A combinação Letal para o Sistema Jurídico, Político e Econômico Brasileiro: “Carne Fraca e Poder Forte”

15/06/2017

Por José Borges Neto - 15/06/2017

As operações da Polícia Federal estão afetando a Ordem Jurídica e Econômica do país; de Operação Zelotes, passando pela Lava Jato e chegando no mais novo fiasco, a Operação Carne Fraca, culminando em um “papelão”.

Qual a ligação entre a Revolução Francesa, a Ditadura de 1964, a Constituição Federal de 1988 e o presente momento que estamos vivenciando, de “Abuso de Autoridade?

O fato é que quando saímos do Regime Militar em 1985, parte da sociedade e a maioria dos políticos que ficaram no comando das “Terras Tupiniquins”, ainda estavam com muito medo do militarismo e sua maneira truculenta de agir.

Portanto, impulsionados por este medo e negligenciando em acompanhar a história de países europeus e acontecimentos similares, do velho continente, que culminaram com a mesma desordem e insegurança jurídica, a qual estamos vivendo, ou seja, como diz o velho adágio: “a história se repete”.

Não podemos, enquanto sociedade, tomar decisões precipitadas em momentos conturbados, frágeis ou vulneráveis, pois sempre haverá uma grande possibilidade de tais decisões serem errôneas e penderem somente para um lado, gerando desequilíbrio no sistema, que mais tarde ruirá com o sobrepeso.

Este é o cenário político e jurídico ao qual estamos imergidos hoje, similar situação já ocorreu na França, na Revolução Francesa há mais de 200 anos, mais precisamente no século XVIII, onde vigia o Estado Absolutista governado pelos monarcas.

Os burgueses, trabalhadores e camponeses insatisfeitos com a opressão e descaso do Estado Monárquico, insurgiram-se contra a realeza, influenciados pelo pensamento iluminista e ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, liderados pelos grupos girondinos e jacobinos, sendo este último a parte mais radical da revolução, encabeçando a queda da Bastilha com a decapitação por guilhotina, do rei Luís XVI e sua esposa Maria Antonieta.

Os jacobinos eram liderados por grandes nomes, tais como: Robespierre, Saint-Just e Danton figuras que comandavam a revolução e espalhavam o terror pela nação francesa empregando o uso exacerbado da guilhotina, ou seja, a história se repete – em um momento conturbado e frágil da sociedade francesa, um grupo obtém o poder revestido de ideais nobres e louváveis, mas devido a extensão de poderes que lhes foi conferido ou atribuído, faz uso destes sem escrúpulos, ignorando até mesmo os ideais aos quais defendia, quando era oprimido.

A relação entre a Revolução Francesa e os cenários político, jurídico e econômico brasileiro atual é que há mais de 200 anos, durante uma instabilidade, foi concedido muito poder a um grupo e este usou tais poderes sem freios ou contrapesos, usando os fins para justificar os meios e infelizmente é o que acontece atualmente no Brasil.

Por causa das repressões militares do passado, a classe que preencheu o vácuo do poder, se aproveitou para garantir tratamento diferenciado à classe política, dentre outras, o famoso ou infame “Foro Privilegiado”.

Alhures, criticava-se o magistrado “boca da lei”, aquele que aplicava rigorosamente a letra do diploma legal, hodiernamente, a aplicação do texto legal tornou-se “démodé”, o que vale, atualmente, são jurisprudências, convicções, interpretações e conveniências que o caso demandar.

Incautos que fomos, em um passado não muito distante e cegos ao ponto de ignorarmos a história, que se repete ciclicamente, estamos nos transformando em uma “Nação Zumbi”, onde não se sabe para onde vai, nem como se chegará lá, vamos simplesmente caminhando, seguindo a multidão de alienados, totalmente anestesiados da realidade e dos prejuízos que estas ações nos trarão.

Este caos brasileiro tem sua origem, no poder exacerbado que conferimos à certas instituições e classes que estão assoberbadas pela fama e poder, poder este, quase que “absoluto”; pensam que estão acima da lei, agem amparados pela lei, mas tendem a descumpri-la ou aplicá-la de forma incorreta, flexibilizando e moldando os textos legais, para satisfazer suas convicções e ego.

Leis são flexibilizadas, via manobras jurídicas tergiversativas, ao ponto de não serem cumpridas, mas sim, desrespeitadas com o aval da maior parte da sociedade, que no estado letárgico de ignorância de “Nação Zumbi”, dá carta branca para certas autoridades tripudiarem em direitos e garantias fundamentais.

Vivemos um momento de fragilidade jurídica, onde uma grande fissura na estrutura do Estado Democrático de Direito está causando insegurança jurídica. Hodiernamente, tem-se a necessidade de criar uma lei para garantir a vigência e aplicabilidade de outra, como é o caso do projeto de Lei de Abuso de Autoridade e do PL criminalizando as violações às prerrogativas dos advogados, ou então, precisa-se da chancela ou ordem de Tribunais Superiores para a aplicação do texto legal.

Vejam só a que ponto chegamos, um artigo publicado pelo site Nação Jurídica continha a seguinte informação, com fonte no STJ. Um padrasto foi denunciado por sua companheira por manter relações sexuais com sua enteada, uma adolescente menor de 14 anos de idade.

Pasmem, o réu foi absolvido em 1ª e 2ª instâncias pela justiça paulista, sob argumentos anacrônicos, temerários e insanos, vejamos alguns trechos da referida matéria:

Denunciado por sua companheira, o réu foi absolvido em 2009 pelo juízo de primeiro grau do Tribunal de Justiça de São Paulo. Para a magistrada, a menor não foi vítima de violência presumida, pois “se mostrou determinada para consumar o coito anal com o padrasto. O que fez foi de livre e espontânea vontade, sem coação, ameaça, violência ou temor. Mais: a moça quis repetir e assim o fez”.

O TJ-SP manteve a absolvição pelos mesmos fundamentos. Conforme o acórdão, a vítima narrou que manteve relacionamento íntimo com o padrasto por diversas vezes, sempre de forma consentida, pois gostava dele. A maioria dos desembargadores considerou que o consentimento da menor, ainda que influenciado pelo desenvolvimento da sociedade e dos costumes, justificava a manutenção da absolvição.

Para o ministro do STJ, Rogério Schietti, é frágil a alusão ao “desenvolvimento da sociedade e dos costumes” como razão para relativizar a presunção legal de violência prevista na antiga redação do Código Penal. O “caminho da modernidade”, disse Schietti, é o oposto do que foi decidido pela Justiça paulista. “De um estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos paulatinamente para uma política social e criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento físico, mental e afetivo do componente infanto-juvenil de nossa população”, afirmou o ministro.

Ele também considerou “anacrônico” o discurso que tenta contrapor a evolução dos costumes e a disseminação mais fácil de informações à “natural tendência civilizatória” de proteger crianças e adolescentes, e que acaba por “expor pessoas ainda imaturas, em menor ou maior grau, a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce”.

A 6ª Turma deu provimento ao recurso para condenar o padrasto pela prática do crime de atentado violento ao pudor, cometido antes da Lei 12.015. O processo foi remetido ao TJ-SP para a fixação da pena.

Pois bem, como dito anteriormente, o sistema está desorganizado e fadado ao fracasso, como se diz em inglês “system in disarray” (sistema confuso, desorganizado, com falta de ordem).  O dispositivo do artigo 217-A do Código Penal é claro e simples e deve ser aplicado como está expresso.

O próprio Capítulo II, do diploma legal em apreço, traz o seguinte título: “Dos Crimes Sexuais Contra Vulnerável”, já para diferenciar esses crimes praticados contra vulneráveis de pessoas maiores de 14 anos, por conseguinte nosso legislador entendeu ser o menor de 14 anos de idade, incapaz de exprimir sua vontade consciente e conseqüente em tais relações, zelando pelo bem-estar saudável dessa categoria em desenvolvimento, vejamos o que diz o art. do diploma legal:

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:               

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos

[...]

Portanto, causa asco a motivação da decisão prolatada nas sentenças de 1ª e 2ª instâncias do TJ paulista, pois decidiu “contra legem”, contra os princípios da moralidade, contra a promoção e proteção saudável que toda sociedade deve dispensar às crianças e aos adolescentes.

Este é somente um dos casos, onde o poder desequilibrado conferido à certas categorias está se tornando um poder absolutista, como no passado, há mais de 200 anos, onde o rei usava a seguinte expressão: “Je souis La Loi, Je souis l’Etat, l’Etat c’es moi”, traduzindo “eu sou a Lei, eu sou o Estado e o Estado é meu”.

Em outras palavras, no Brasil atual, a aplicação das leis depende da interpretação de cada magistrado, que ao arrepio das leis, está se incorporando num Estado Absolutista, pois ele é quem define se a lei deve ou não ser aplicada, mesmo que esta preencha todos os requisitos legais e o fato concreto se enquadre perfeitamente como uma luva na lei abstrata.

É muito temerário e perigoso o caminho pelo qual estamos enveredando, há  um sentimento arrogante de que “tudo posso” em nome de “fazer justiça a qualquer preço” permeando nossas instituições, chamadas por certos agentes de “sólidas”, mas na minha opinião esta “solidez” pode acabar como massa de concreto, onde muito cimento é adicionado e o produto final apresenta rachaduras, ruindo com o tempo, ou seja, a massa ficou tão forte ao ponto de não se conter, causando fissuras em sua própria estrutura, isto é o que pode acontecer com nossas instituições ditas “sólidas”.

Este caso de São Paulo é somente um dos vários episódios de desrespeito com as regras já estabelecidas, não podemos olvidar de mencionar as megas operações midiáticas com respaldo estatal de várias instituições, em detrimento das leis. Como explica bem o colega Cezar R. Bitencourt em seu artigo “A espetacularização irresponsável de um delegado da polícia federal”, senão vejamos:

A espetacularização das prisões quase diárias da "lava jato", acompanhadas por grande alarde da mídia, as megas entrevistas coletivas em redes de televisão a cada “operação policial”, as ilegais conduções coercitivas de pessoas que jamais foram convidadas a comparecer às repartições repressoras, entre outros tantos abusos oficiais, estão a agredir os direitos fundamentais do cidadão e também o Código de Processo Penal brasileiro.

Há três anos temos assistido os espetáculos lamentáveis e totalmente desnecessários, transformando a prisão em regra, quando deveria ser exceção; começou-se prendendo para garantir a produção de prova, passou-se a prender por reconhecer que não existe prova contra o investigado. Em outros termos, prende-se para investigar, para descobrir provas, para forçar delações, por precisar de tempo para produzir provas, mas não por necessidade da prisão. Prende-se filhos, esposas, agregados, empregados, porteiros, secretárias, enfim prende-se a família para forçar a delação, prende-se pela manhã, relaxa-se a prisão a tarde, como ocorreu recentemente.

O Ministério Público confessou na mídia que prende para forçar a delação e facilitar as investigações; o magistrado decreta a prisão de alguém pela manhã, mas a relaxa a tarde ao saber que o pretenso investigado está negociando uma delação, deixando claro que o objetivo da prisão era só para forçar a delação, o que é um procedimento lamentável do julgador. Há, na verdade, uma grande inversão da ordem natural das coisas, isto é, da ordem jurídica, dos direitos e garantias do cidadão, parecendo que realmente escreveram uma nova constituição, uma nova ordem jurídica, exclusiva para eles, ao arrepio da Carta Magna deste país.

Como mencionado no artigo, há a privação de liberdade sem prazo, sem preenchimento de requisitos legais e sem provas. Estamos vivendo em um “Estado Policialesco” ou melhor, em uma “Ditadura Democrática”, onde há uma onda de exposição ilegal de imagens, vazamentos de investigações que deveriam ser sigilosas – vidas, imagens, patrimônios são destruídos em um piscar de olhos, porque os fins justificam os meios.

Impera-se, em “Terras Tupiniquins”, a máxima da monarquia francesa: “Je souis La Loi, Je souis l’Etat, l’Etat c’es moi, ou seja, eu faço o que eu quiser segundo minhas convicções, interpretações e conveniências, pois “a carne é fraca”, mas o poder é forte.


Notas e Referências:

BRASIL. Constituição Federal de 1988, Disponível em:  http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 26 mar. 2017.

BRASIL. Lei 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7960.htm>. Acesso em: 27 mar. 2017.

BITENCOURT, Cezar. A espetacularização irresponsável de um delegado da polícia federal.Disponível em: <http:// http://www.conjur.com.br/2017-mar-27/cezar-bitencourt-espetacularizacao-irresponsavel-delegado?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook>. Acesso em: 29 mar. 2017.

FERNANDES, Cláudio. Revolução Francesa.Disponível em: <http:// http://historiadomundo.uol.com.br/idade-moderna/revolucao-francesa.htm>. Acesso em: 30 mar. 2017.


José Borges NetoJosé Borges Neto é Advogado, atuante na área criminal (associado da ABRACRIM) e atua juntamente com outros profissionais nas áreas Civil, Trabalhista, Família e Consumidor. bacharel em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira-Goiânia e ASPER-Paraíba, onde concluí, também formado pelo Gibbs College-EUA em Redes de Computadores. Estagiei por um ano na Defensoria Pública do Estado da Paraíba com enfâse em Direito Civil e Conciliação. Fui Agente de Proteção, por quase 5 anos, no Juizado da Infância e Juventude de Goiânia. Na Faculdade ASPER também participei de projetos de solução de conflitos em comunidades carentes do entorno de João Pessoa (mediação de conflitos). Falo inglês fluentemente e alemão nível intermediário.


Imagem Ilustrativa do Post: France-003348 // Foto de: Dennis Jarvis // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/archer10/16238458795 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode   


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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