artigo intitulado "Somente o dinheiro compensa o dano moral?" (disponível em: http://jus.com.br/artigos/13071/somente-o-dinheiro-compensa-o-dano-moral).

É de se comemorar a aprovação do referido enunciado, posto que, no sistema vigente de responsabilização civil, na maioria dos casos, as compensações pecuniárias fixadas pelo Poder Judiciário em seus julgados são irrisórias, e por isso incapazes de compensar verdadeiramente o dano suportado pela vítima.

Muitos julgadores ainda seguem contaminados pela falaciosa ideia de que as milhares de ações judiciais em que se busca reparação por danos morais representam o fomento do que se convencionou chamar de "indústria do dano moral".

Considerando-se que a maior parte das quase 50 milhões de ações que hoje tramitam no Poder Judiciário são demandas de consumo, a verdade que se constata é que existe, ao contrário, uma indústria do desrespeito ao consumidor, da busca pelo lucro fácil por parte dos fornecedores, do descaso no trato das demandas de consumo; enfim, soa totalmente descabido o argumento de que existe uma "indústria do dano moral" no Brasil.

Nada obstante, é com bons olhos que o enunciado em questão deve ser enxergado, pois, em última análise, importa garantir à vítima a respectiva compensação pelo dano experimentado. A meu ver, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, a reparação não pecuniária é perfeitamente possível.

De modo a reforçar a ideia, peço licença para reeditar parte do artigo de minha autoria a que me referi linhas atrás, conforme as linhas que se seguem.

Ajuizada uma ação de reparação de danos morais, suponha-se que a parte autora, ao invés de desejar ser beneficiada com uma compensação financeira, peça a condenação da parte ré/ofensora a beneficiar terceiros, de forma que a condenação cumpra seu papel repressivo e pedagógico, ao argumento de que somente proporcionando o bem de quem necessita, julgar-se-á efetivamente compensada pelo dano experimentado.

Garantida a ampla defesa e o contraditório, e estando o processo regularmente instruído, finalmente o julgador conclui que assiste razão à parte autora, ou seja, restando validamente provados a conduta, o nexo causal e o dano alegado, tudo em conformidade com os fatos articulados na petição inicial. Qual o caminho a ser tomado pelo juiz?

Não encontrei dificuldades em concluir que ao juiz somente restaria julgar procedente o pedido, pois o ilícito restou comprovado, sendo que, a teor de nossa legislação, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional, existe a previsão expressa de reparação dos danos morais eventualmente causados a alguém, o que torna o pedido juridicamente possível, ante a expressa previsão legal de reparabilidade do dano.

A questão seguinte é: como reparar o dano de natureza extrapatrimonial, já que o que é imaterial é irreparável?

Em nosso sistema, a maneira que se convencionou, conforme amplamente informa a doutrina, e como de fato ocorre costumeiramente, foi a de pagar ao ofendido uma quantia em dinheiro, uma vez que, como dito, o que é imaterial é irreparável.

Entretanto, pode o ofendido concluir perfeitamente que receber uma compensação pecuniária em proveito próprio não lhe atenderá plenamente, em se tratando de “reparar” sua honra!

Para melhor visualização, imagine-se o caso de uma pessoa portadora de necessidades especiais (um cadeirante, por exemplo) que seja atropelado enquanto atravessa uma rua, e que esse atropelamento tenha sido causado pelo condutor de um veículo pertencente a uma riquíssima sociedade empresária, que disponha de grande patrimônio pra pagar eventual compensação à vítima. Imagine-se que desse atropelamento tenha resultado alguma sequela ao cadeirante, fazendo com que se presuma o dano moral (in re ipsa) mas, sendo a vítima também uma pessoa rica, possui condições de se tratar. Nesse contexto, o ofendido, então, decide requerer ao juiz da causa que ao invés de condenar o ofensor a lhe pagar certa quantia em benefício próprio, condene-o a utilizar o equivalente em dinheiro que lhe seria atribuído para adquirir e distribuir cadeiras de rodas a alguma instituição filantrópica dedicada ao tratamento de pessoas como ele – portadoras de necessidades especiais -, de forma que o causador do dano se sensibilize em relação ao especial respeito que os cadeirantes merecem, ante sua hipervulnerabilidade. O que haveria de errado nesse pedido? Ora, absolutamente nada!

Em minha sincera opinião, certamente tal pedido se encontra revestido do mais puro altruísmo! Na hipótese, é perfeitamente possível imaginar que o cadeirante em questão, já que não necessita de dinheiro, acabaria por se sentir altamente honrado ao ter a certeza de que seu pedido beneficiaria pessoas como ele. Isso, a meu ver, compensa muito mais do que simplesmente embolsar dinheiro.

Honra compensa honra!

Pois bem. Em relação à eventual sentença proferida, quem estaria apto a executá-la? Perceba-se que a relação de direito material e jurídico-processual se deu entre a parte autora e seu ofensor, porém, o juiz condenaria este último a prestação que beneficiaria um terceiro, que sequer sabia da existência da lide.

Embora prefira deixar a resposta de tal indagação aos processualistas, arrisco-me a concluir, a princípio, que tanto o autor (que é parte no processo) quanto o beneficiado pela sentença podem promover sua execução, pois, a partir do momento em que o juiz estatui uma obrigação para o réu, nos exatos termos do pedido autoral, cria-se para a autora e para o beneficiado um título executivo judicial, com obrigação líquida e certa, portanto exequível.

O tema, certamente, não se esgota aqui. Minha intenção, com este singelo texto, foi tão somente despertar os leitores para uma ótica diferenciada sobre o instituto da responsabilidade civil em casos envolvendo danos morais, bem como o alcance das normas processuais, de modo a incentivar o debate sobre o tema. Penso que as atitudes nobres e altruístas devam sempre ser apoiadas e incentivadas pelo Judiciário, em atendimento aos fins sociais da lei e ao bem comum, conforme etiquetado no art. 5º da LINDB.

Por fim, reafirmo minha satisfação pela aprovação do enunciado em referência. Significa um grande passo para se garantir a reparação do dano extrapatrimonial.


Vitor Vilela Guglinski. Vitor Vilela Guglinski é Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Ex-assessor jurídico da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG). Autor colaborador dos principais periódicos jurídicos especializados do país. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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