A aplicação da Teoria dos Jogos no Direito Processual Penal - Por Mey-Lin Fonseca e Silva e Tâmisson Santos Reis

29/12/2015

Coluna Espaço do Estudante

RESUMO

Trata-se de um estudo, que busca demonstrar a aplicação da Teoria dos Jogos no Direito Processual Penal, sua análise histórica, suas definições e aplicações em outros ramos do conhecimento referente a essa Teoria. A Teoria dos Jogos surgiu com o intuito de prever e estudar iterações do mercado de capitais. A busca pela celeridade e economia processual possibilitou aos cientistas econômicos iniciar, de forma superficial, sua aplicação no Direito. Com a criação da Análise Econômica do Direito, estudo doutrinário com interesse de decodificar a linguagem jurídica em linguagem lógico-matemática, teve início a possibilidade de ampliação da aplicação da Teoria em outras áreas do direito, como no Direito Processual Penal.

Palavras-chave: Teoria dos Jogos. Processo Penal. Matemática Aplicada. Democracia.

  1. INTRODUÇÃO

A Teoria dos Jogos é uma teoria matemática criada para modelar fenômenos que podem ser observados quando dois ou mais “agentes de decisão” interagem entre si. Ela fornece a linguagem para a descrição de processos de decisões conscientes e objetivos envolvendo mais do que um indivíduo.

É saber comum que o mero conhecimento das regras de quaisquer jogos, não torna alguém um exímio jogador, bem como o conhecimento das normativas, processuais, per si, não forma um grande processualista.

Assim como o jogador pode estudar partidas/jogadas através de simulação com o estudo da Teoria dos Jogos, o Direito Penal pode ser também estudado/simulado como um jogo.

O Direito frequentemente é confrontado por situações em que há poucos tomadores de decisões e em que a “melhor ação” a ser executada por determinada pessoa depende do que uma outra pessoa escolher.

Dessa forma, o objetivo da nossa análise é mostrar a possibilidade da análise de um jogo jurídico, bem como suas relações/jogadas e seus sujeitos/jogadores. Análise esta, que tentará mostrar a melhor interpretação dos fatos jurídicos a cada nova jogada e a interação desses sujeitos dentro deste contexto.

  1. HISTÓRIA

A Filosofia, desde o momento em que podemos datá-la, busca compreender, entre outras coisas, o mundo através de reflexões acerca de todas as questões que se mostram suficientemente complexas. Histórica é a busca da filosofia sobre a verdade natural e sobre a psique humana, através de tentativas de explicar com base em premissas válidas o funcionamento da realidade.

Tendo isso em vista a Matemática, a mais velha e rigorosa das filhas da Filosofia, busca, através de ferramentas sólidas e lógicas, descrever as possíveis interações naturais, homem-natureza e inter-humanos.

Um dos maiores anseios da humanidade é encontrar a ordem em meio ao caos e, por isso, não se para de buscar padrões na natureza. Por este motivo matemáticos e os filósofos da matemática, segundo Bortolossi (2004, p. 01), voltaram seu interesse à análise da lógica presente no sucesso e fracasso das grandes transações econômicas a partir da década de 30, por meio de diversas produções acadêmicas, para criar, estruturar e validar uma Teoria Econômica dos Jogos, cujo interesse predominante era maximizar o ganho em transações financeiras e explicar o funcionamento de jogos. Conforme salienta Almeida (2010) o estudo dos jogos, a partir de uma concepção matemática, remonta pelo menos ao século XVII, com os trabalhos inicias sobre probabilidade realizados por Blaise Pascal e Pierre de Fermat.

Como apresenta Carvalho (2007, p. 214) a teoria dos Jogos ganhou amplitude suficiente com a publicação da obra “The Theory of Games and Economic Behavior”, em 1994. Nela, John Forbes Nash Júnior[1] provou, matematicamente, que um jogo de estratégias mistas e não cooperativo possui um estado de equilíbrio, mesmo quando o lucro de um dos jogadores não depende do prejuízo do outro.

Com base nessas premissas, os cientistas políticos desenvolveram um método de mensuração das ações-reações em ambientes críticos e perceberam que, ao mesmo tempo que conseguia prever estratégias financeiras, mecanismos naturais poderiam ser explicados por tal teoria. Desta forma, ela ganha aplicação nas mais diversas áreas científicas, como seu uso para explicar o equilíbrio entre os sexos em uma espécie[2], ou até o uso para o desenvolvimento de inteligência artificial.

3 COMPONENTES ESSENCIAIS DE UM JOGO

Para se compreender as aplicações da teoria dos jogos se faz necessário explanar alguns conceitos fundamentais. A teoria dos jogos, nas palavras de Bortolossi (2004):

[..] pode ser definida como a teoria dos modelos matemáticos que estuda a escolha de decisões ótimas sob condições de conflito. O elemento básico em um jogo é o conjunto de jogadores que dele participam. Cada jogador tem um conjunto de estratégias. Quando cada jogador escolhe sua estratégia, temos então uma situação ou perfil no espaço de todas as situações (perfis) possíveis. Cada jogador tem interesse ou preferências para cada situação no jogo. Em termos matemáticos, cada jogador tem uma função utilidade que atribui um número real (o ganho ou pay off do jogador) a cada situação do jogo (BORTOLOSSI, 2004, p. 06).

 Dessa forma, a teoria diz respeito às interações estratégicas entre jogadores, assumindo sempre que as ações dos jogadores serão realizadas após analise lógica e sistemática dos lucros e prejuízos. Além disso, torna-se clara a necessidade de um regulamento que defina o que é ou não possível em cada jogo, e que também permita prever, mesmo de forma breve e imediata, os efeitos da estratégia escolhida.

3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS

 Ao se estudar a natureza dos jogos estratégicos, se faz necessário analisar diversas características fundamentais para as classificações e possíveis análises de cada jogo. Serão utilizadas as classificações conforme apresentadas por Carvalho (2007, p. 221-223), que faz a distinção dos jogos quanto à:

  • Cooperatividade: é a capacidade de negociação entre as partes de um jogo. A cooperatividade pode existir como uma ferramenta para redução de danos e otimização de lucros ou como forma de atrapalhar um rival comum. Exemplo de jogo não cooperativo é o jogo de xadrez, onde um acordo não gera lucro nenhum aos jogadores, já jogos como oBanco Imobiliário” resultam em um jogo cuja cooperação pode ser uma ótima estratégia. De forma geral os jogos são ou cooperativos ou não cooperativos.
  • Limitação de Recursos: os recursos presentes, o objeto de prejuízo ou lucro, são fatores importantes para o estudo de um jogo. Para distinguirmos os jogos, os classificamos entre os de soma zero, cujos recursos são limitados e o lucro de um implica no prejuízo de outro, e os de soma não zero, onde é possível lucros ou prejuízos sem um contraponto da parte rival.
  • Limitação por Turnos: quantas jogadas são necessárias para que o jogo termine, ou se o jogo efetivamente termina, são aspectos importantes na ciência dos jogos, que podem ser estáticos ou dinâmicos. Um exemplo de jogo estático é o jogo de par-ou-ímpar, onde se faz necessária apenas uma jogada para que se decida o vencedor. Podemos definir como um jogo dinâmico aquele cujo número de interações entre os participantes seja variável.
  • Ordem das Interações: é necessário diferenciar os jogos em simultâneos e sequenciais, para que seja possível conceber a estratégia do adversário. Os jogos simultâneos são aqueles em que os jogadores revelam suas jogadas ao mesmo momento, como em um jogo de stop (adedanha). Já os jogos sequenciais são aqueles que, conforme o nome expresso, os jogadores se alternam para as jogadas como, por exemplo, o jogo de “truco”.
  • Informação quanto ao Jogo: existem jogos que oferecem todas as informações necessárias para se prever os resultados, como o cara-ou-coroa. Há outros jogos que são influenciados por fatores externos, capazes de alterar seus resultados, como a possibilidade de blefe no pôquer. À primeira classe de jogos é designada jogos de informação completa e, à segunda classe, jogos de informação incompleta.
  • Previsibilidade do Jogo: se o jogo oferece uma sequência de passos que permite a compreensão de seu andamento desde o início, dizemos que tal jogo é de informação perfeita, como o xadrez, que possui a grafia da jogada e das regras bem definidas. Se esta estrutura não existe, ou seja, se não é possível prever o histórico do jogo, dizemos que temos informações imperfeitas.

Com base nos fatores apresentados, é possível classificar os jogos com o objetivo de otimizar o seu estudo. Dessa forma, pode-se classificar um jogo de xadrez como: Não Cooperativo, de soma zero, dinâmico, sequencial, de informação completa e perfeita.

A compreensão acerca de tal classificação nos possibilita fazer adiante a análise do processo penal enquanto um jogo.

4 O JOGO JURÍDICO

O Brasil possui uma baixíssima constitucionalidade e a cultura democrática no campo do direito no país é quase ausente. Ainda trazemos na seara penal fortes resquícios entre o sistema acusatório versus inquisitório, fomento da "cultura do medo" difundida por um modelo coletivo mal elaborado de Segurança Pública, além da prevalência de teorias totalitárias como "Direito Penal do Inimigo" embasadas pelo discurso de Lei e Ordem.

A Constituição da República revela a imensa falha de interpretação, do uso da hermenêutica, na leitura do Direito e Processo Penal e que ambas matérias necessitam de um realinhamento democrático. O código de processo penal data de 1941 e a Constituição da República foi promulgada em 1988 acolhendo os Direitos Humanos e gerando eficácia no controle social, tornando desarmônica a convivência entre o CPP e a Constituição. O realinhamento, ou seja, a adequação do papel do Direito e Processo Penal faz-se urgente diante do atual cenário político criminal. O ponto de partida, a perspectiva a se tomar para esse realinhamento ou releitura Constitucional do Direito e Processo Penal devem surgir sob o solo da possível realização do Estado Democrático de Direito.

Hoje, não faz sentido em falarmos de sistema acusatório ou inquisitório. Esses conceitos estão superados, pois não há como pensar em sistemas penais mistos, dentro de um Estado Democrático de Direito. Assim, teremos um único Sistema, a saber, o sistema constitucional, que se processará por meio do devido processo legal substancial, disposto na Constituição da República de 1988:

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Como já fora mencionado, a CR/88 deixou uma imensa lacuna hermenêutica, quando não diz o que seja o devido processo legal dentro de um Estado Democrático de Direito e como esse se desenrola. Basta analisar e perceber que muitos julgados divergem entre si na interpretação de direito e processo penal. Esse desajuste hermenêutico também é percebido dentro das Comarcas e Varas Criminais, assim como nas salas de graduação de Direito. A sensação é que em cada um desses lugares é ensinado um regramento de direito e processo penal diferente do codificado, pois a regra passa a dizer o que a interpretação do emissor comanda. E nem todos os emissores que interpretam a regra, a codificação, fala uma linguagem democrática, o que transforma o sistema normativo vigente em um verdadeiro caos, revelando uma pluralidade de discursos, onde cada emissor captura aquilo que lhe é mais conveniente.

A resistência quanto à esquematização e transformação lógica do direito é algo recorrente. Existe um entendimento do trabalho matemático como um campo onde as respostas são binárias, e seus resultados dependem somente da análise positivista dos casos. O desconhecimento do campo da Estatística e da Economia, ou até o preconceito contra este ramo, faz com que juristas ignorem o quão avançado se encontra o estudo do incerto, da variável.

Para subjugar o problema da multiplicidade das doutrinas e entendimentos, de acordo com o espaço e o tempo, dentro do território nacional se faz necessário focar em características lógicas do direito e, através desta fundamentação lógica, estabelecer um sistema passível de atualização e ao mesmo tempo limitador das excentricidades.

Desta forma, mesmo sabendo dos problemas inerentes ao direito, se sustentará que o Processo penal tem a estrutura de um jogo com três participantes, cada um lutando pelos seus interesses, que atravessa um conjunto fixo de regras e que todas as ações são limitadas superiormente ou inferiormente, sempre buscando a garantia do direito do réu.

Nesse jogo processual há sempre uma situação estável. Ele sempre dependerá das jogadas com ou sem parceria e das jogadas dos adversários. A cada nova jogada, a dinâmica vai se estruturando (exemplo: quais são as expectativas de uma delação premiada, leniência, o que posso esperar da testemunha, em que ela pode contribuir, quais os ganhos e perdas se terá em cada jogada estabelecida). Não há previsão de jogo ganho até o fim da partida. As vantagens do jogo podem ser adquiridas, por exemplo, pelo estudo da Teoria das Nulidades. (Teoria que não abordaremos neste artigo).

As regras nem sempre são claras, porém, faz-se necessário um novo mecanismo e/ou instrumento para entendermos realmente o compartilhamento das regras do jogo. Seria essencial, que houvesse a consolidação das normas, para que assim, e não de outra forma, pudéssemos articular um jogo coletivo e, acima de tudo, democrático. Contudo, esse anseio é utópico, além de a norma não garantir o sentido. Por isso, a importância de se mensurar a variável do caos nos fóruns, como interferência negativa nas jogadas.

É relevante notar que o Processo Penal, assim os demais jogos, está limitado pelo ambiente e diversos fatores que alteram as possibilidades dos resultados. Por esta razão existe uma forma de se preparar para jogar por duas frontes. A primeira é aquela adstrita à regra, onde se segue o regulamento e se espera que a paixão das partes apenas se manifeste dentro dos limites impostos pelas mesmas.

A segunda é aquela onde se utiliza fatores externos, como estratégias, trapaças, ou uso da própria psicologia ou psique humana, além da promoção de situações que levante ânimos e paixões relacionadas ao interesse do jogador. O processo como jogo e também inspirado pelas estratégias de guerra se vale de pretensões baseadas na realidade, como aponta Morais Rosa (2013, p. 68).

O processo penal é o uso do confronto em contraditório para garantia da Democracia. É o palco onde acontece a guerra de informações, estratégias e táticas com o fim de vencer o jogo processual. [...] daí a formação de padrões táticos que podem não funcionar pela ausência de cuidado com as informações preliminares e as possibilidades probatórias. É o meio pelo qual o Estado sustenta o monopólio da força e justifica a aplicação de pena. Significa a estratégia para se evitar os combates reais, substituídos pela metáfora de guerra: jogo processual, no qual as táticas de cada batalha (subjogos) se apresentam.

Esta segunda fronte se chamará, por hora, de Teoria da Guerra e, pelo objetivo proposto, não será analisado de forma completa, de forma que este texto apresentará apenas resultados concentrados nos resultados da Teoria dos Jogos.

4.1 ENTENDENDO O PROCESSO PENAL COMO UM JOGO

O Direito pode ser imaginado como um jogo tão complexo, com tantas variáveis, que, a longo prazo, se mostra indistinguível de loteria, onde deduzir resultados exatos se mostra impossível. No processo penal a pluralidade normativa torna o jogo ainda mais complexo pois, para que se possa ter êxito, é preciso conhecer os demais jogadores da partida. Saber quais as regras, e talvez quais paixões, irão aplicar ou desconsiderar.

O Processo Jurídico exige que estejam presentes nos autos todas as provas necessárias para a comprovação dos fatos, representada pelo jargão “o que não está nos autos não está no mundo”; o que faz do direito um jogo de informações perfeitas, pois todas os fatos novos devem ser disponibilizados para ambas as partes. Mesmo com informação perfeita se nota que o resultado está condicionado ao confrontamento de duas (ou mais) partes interessadas e um julgador desinteressado, mas com vieses, opiniões e paixões que podem interferir, mesmo que de forma sutil, no resultado. Desta forma, o jogo se mostra incompleto. Nesse sentido:

Ao mesmo tempo em que a estrutura é universal [..], a singularidade do caso demanda, no campo penal, a especialidade: cada decisão é uma decisão, não se podendo julgar em “bloco” no crime. As normas processuais [...] acabam ganhando sentidos muitas vezes impensados ou mesmo condicionados a fatores externos. (ROSA, 2013, p. 46/48)

Quando se fala em jogo, é necessário que as regras do mesmo já estejam previamente compartilhadas. Por exemplo, qualquer brasileiro que saia do Brasil sem saber falar outro idioma pode ir para qualquer lugar no mundo, sentar-se diante de um estrangeiro e jogar xadrez sem sequer dizer uma palavra no idioma do adversário, pois as regras do xadrez são universalmente compartilhadas. Ambos sabem que o Cavalo anda em L, o Bispo nas diagonais, os Peões uma casa, e assim por diante. Mas apenas conhecer o regulamento de um jogo não torna ninguém exímio jogador.

Através desse compartilhamento de regras um jogo pode correr normalmente, evitando-se assim trapaças e, possíveis desvios e consequentemente, manipulação dos resultados. Tal estruturação de ordem das jogadas individuais, bem como os fatos já narrados supra, força este a assumir uma modalidade sequencial, que permite à outra parte o estudo dos fatos jurídicos apresentados.

É dentro desse conceito de regras minimamente compartilhadas que a Teoria dos Jogos apresenta nova dinâmica de compreensão do processo penal. É possível dizer que a estrutura regulamentar do direito é compartilhada, mesmo com as interpretações diversas, pois qualquer ofensa direta à algum preceito previsto na lei processual pode ser discutido futuramente em grau de recurso.

Ocorre também que a quantidade de recursos impetrados é limitada, mas o tempo de duração de um processo é incerto. Assim, o processo tem uma duração dinâmica e variável e o tempo de cada rodada depende de diversos fatores a serem analisados, como os prazos legais e os prazos entre uma citação e outra, além de possíveis acordos ou benefícios acordados. Nesse sentido:

Estratégia não é apenas o nível operacional do jogo processual. É mais. Cada ato do jogo processual existe no contexto de um processo singular no qual existem diversas táticas (meios de produzir provas, selecionar perguntas, temas, etc.). A sucessão de êxitos pode terminar na próxima batalha (subjogo), dado que a cada momento a partida pode se reequilibrar. Há movimento no jogo processual e a batalha não está ganha até o final: dinamicidade. Assim é que as táticas (o que os jogadores fazem no decorrer da partida) e a estratégia (o uso dos resultados no objetivo do jogo) fornecem dupla articulação, comunicando-se a todo o tempo. (ROSA, 2013, p. 46/48)

No caso do processo Penal pode ser utilizado para fundamentar tanto a estratégia processual como tática específica. Segundo Alexandre Morais da Rosa (2013, p. 31) “Aceitar ou não a suspensão condicional do processo, transação penal, enfim, cotejar as informações e propiciar a tomada de decisões de maneira a mais informada possível”. Se torna perceptível que com a tomada destas decisões o Jogo Processual permite que as partes façam acordos e alianças, mesmo que de forma restrita e em fases predeterminadas, o caracterizando como um jogo cooperativo.

Em outras palavras, os jogadores numa dinâmica processual precisam ter o mínimo de domínio teórico. Não há como ir para uma partida sem estudá-la, já que podem se perder muitas variáveis, pois os discursos são múltiplos, por exemplo, no plano normativo é difícil estabelecer um diálogo com os Tribunais Superiores. Assim, enquanto determinadas turmas julgam conforme um entendimento mais democrático, mais constitucional sobre o caso concreto, outras, por seu turno, julgam de forma mais engessada, numa linguagem diferente da democrática. Não é uma questão de sorte ou azar, ou até mesmo de corrupção. É uma questão de interpretação das regras.

Em resumo, o jogo é equilibrado na justa medida em que seu resultado não é predeterminável. Nessa linha, em um jogo processual penal, quando dizemos que há vitórias, de certa forma estamos falando sobre “desequilíbrio”, pois o que se busca ao final de um processo, é a justiça. A justiça aplicada “em sua melhor luz”, ou seja, uma justiça que traga o equilíbrio para todos os envolvidos na dinâmica processual. No jogo processual penal não se espera nenhum tipo de lucro e a condenação não visa compensar uma das partes na exata medida do dano, até porque muitas vezes o dano causado pelo autor não é mensurável. Desta forma as regras do jogo buscam, pelo menos em teoria, a reabilitação social do indivíduo bem como o desestímulo para a prática delituosa, o que caracteriza este jogo como um de soma não zero.

Podemos então dizer que quanto maior o desequilíbrio, maior a certeza. Quanto maior o equilíbrio, maior a incerteza. Nas palavras de L. A. Becker (BECKER, apud MORAIS ROSA, 2013, p. 21):

Assim como na guerra e no jogo, no processo cada um busca egoisticamente a vitória (desequilíbrio), não a “justiça” (equilíbrio). Por incrível que pareça, a falta de predeterminação (i.e., a “incerteza”) faz parte do equilíbrio. A Teoria dos Jogos diz que esse comportamento egoístico produz um resultado pior para o conjunto de jogadores.

Desta forma, temos como o processo penal pode ser visto tanto socialmente quanto delimitamos suas características básicas sob o ângulo da teoria dos jogos, sendo ele um jogo cooperativo, de soma não zero, dinâmico, sequencial, incompleto e de informações perfeitas.

4.2 OS JOGADORES

Conforme explicitado, o jogo jurídico é composto de três entidades, aqui chamadas de jogadores, cada qual representando um intuito diverso dentro do jogo e todas as partes estão, ao menos teoricamente, em litígio. Importante notar que o vínculo existente entre o jogador e o interesse que defende pode ser objetivo ou subjetivo. Os jogadores são a acusação, defesa e o julgador.

A acusação, representada principalmente pelo Ministério Público, é o jogador cujo interesse é garantir a punição justa da outra parte, dentro dos limites legais. Pode ser também representada pelo vínculo da vítima, ou de sua família, com advogado constituído que, por sua vez, pode ser a acusação ou assistente da acusação.

A defesa, representada pelo vínculo entre o Réu e seu Defensor Constituído ou Público, é o jogador cujo interesse é conseguir a aplicação da menor pena possível ou, ainda mais incisivamente, a absolvição.

O julgador, representado pelos Juízes, Desembargadores, Ministros e Tribunal do Júri, é aquele jogador que é incumbido de decidir o resultado final do jogo sob análise das provas e dos argumentos disponíveis durante o Processo. Para simplificar o processo, foi estabelecido um sistema padrão de cálculo para a dosimetria da pena que, mesmo não sendo obrigatório, define um limite superior, pois em casos contrários o recurso adequará o quantum aplicado ao resultado obtido por esta dosimetria.

 4.3. AS ESTRATÉGIAS

Cada um dos jogadores seguirá todas as regras jurídicas dispostas na legislação, sob pena de nulidade do ato, e cada um deles optará por uma estratégia que assegure seu posicionamento, durante todo o processo. Por essa razão, se mostra mais eficaz trabalhar os conceitos dos posicionamentos quanto à ação penal, sendo possível simplificar as estratégias utilizadas no jogo em duas estratégias filosóficas/doutrinárias.

A primeira estratégia pode ser nomeada estratégia Técnica, Restrita ou Objetiva, e é oriunda das doutrinas e jurisprudências que sistematizam e fornecem uma receita precisa sobre o trato de algumas situações legais. Dessa forma, os jogadores que seguem tal estratégia no jogo Processual fornecem resultados previsíveis. São estes jogadores também que abrem mão de pedidos por se mostrarem impossíveis ou que percebem que nenhuma vantagem existe na manutenção de todos os pedidos anteriores. São, dentre os jogadores, os mais previsíveis, já que cedem a uma posição doutrinária que explicita como deverá agir em cada ato subjetivo.

A segunda pode ser nomeada estratégia Relativista, Emocional ou Subjetiva e é oriunda de doutrinas e jurisprudências que mantêm o subjetivismo, deixando a cargo do jogador entender a sua amplitude, ou de doutrinas novas, mas minoritária, que poderiam auxiliar na defesa de seu argumento. Os jogadores também podem estar vinculados a algum tipo de embaraço emocional em relação ao jogo, fazendo com que o jogador que utiliza desta estratégia seja imprevisível, pois seu posicionamento em relação a uma conduta o levará a jogar de modo caótico, podendo auxiliar ou atrapalhar os demais jogadores.

É relevante salientar que a alteração de estratégias pelos jogadores, ou até algum nível de mesclagem é possível, não persistindo nenhum problema estrutural em relação à mudança de estratégia.

5 APLICAÇÃO DA TEORIA DOS JOGOS

Mediante toda a apresentação prévia, torna-se necessário buscar um método valorativo onde uma lógica simples possa ser utilizada como fundamento para elaboração de um processo penal único. Aplicar a teoria dos jogos dentro deste ramo do direito é garantir ao legislador a capacidade de prever resultados hipotéticos acerca de seus novos textos. Por insuficiência de dados estatísticos, este texto tentará se focar em apresentar o exemplo padrão, o dilema dos prisioneiros, bem como apresentar um exemplo de autoria dos autores, ambos estes de caráter pedagógico - permitindo aos autores flertar com o real processo penal mas ignorar aspectos básicos para melhor explanação dos interesses.

 5.1 O DILEMA DO PRISIONEIRO

O Dilema do Prisioneiro, um caso emblemático utilizado para oferecer um parâmetro de uma análise dos possíveis resultados da teoria dos jogos é, possivelmente, o exemplo mais conhecido desta teoria. Tal dilema “foi formulado por Albert W. Tucker em 1950, em um seminário para psicólogos na Universidade de Stanford, com o objetivo de ilustrar a dificuldade de se analisar certos tipos de jogos” (BORTOLOSSI, 2007, p. 06). Consiste na análise de um problema fictício que, por critérios educativos, não segue exatamente a legislação nacional. Baseado em Carvalho (2007), podemos introduzir o problema da seguinte forma:

São presos pela polícia dois indiciados, Antônio e Bernardo, sob a acusação de um crime de pequeno grau punitivo. Ocorre que ambos os indiciados são famosos pela suposta autoria de diversos crimes com pretensão punitiva maior. Sob tal enlace, o Delegado de Polícia, para tentar tornar estas capturas mais efetivas, isola os réus cada um em uma sala, sem oportunidade de comunicação entre eles, e oferece a cada um deles condições de possível aplicação da delação premiada como ferramenta de redução da punibilidade da ação anterior, desde que confessassem. Apresenta também as seguintes condições: se ambos os réus confessarem cada um ficará preso por um período de quatro anos, se nenhum deles confessar ambos cumprirão apenas dois anos de prisão e, quando da confissão de apenas um deles, o que não confessou pegaria sete anos e o que confessou pegaria apenas três anos. Ambos ficam sabendo que a mesma condição foi apresentada ao outro réu. Diante destas questões quais seriam as melhores escolhas para os indiciados?

A análise deste fato pode ser escrita como uma tabela onde as partes, Antônio (A) e Bernardo (B), podem tomar, cada um, duas estratégias, confessar (c) ou não confessar (n). As escolhas são apresentadas na forma Ac, Antônio confessou, e o resultado é apresentado por um par de resultados (x,y) onde x é o resultado para as ações de B e y para as de A. A tabela abaixo representa o Dilema do Prisioneiro:

  Ac An
Bc (-4,-4) (-3,-7)
Bn (-7,-3) (-2,-2)

Efetuando a análise lógica de cada escolha Antônio deverá proceder com o seguinte raciocínio (é simples estender o argumento para Bernardo):

  • Quando Antônio confessar podem ocorrer duas coisas.
    • Bernardo confessa e a punição de Antônio é de quatro anos.
    • Bernardo nega, a punição de Antônio é de três anos.
  • Caso Antônio opte pela negação
    • Bernardo confessa e Antônio pega sete anos.
    • Bernardo nega e Antônio pega dois anos.

Ao ser confrontado com as opções, é possível ver que a escolha de confessar dá, somando, uma pena de sete anos, enquanto a escolha de não confessar resultará num dano de nove. A escolha que garantirá o menor dano será a de confessar. Quando o indiciado descobre tal fato, ele pode vir a supor que o outro réu também chegou ao mesmo raciocínio e passa a estudar as opções. E como o outro confessará com uma certeza quase absoluta (já que ambos pensaram a mesma coisa), o indiciado será forçado a também confessar, pois negar provocaria um aumento de quatro anos na sua condenação.

Existem variantes do Dilema dos Prisioneiros onde se adicionam mais rodadas ao jogo com o intuito de demonstrar que entre os indiciados, com o tempo, haverá colaboração e ambos passariam a não confessar.

Análises como esta permitem o estudo de cada uma das possibilidades em multinível, ou seja, torna possível efetuar uma previsão do posicionamento das partes e que as partes apresentem contra-argumentos antes mesmo destes terem sido propostos.

5.2 CASO HIPOTÉTICO: BALANCEAMENTO DOS POSICIONAMENTOS JURISDICIONAIS

O caso a seguir é um construto hipotético que tenta, de forma simples, analisar uma contenda criminal com mais de uma fase, de autoria dos autores deste. A versão aqui apresentada terá ocultada, no máximo possível, a matemática envolvida e será transcrita de forma mais simples por caráter pedagógico. Ainda assim, possivelmente, o entendimento do método exigirá algum esforço por parte do leitor. Para não deixar de seguir a perícia que uma publicação científica deve possuir, as explicações matemáticas e as ideias mais complexas que norteiam este exemplo acompanham este artigo em anexo.

CONCLUSÃO

Ao longo do trabalho, foi apresentada a origem histórica da Teoria dos Jogos, bem como se definiu o que pode ser entendido por jogo. Foram apresentadas as características gerais que assemelham e diferem as diversas modalidades de jogos e estabelecido, com isto, um parâmetro geral para analisar um Jogo Processual. Em seguida, foram apresentados os problemas do direito e as características que não permitem à tal ciência uma previsão fazendo com que, para os não versados em direito, os resultados aparentes dos litígios criminais se assemelhassem a jogos de loteria. Por fim, foram apresentados dois exemplos, sendo um simples e outro relativamente complexo, assumidamente divergentes da realidade jurídica no que tange à complexidade de tradução à uma linguagem lógica, sem a existência de um corpo de estatísticas disponível em domínio público.

Este texto teve como intuito apresentar a história e a perspectiva da Teoria dos Jogos como forma de reduzir o preconceito da área jurídica com a abordagem estatística. Além disso, foi dedicado um capítulo para a crítica do modelo atual em voga de Jogo Jurídico. O intuito dos autores foi conceber uma estrutura para que o estudo e a análise da efetividade de uma lei processual possam existir, bem como auxiliar a fundar uma ciência jurídica mais simples (não pelo conteúdo matemático, mas por suas aplicações).

Dentro desse contexto, argumentou-se que a teoria dos jogos pode ser plenamente aplicada ao ordenamento jurídico brasileiro desde que obtenha dados estatísticos suficientes, visto que o próprio Processo judicial pode ser descrito com as ferramentas necessárias para descrever um jogo.

 


Notas e Referências:  [1]          John Forbes Nash possui como honrarias um filme biográfico intitulado “Uma Mente Brilhante” e foi homenageado nomeando a maior revista de economia do mundo, a “Forbes” [2]              Maynard Smith, John. "The ecology of sex." Behavioural ecology: an evolutionary approach (1978). ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de. A teoria dos jogos: uma fundamentação teórica dos métodos de resolução de disputa. Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-vol2>. Acesso em: 24 de outubro de 2014. ALVES, Ana Cláudia Aparecida; COSTA, Daniel Padial, et al. Sistemas: Common Law E Civil Law. Trabalho apresentado ao Curso de Ciências Sociais e Jurídicas, do Centro Universitário FIEO – UNIFIEO. 2011 Disponível em: < http://agorajuridicaunifieo.blogspot.com.br/2011/05/sistemascommon-law-e-civil-law.html>. Acesso em 25 de agosto de 2014. ALVES, Marco Antônio Sousa. A nova retórica de Chaïm Perelman: considerações sobre a racionalidade, a tensão decisionismo/legalismo, e o Estado Democrático de Direito. Trabalho apresentado no Seminário Teoria da Argumentação e Nova Retórica, PUC-MG, Belo Horizonte, 2009. Disponível em: <http://ufmg.academia.edu/MarcoAntonioSousaAlves/Papers/898214/A_nova_retorica_de_Chaim_Perelman_Consideracoes_sobre_a_racionalidade_a_tensao_decisionismo_legalismo_e_o_Estado_Democratico_de_Direito>. Acesso em: 29/10/14. AZEVEDO, André Gomma. Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD). 2013. BORTOLOSSI, H; GARBUGIO, Gilmar; SARTINI, Brígida Alexandre. Uma introdução a Teoria dos Jogos. Notas de Minicurso SEMAP/UFF online, 2005. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em: < http:// http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm > Acesso em: 17 jan. 2015. CARVALHO, José Augusto Moreira de. Introdução à teoria dos jogos no Direito. Revista de direito constitucional e internacional, São Paulo, 2007. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. Tradução: Luís Marcos Sander, Francisco Araújo da Costa. 5.ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. DENTI, Vittorio. Scientificità della prova e libera valutazione del giudice. In: Rivista di diritto processuale, 1972, n. 3, p. 432. GORDILHO, Heron Santana. Justiça Penal Consensual e as Garantias Constitucionais no Sistema Criminal do Brasil e dos EUA. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo - SP, 04 a 07 de novembro de 2009. Disponível em: <www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao.../2187.pdf>. Acesso em: 15 de agosto de 2010. KREBS, John R.; DAVIES, Nicholas B. (Ed.). Behavioural ecology: an evolutionary approach. John Wiley & Sons, 2009. MIRABETE. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2000. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Devido Processo (Penal) Substancial: 25 Anos Depois Da CF/88. Revista Brasileira de Direito, 2014. Disponível em: < http://www.seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/download/506/390>. Acesso em: 24 de outubro de 2014. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. PERELMAN, Chaïm. Evidência e prova. In: Retóricas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 153-16.


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Mey-Lin Fonseca e Silva é graduanda do 8º Período do Curso de Direito do Instituto Ensinar Brasil. Integrante do Programa Interdisciplinar de Capacitação Discente PICD. E-mail meyfonseca@gmail.com.

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Tâmisson Santos Reis é graduando do 8º Período do Curso de Direito do Instituto Ensinar Brasil. Integrante do Programa Interdisciplinar de Capacitação Discente PICD. E-mail tamisson.reis@gmail.com.

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O texto é de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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