A Babel das Nulidades no Processo Penal

26/10/2015

Por Alexandre Morais da Rosa - 26/10/2015

O Professor e advogado Leonardo Costa de Paula merece ser lido. Sua dissertação, transformada em livro, e publicada pela Juruá (aqui), apresenta o panorama da Babel das Nulidades no Processo Penal. Segue o prefácio que fiz ao livro.

A luta pela construção do devido processo substancial, no Brasil, esbarra na tradição inautêntica, a saber, o Processo Penal brasileiro sempre foi o lugar em que o autoritarismo prevaleceu. Leonardo Costa de Paula procura demonstrar de onde surgiu a compreensão equivocada de “nulidade” e como esta maneira de pensar continua presente na práxis. Basta analisar os “Manuais” difundidos no cotidiano forense para se perceber o quanto de trabalho é necessário.

O Direito não existe na natureza e, portanto, seu objeto é construído. Como tal, é preciso, cada vez mais, apontar seu caráter conceitual sem cair-se em universalismos, nem muito menos em verdades definitivas, justamente porque se deve ter trabalha com fundamento hermenêutico (Heidegger, Gadamer, Lenio Streck). Daí a importância das “distinções” que irão articular a incidência no mundo da vida. No contexto da teoria do Direito a “Nulidade” apresenta um status que não pode ser trazido, sem maiores prejuízos, para todos os campos do Direito, especialmente para o processo penal. Entretanto, a teoria da nulidade que permeia o processo parte de uma “teoria geral” que não se sustenta, mas continua operando.

Desde a década de 80 do século passado, especialmente pelo trabalho de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR), iniciou-se um circuito teórico diferenciado, no qual as bases do processo penal brasileiro são pensadas para além da Escola Paulista, sem a desconsiderar, nem deixar de reconhecer seus méritos, mas de maneira crítica. Busca, entretanto, demonstrar que não se pode continuar com a teoria unitária do processo, nem se pode a abandonar totalmente. Alguma coisa resta, mas deve ser modulada. Este “circuito paralelo do processo penal” associou-se aos mineiros (Aroldo Plínio Gonçalves, Flaviane de Magalhães Barros, Marcelo Cattoni, Dierle Nunes, Alexandre Bahia, Dèbora Carvalho Fioratto, José Santiago, Leonardo Marinho, dentre outros), gaúchos (Aury Lopes Júnior, Ney Fayet Jr, Nereu Giacomolli, Luciano Feldens, Amilton Bueno de Carvalho, Salo de Carvalho, Alexandre Wunderlich, Tovo, Ricardo Gloeckner dentre outros), bem assim a outros espalhados pelo imenso Brasil (Elmir Duclerc, Rômulo Moreira, Paulo de Tarso Brandão, Badaró, Fauzi Hassan Choukr, Maurício Zanóide, Jorge Coutinho Paschoal, Juliano Keller do Valle, eLeonardo Yarochewsky), além, claro de toda a produção dos formados na UFPR (Gilson Bonato, Clara Borges, Sylvio Lourenço, dentre outros). No Rio de Janeiro, todavia, pela grande intervenção de Geraldo Prado, Rubens Casara, Antônio Pedro e Luis Gustavo Grandinette, pode-se construir uma reflexão teórica consistente, alicerçada nos programas de pós-graduação.

Decorrência direta desta má compreensão originária da estrutura lógica do processo penal, na qual a Verdade Real ainda continua operando, bem assim de que o processo é um mero legitimador da sanção, desconsidera-se toda a sua importância sublinhada por Fazzalari, com o qual se pode dizer que embora a decisão caiba ao magistrado, as alegações finais, diz Flaviane Barros, compõem a decisão entendida para além da simples manifestação jurisdicional. A construção discursiva da decisão no processo penal não é mero ato lógico, mas de compreensão e, como tal, não aceita subsunções flexíveis, muito menos a das regras processuais. Ferrajoli aponta o processo como direito fundamental e, assim, não se pode, ainda, sustentar-se distinções entre nulidades (absoluta e relativa). Acolhida a noção de processo como procedimento em contraditório (Fazzalari) a nulidade nunca será relativa! Contudo, quando a Verdade Real passa a ser o objeto do processo, nas mãos de um paranoico inquisidor, o objetivo será sempre a luta do bem contra o mal. Desta forma, nunca haverá nulidade, justamente porque a crença da condenação impede que se reconheça a nulidade, deslocada para o campo da “ausência de prejuízo”. Acrescente-se que no Brasil opera o discurso do “jeitinho” e a “ausência de prejuízo” funciona como recurso retórico. Opera na seguinte lógica: para que reconhecer a nulidade se é culpado, mesmo? É simples entender, para quem quiser, claro. Não existe “nulidade relativa” no devido processo substancial: toda nulidade é nulidade! Ponto Final.

Daí que a releitura operada por Leonardo precisou reconstruir a teoria do direito valendo-se de Kelsen, Bobbio e Ferrajoli. Com o garantismo, ainda que se possa opor críticas ao modelo, estabelece-se o critério para análise da nulidade, ou seja: o processo é direito fundamental e não se pode flexionar com as regras do jogo. Nunca. Reconstruir a operacionalidade garantista é um trabalho árduo e as perspectivas são as piores possíveis. O PL 156 do novo Código de Processo Penal, mostra Leonardo, permanece eclipsado por distinções equivocadas... na lógica do prejuízo. O trabalho que se segue, pois, merece ser lido e analisado de maneira crítica, dado que afirma a autoridade das regras processuais como Direito Fundamental (Ferrajoli).

Por fim, Leonardo é jovem pesquisador, professor de processo penal, com uma trajetória em construção. Pode, assim, repensar algumas de suas afirmações ao longo de sua atividade, assim como fiz. A dissertação de mestrado é o início de muitas reflexões que a democracia exige de todos. E ele começa bem, até porque orientado por Geraldo Prado e na tradição crítica! Disse, ademais, algumas coisas sobre nulidade como doping no livro Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal (aqui).Termino com Paulo Leminski ao dizer que: “Não fosse isso/ e era menos/ Não fosse tanto/ e era quase.” Boa leitura.

 


Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui           .


Imagem Ilustrativa do Post: Museum Boijmans van Beuningen - Toren van Babel, Bruegel // Foto de: Quistnix! // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/dextroannie/5421386213/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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