A ADMINISTRAÇÃO DAS SOCIEDADES EM GRUPO — O ABUSO DO PODER DE CONTROLE, AS CONSEQUÊNCIAS E AS FORMAS DE COIBIR — A PARTIR DE UMA CONFIGURAÇÃO SOCIETÁRIA DE ORDEM PRÁTICA

07/05/2020

O presente texto tem por foco traçar um paralelo entre os deveres do administrador, o exercício do poder de controle, o abuso deste poder, as consequências para a administração e as   formas de coibir ações lesivas, no âmbito das companhias fechadas.

Para deixar o conteúdo mais dinâmico e alinhado com questões práticas de elevada indagação, elege-se como premissa a existência de um grupo de sociedades, com a seguinte configuração: a) uma holding pura (controladora), que pode ser uma sociedade limitada ou uma sociedade anônima de capital fechado e b) sociedades controladas (subsidiárias integrais), sob o tipo de sociedades anônimas de capital fechado.

Para simplificar o que é complexo, eleva-se, igualmente, como pressuposto, que, nas companhias controladas, a administração é realizada pela diretoria, não havendo conselho de administração. Este tipo de organização empresarial que se move e organiza a partir da diretoria e da assembleia geral é muito comum na prática societária, razão do estabelecimento desta premissa para a análise do ponto focal sob um viés mais dinâmico e prático.

Sabe-se que o administrador (ou o conjunto de administradores) tem o dever de cuidado e diligência na gestão dos negócios da sociedade, como próprios lhes fossem, devendo-se pautar na lei, no contrato/estatuto e nos interesses da companhia. A administração de uma sociedade depende, obviamente, do tipo societário e de sua estrutura. Adicione-se, a estes deveres, as vedações impostas pelo artigo 245 da Lei 6.404/76 (LSA), que veda ao administrador favorecer sociedade coligada, controladora ou controlada, pois deve zelar pela sadia relação entre as sociedades participantes do grupo ou da coligação.

A LSA (art. 138, § 1º e § 2º), por exemplo, define que a administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria. O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada, sendo a representação da companhia privativa dos diretores. As companhias abertas e as de capital autorizado terão, obrigatoriamente, conselho de administração.

Para o alcance do objetivo pautado neste texto, a figura do administrador será tratada no singular, pois a abordagem abrangerá a figura dele na pessoa do sócio/acionista exercente do poder de controle, isto porque é muito comum, na prática societária, que o sócio/acionista que detenha o poder de controle seja o administrador na entidade controladora e componha também a diretoria nas controladas, orientando os rumos sociais.  

Ainda sobre o administrador, adicione-se o entendimento de Mamede, segundo o qual o “administrador tem o dever jurídico de dar a conhecer, de forma fiel e imparcial, o real desempenho de sua gestão, bem como os resultados verdadeiros e a real situação econômico-financeira da empresa[i]. Tal concepção será importante para a análise do tema afeto ao abuso do poder de controle.

De igual forma, deverá o administrador agir com honestidade, lealdade e transparência, apoiando-se em sistemas de gerenciamento, monitoramento, governança e compliance, de modo a evitar o questionamento de seus atos e de impedir a sua atuação em eventos que suscitem dúvidas quanto à sua imparcialidade/isenção, especialmente quando envolto por conflitos de interesses (LSA, artigos 153, 154, 155, 156 e 157).

Por isso a implantação de um sistema de governança é fundamental e indispensável para gerenciar a estrutura organizacional alocada na premissa acima, não tendo espaço o velho discurso de dispensa de uma organização governada, com normas e regras bem claras, só porque a lei não exige, pois tal ausência, em um ou outro momento, repercutirá em danos gerenciais às empresas que compõem o grupo, aos sócios ou acionistas, principalmente se estes também exercem a administração, dando azo ao abuso de poder de controle e ao abuso da maioria estimulada.

Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa — IBGC, a Governança corporativa “é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”[ii].

Segundo o mesmo Instituto, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa leva em conta quatro princípios básicos, a saber: Transparência, Equidade, Prestação de Contas e Responsabilidade Corporativa.

Mas no que, objetivamente, a governança implicaria? Observe-se, a partir de apenas um exemplo, a real importância. Uma das maiores dificuldades vivenciadas nas companhias diz respeito ao processo de tomadas de contas da administração. Que tal a existência de um “manual para a participação em assembleia”? O IBGC tem um modelo elaborado para orientar o atendimento, pelas companhias abertas, da Instrução Normativa n. 481 da CVM, editada em 17.12.2009, todavia não deixa de recomendar, com muita ênfase, a aplicação desse manual nas companhias fechadas, sob o título “Caderno de Boas Práticas para Assembleia de Acionistas”, em cujo Anexo I consta o modelo do manual referido, facilmente adaptável para à realidade das empresas.

É o sistema de governança, por exemplo, que indicará como é formado o voto e a quem compete votar nas AGOs das sociedades controladas, destinadas ao processo de tomada de contas, além de prestar esclarecimentos sobre os impedimentos e as abstenções obrigatórias, seja para votar, seja para representar a controladora, seja para presidir o ato (a assembleia). Percebe-se, assim, a riqueza que um bom sistema de governança traz para as sociedades e que, quanto mais dialogado e democrático, mais eficiente e transparente. É certo que o caso-hipótese comporta exigências maiores, por se tratar de um grupo de sociedades, portanto o grupo como um todo é orientado pela controladora, podendo-se estabelecer (inclusive bem recomendável que se faça) uma convenção de grupo societário, nos termos do que define o artigo 269 da LSA, a ser levado em conta no momento da implantação dos sistemas referidos. Apenas para comentar, o fato de convencionar a organização do grupo não atrai a responsabilidade solidária ou subsidiária de uma em relação às outras, questão que merece uma ulterior abordagem. 

Até este momento foi importante contextualizar que o administrador (ou aquele que participe dos órgãos de administração) tem deveres (com ressalvas para os diretores com função puramente técnica, descolada dos atos de gestão propriamente ditos), sendo de substancial relevância apoiar-se em um sistema de governança e no programa de compliance, balizando ações e controlando as relações da companhia, seus dirigentes, empregados e prepostos com terceiros e com o poder público, de modo a primar pelo comportamento ético.

Consolidada a primeira parte, pertinente aos deveres do administrador e a importância da implantação de sistemas de governança para conduzir os negócios das empresas do grupo em conformidade com as boas práticas, caberá agora adentrar a segunda parte desta relação, no que tange ao poder de controle, para, depois, avaliar o abuso do referido poder, as consequências e as formas de contenção de tais abusos, principalmente quando expressados ou repercutidos em prejuízo das sociedades ou dos acionistas/sócios minoritários.

Exercer a administração de uma sociedade ou de um grupo de sociedades exige muita atenção e todos os atributos inicialmente relatados, pois a visão do administrador ou dos administradores deve ter estreita relação com os interesses sociais e com as orientações éticas derivadas do poder de controle. Os interesses sociais somente estarão sendo visados se, de um lado, os atos de gestão, as decisões e as políticas forem compatíveis com o objeto social e, por outro, o comportamento dos dirigentes for colaborativo para o justo equilíbrio das forças entre acionistas majoritários e minoritários.

A caracterização do poder de controle é tema candente em direito societário, comportando interpretações das mais variadas, sendo certo, mesmo que tecnicamente questionável, o entendimento de que exercerá o poder de controle aquele (pessoa natural ou jurídica) que detém o poder de fato de fazer maioria e controlar os sistemas de deliberações sociais, fazendo uso desta força e prerrogativa com efeitos concretos.

A LSA (6.404/76) explicita o poder de controle a partir da definição de acionista controlador, nos termos do artigo 116, assim sistematizado:

Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

No parágrafo único do mesmo dispositivo legal supracitado, o legislador ressalva quanto aos deveres adicionais do controlador, a saber: “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”.

Lucas Marsili da Cunha, ao comentar o dispositivo acima, esclarece que “a Lei Societária, portanto, caracteriza como acionista controlador aquele que cumprir o conjunto de requisitos anteriormente colacionados. Então, não basta possuir os requisitos referentes aos votos necessários para decidir as deliberações sociais e eleger a maioria dos administradores, é preciso que se imponha, por meio desses administradores eleitos, sua vontade para dirigir a companhia, orientando o funcionamento dos órgãos sociais”[iii].

A preocupação do legislador evidencia-se pelos dispositivos sequenciais ordenados da LSA, estando inserido no artigo 116 o conceito de acionista controlador e no artigo 117 os atos que caracterizam o exercício abusivo do respectivo poder.

Este é o momento para retornar à situação-hipótese, aqui aprimorada. Normalmente é na holding controladora que são adotadas as políticas para ancorar as principais decisões das sociedades controladas. Estabelecer uma forma de controle das companhias controladas (subsidiárias integrais – modelos da hipótese) é fundamental, principalmente no caso em que todas as atividades econômicas se desenvolvam nas companhias controladas. Este é o papel da holding de pura participação (centralizadora dos resultados), sem atividade econômica afeta a ela. Mecanismos especiais de participação devem ser deflagrados, pois, em que pese a autonomia conceitual de cada uma das sociedades controladas, é fato que esta (autonomia) está vinculada às questões de ordem operacional, de representação externa, dentre outras situações que não repercutam ou possam repercutir na esfera patrimonial dos sócios ou acionistas da controladora (holding).

Assim, no caso-hipótese em que as controladas são subsidiárias integrais, a única acionista direta delas será a controladora (pessoa jurídica), mas o processo de tomada de contas dos administradores das subsidiárias, por exemplo, deve passar por ato deliberativo prévio na holding controladora, sob pena de vício insanável, abrindo-se brecha, ao lado de outros contornos, para a caracterização do abuso de poder de controle, tema que será tratado um pouco mais adiante.

Trata-se do processo de formação do voto na controladora, por deliberação nela, definindo-se como ela, única acionista direta[iv] votará as contas das subsidiárias. Assim, neste processo (de tomada de contas e deliberação sobre os resultados), o caminho mais adequado e prudente é o seguinte: 1) A holding, por deliberação social de acordo com o contrato ou estatuto, define como ela votará as contas e os resultados do exercício findo das subsidiárias; 2) Definido o voto, a holding, única acionista direta, comparece nas AGOs das subsidiárias e, legalmente representada, manifesta o voto de acordo com a deliberação prévia ocorrida na holding, aprovando ou rejeitando as contas e os resultados do exercício; 3) Aprovadas as contas das subsidiárias, inicia-se o processo de tomada de contas da própria holding, em cujo balanço deverão estar conciliadas as contas das subsidiárias, pois a holding de controle é mera centralizadora de resultados. É bom ressalvar, desde logo, que, neste tipo de coligação societária, é indispensável prover a conciliação das demonstrações da entidade controladora (holding), trazendo os resultados das subsidiárias, pois, em que pese a lei exigir apenas das companhias abertas (LSA, artigo 249), trata-se de uma questão contábil de relevância, ou seja, de prática societária contábil (CPC 36 RE). Tal fato não deve ser ignorado pela administração, pois, do contrário, abre-se uma lacuna para a arguição de quebra do princípio da transparência e omissão quanto a fato relevante de interesse social.  

Obviamente e neste contexto, é natural e desejável que exista o poder de controle, faz parte de toda a medida de força empresarial, todavia tal poder deve ser exercido com isenção, não se admitindo conduta desviante dos preceitos legais e do conteúdo do estatuto, bem como com infringência aos princípios da boa-fé, da probidade e da função social da companhia[v]. Acrescenta Mamede: “o desrespeito a tais balizas caracteriza ato ilícito, podendo caracterizar crime, ato indisciplinar no âmbito do mercado de capitais, comportamento antissocial (podendo conduzir a exclusão da sociedade), bem como dever de indenizar os danos, econômicos ou morais decorrentes”.

Consolidada a segunda parte do texto com a explicitação sobre o poder de controle, segundo o cenário fático antes apresentado, voltado a uma estrutura societária complexa e de uso frequente, cabe partir para a terceira estrutura do texto, envolvendo a relação do que foi até então dito, com a caracterização do abuso do poder de controle.

Como configurar o abuso? Como evitar? E como orientar-se contra? Bem interessante foi o estudo feito por Lucas Cunha, sob o título “formas de coibir o abuso do poder de controle nas sociedades anônimas”, explicita que o legislador expressamente declara quem são os sujeitos passivos do respectivo abuso, indicando os acionistas minoritários, o acervo da companhia e a própria economia nacional. São, neles, portanto, sentidos os principais efeitos nocivos da conduta lesiva.

O artigo 117 da LSA expressamente declara a responsabilidade do administrador pelos danos decorrentes do abuso de poder. Confira-se o inteiro teor do referido dispositivo legal:

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§1º São modalidades de exercício abusivo de poder:

a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;

e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral;

f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;

g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.

h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. 

§2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.

§3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.

Na situação-hipótese está-se levando em consideração que o sócio/acionista controlador se confunde com a pessoa do administrador, nos termos do parágrafo 3º do dispositivo antes mencionado.

O rol apresentado pelo artigo 117 da LSA não é taxativo, pois outros atos de gravidade ali não inseridos, mas que não comunguem com os princípios da probidade, da boa-fé e desalinhados com os interesses sociais, podem, igualmente, caracterizar-se como abuso do poder de controle, atraindo, a partir daí, as consequências legais derivadas.

Todas as situações elencadas são verificáveis na prática societária, tanto é fato, que levou o legislador a destacá-las no corpo da legislação comentada. Todavia, para exemplificar, trazendo maior clareza, a abordagem ficará restrita, neste momento, às alíneas “c”, “e” e “g”.

É fato que a adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários caracteriza o abuso de poder de controle (alínea “c” retro). Neste caso, entende-se como acionista minoritário aquele que não participa do grupo de controle, formado pela maioria do capital. Segundo Ricardo Negrão, “acionista minoritário é o proprietário de ações com direito a voto, cujo total não lhe garante o controle da sociedade[vi]. Quando o grupo de controle é formado por capital pulverizado ou acionitas/sócios que detenham o mesmo número de cotas/ações, o exercício do controle dependerá da situação de fato exercida em cada sociedade ou grupo de sociedades, cujos atos de abuso são igualmente repreendidos, mas a partir de uma premissa secundária, porém com o mesmo efeito, diante da caracterização do abuso pela maioria.

Aplica-se, obviamente, a mesma análise, por extensão, aos prejuízos causados aos acionistas indiretos, quando o abuso ocorrer nas subsidiárias integrais (caso-hipótese acima), mas espraiar efeitos na empresa controladora ou seus sócios/acionistas, também chamados de acionistas indiretos das controladas. Por exemplo, quando parte do grupo de sócios ou acionistas da holding controladora que formam a maioria são eleitos para compor a diretoria das subsidiárias e, ali, fixam elevada remuneração para os membros, eles mesmos, acima da média de mercado, tal fato incorre automaticamente na redução dos resultados das controladas e, por extensão, da controladora, ferindo os interesses patrimoniais dos sócios ou acionistas que compõem a holding, pois é aqui que ocorre a partilha dos dividendos. Em uma análise mais superficial poder-se-ia pensar que o prejuízo, então, não é apenas para a minoria do capital que compõe a holding, mas para todos indistintamente. Por outro lado, em uma análise mais profunda, invariavelmente, depara-se com o fato de que os sócios que formam a maioria do capital na controladora recebem benefícios nas controladas, além de significativos pró-labores, com membros participantes da diretoria ou conselhos, em desvantagem daqueles que dependem dos resultados líquidos para recepcionar os dividendos.   

Também estarão incursos em atos de abuso do poder de controle os controladores, no caso da hipótese, também administradores, que, ao compor a diretoria pela força da maioria, concorrerem para a prática de atos ilegais e descumprirem os deveres elencados no início do texto, contra o interesse da companhia, induzindo ou combinando os resultados das ROs, AGOs e AGEs lesivos aos interesses sociais, ferindo os direitos da minoria, mesmo que apenas patrimoniais.

O abuso do poder de controle é mais flagrante quando o minoritário ou o grupo de minoritários questiona legalmente os atos e fatos da administração ou apenas deseja exercer o irrenunciável direito de fiscalizar, pois, ao invés de o controlador/administrador responder com fidelidade ao sócio/acionista, direto ou indireto, diante do relacionamento estreito entre sociedades controladas e sua controladora – sempre no cenário da situação-hipótese – age em simulação de atos, fatos ou maquiando resultados, em descompromisso com os interesses sociais das companhias, do grupo de sociedades e ou com os interesses patrimoniais da minoria.

Some-se a isso a hipótese legal descrita na alínea “g” retro, bastante comum de ocorrer na prática, e mais comum quando a maioria quer forçar a retirada de um ou mais sócios que compõem o grupo da minoria, afetando diretamente a conta de dividendos. É por isso que a conduta de aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade também caracteriza atos de abuso do poder de controle, aqui, no caso em análise, em “tese” praticados pelo controlador, também administrador (em sentido singular ou coletivo). Exemplo claro disso é proceder à maquiagem do balanço, alocando créditos que não podem fazer parte da conta PDD (provisão para devedores duvidosos) ou lançando elevados valores na conta de baixas contábeis, sem apresentar critérios, laudos e notas explicativas claras a respeito da conta de chegada, pois, obviamente, esses movimentos reduzem os resultados e consequentemente a conta de dividendos. Na perspectiva de dividendos cuja conta decorre do resultado líquido do exercício, se tal resultado é frustrado por atos de evidente manobra contábil, averiguáveis somente a partir da análise do caso concreto, o abuso do poder de controle resta caracterizado.   

Observe-se bem o alerta dado pela doutrina, no sentido de existir uma obrigação positiva do controlador de aferir se a companhia está praticando as suas políticas de acordo com o bem comum e com a lei, sem prejuízo dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, bem como sem manipular a aprovação das contas em favorecimento pessoal ou da administração. Como modalidades recorrentes de abuso de poder de controle, podem-se indicar: o autofinanciamento da companhia e retenção de dividendos; a remuneração elevada dos administradores com desvio de finalidade; a adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse social; os abusos em detrimento dos diretores da companhia;  o aumento de capital social com o escopo de prejudicar a minoria acionária; o abuso no direito de voto do controlador; o controlador que atua como insider trading[vii], dentre outras situações.

Observe-se, então, que há um dever de vigilância do controlador em relação à administração, agora, quando o controle e a administração se confundem, a situação é ainda mais grave e de maior repercussão, quanto à prática de atos de abuso.

Há uma linha muito tênue entre o abuso do poder de controle e o abuso da maioria, pois invariavelmente se conversam. A quebra dos deveres fiduciários do administrador, quando nele está também a figura do controlador, está abrangida pelo abuso do poder de controle. Saindo um pouco da hipótese fática apresentada, quando o controlador não se confunde com o administrador (na mesma pessoa), mas se omite quanto aos atos de quebra de fidúcia praticados pelo administrador, mesmo que distante, caracteriza-se o abuso do poder de controle, sempre tendo como baliza os atos enumerados no artigo 117 da LSA, suas variações e ou a sofisticação lesiva. 

Consolidada a terceira parte do texto com a explicitação sobre o abuso do poder de controle, segundo o cenário fático antes apresentado e sua relação com os deveres da administração, cabe agora tratar das formas de coibir atos do gênero, em repressão, inibição e ou ressarcimento.

Aqui, obviamente, entram as formas de tutela dos direitos das empresas, dos sócios e acionistas prejudicados, fazendo-se referência especialmente aos minoritários, mais afetos ao tipo de conduta lesiva. O socorro e a coibição muitas vezes não são passíveis de eficiência a partir de provocações de órgãos internos das companhias, mas caso o minoritário, por exemplo, detecte falhas graves e apresente voto divergente na reunião ordinária ou na assembleia geral ordinária de tomada de contas e apresentação dos resultados, apontando vícios nas demonstrações e erros que sugerem maquiagem para congelar dividendos ou não distribuí-los, e a maioria resolva manter a aprovação de contas irregulares e dos resultados, em benefício próprio ou simplesmente para exercer pressão sobre os minoritários, caracteriza-se não apenas o abuso do poder de controle, como também e igualmente, o abuso da maioria.

Neste caso, por exemplo, caberá aos prejudicados a iniciativa de levar esta discussão para o Poder Judiciário ou para a Jurisdição Arbitral, dependendo da forma eleita no contrato/estatuto social, sem a necessidade de exaurimento da discussão no âmbito social, especialmente quando não tiver, o grupo de minoritários, força/quórum para fazer valer a sua posição nas deliberações sociais.  ;

É fato que o artigo 117 da LSA remete para a ação de responsabilidade civil contra o acionista controlador, pois este responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder, por ação ou omissão.

O crescimento do mercado de capitais somente foi possível e idealizado em razão do equilíbrio, de um lado admitindo-se o exercício do poder de controle (uma realidade de fato) e, por outro, coibindo práticas abusivas em relação aos acionistas minoritários. É essa harmonização que acarreta um ambiente de maior segurança e previsibilidade, incentivando e motivando investimentos[viii].

Propositadamente, houve uma abordagem sistêmica, a fim de compatibilizar, em um mesmo texto, os deveres do administrador e os deveres do controlador, pois intimamente ligados ao abuso do poder de controle, por dois motivos, a saber: - é muito comum o acúmulo do cargo de administrador e controlador, como acima ficou assente; - o controlador pode ser responsabilizado por induzir o administrador à prática de atos abusivos e em prejuízo ao grupo de sociedades, aplicando-se, por analogia, o artigo 246 da LSA[ix].

Diante da aplicação analógica entre a ação de responsabilidade contra o administrador e contra o controlador, cabe proceder o resgate deste tema já tratado nesta mesma coluna Empório do Direito, ainda em junho de 2019. Naquela oportunidade dissemos que os atos da companhia realizados pelo detentor de controle e ou pelo administrador podem parecer inquestionáveis quando apoiados pelos demais acionistas, que formam a maioria do capital e deixam de deliberar pela ação de responsabilidade civil em assembleia geral ordinária ou extraordinária.

Todavia, quando a vontade majoritária não atua no interesse da sociedade, evitando-se a submissão, a deliberação ou mesmo desaprovando a ação de responsabilidade civil que competiria à companhia na hipótese de suspeita de conduta desconforme e ou prejuízos evidenciados ao patrimônio da empresa e demais acionistas, abre-se caminho para a deflagração da ação por: acionista com capital mínimo legalmente previsto; acionista frente à omissão da companhia; acionista individualmente considerado e ou terceiro prejudicado. 

É tida como ação social ut universi aquela prevista no caput do artigo 159 da Lei 6.404/76. Quanto a esta, decidindo a assembleia geral ordinária ou extraordinária pelo ajuizamento, a companhia deverá fazê-lo no prazo de até três meses, sob pena de se admitir a ação social ut singuli, conferindo-se legitimidade para qualquer acionista, nos termos do artigo 159, § 3º da LSA. Também se admite a ação social ut singuli quando a assembleia geral delibera por não promover a ação, hipótese de legitimação extraordinária de acionistas minoritários que representem, pelo menos, 5% do capital social (159, § 4º da LSA), pois agem em oposição ao deliberado, desvinculando-se da vontade da maioria.

É na condição de substitutos processuais que decorre a legitimidade dos acionistas frente à omissão e ou daqueles que somem o capital mínimo antes explicitado, visto que atuam no interesse da sociedade nos termos do art. 159, § 5º da LSA.

Outro é o raciocínio adotado para ação individual prevista no § 7º, do art. 159 da LSA, que carrega características de ação autônoma, de livre acesso à justiça, por acionista ou terceiro prejudicado para reclamar sobre prejuízos aos seus interesses e ou patrimônio, repercutidos pela sociedade, por ato do administrador, sem necessidade de prévia deliberação da assembleia geral (ordinária ou extraordinária)[x].

A judicialização da ação de responsabilidade civil contra o administrador, também controlador no caso-hipótese, é uma das formas de coibir a perpetração de atos de abuso de poder de controle e de ofensa dos deveres de administração, caracterizados na forma da lei.

Todavia, a ação de responsabilidade civil não é a única via e nem sempre a mais adequada para resolver problemas decorrentes de atos de abuso do poder, pois se presumem graves pela sua natureza e por integrarem um elenco legal programático, ao ponto de exigir medidas adicionais, tais como de natureza inibitória, de obrigação de fazer ou não fazer, de destituição, de intervenção e até mesmo de exclusão, mesmo contra aquele que representa a maioria do capital, isto porque se deve resgatar e fazer prevalecer os interesses sociais, não se sobrepondo a eles os individuais, egoísticos e movidos, invariavelmente, pelo ego ou pelos benefícios econômicos decorrentes de condutas lesivas.

Em que pese o princípio da intervenção mínima, usualmente invocado não apenas nesta relação societária, mas nos demais contratos interempresariais, não deve ele sobrepor-se ou ser invocado para tolerar ato de abuso, diante do mal nefasto, normalmente ocasionado por atos sorrateiros e de elevado grau de gravidade, lembrando que o acionista minoritário, que não exerce cargo de direção ou de administração, tem contra si o problema da assimetria informacional, o que beneficia o poder de controle e agrava a responsabilidade pelos atos de abuso.

Deste modo, a jurisdição estatal ou arbitral poderá ser acionada, por exemplo, para reprimir atos de conduta lesiva, anular ou suspender efeitos de atos perpetrados em abuso, mesmo que já arquivados no registro público competente. Não são raras as vezes em que a inciativa culmina na destituição/afastamento do detentor do poder de controle, do administrador, substituindo-o por administrador ou nomeando-se um interventor, sendo que, neste último caso, o papel é o de fiscalizar a administração, coibindo a prática de atos contrários aos interesses sociais e alertando para a necessidade de correção dos atos lesivos, passíveis de retorno.

Aliás, sobre isso, o Tribunal de Justiça do Paraná, no Agravo de Instrumento sob o n. 0048243-27.2018.8.16.40000, de Relatoria do Desembargador Marcelo Gobbo Dalla Dea, determinou, de ofício, em substituição ao pedido de afastamento do administrador, a nomeação de um interventor judicial, justamente em razão da quebra de deveres previstos no contrato social, cuja administração, no caso, competia a ambos os sócios[xi].

Neste contexto, as tutelas provisórias (cautelares ou antecipatórias) de urgência, servem para suspender os efeitos ou declarar a nulidade de atos contrários aos interesses sociais, sem olvidar a possibilidade da ação de ressarcimento, a de exclusão de sócios, mesmo que majoritários, como já tivemos a oportunidade de abordar nesta mesma coluna[xii], além da dissolução compulsória, dentre outras cabíveis. 

Deste modo, as formas de coibição de atos praticados em evidente abuso de poder devem ser medidas segundo o grau de gravidade e de repercussão negativa para as sociedades que compõem o grupo, bem como pela repercussão danosa na esfera individual do sócio/acionista minoritário, ferido em seus direitos patrimoniais.            

Infelizmente o mundo corporativo está apinhado de problemas desta natureza, por outro lado, também, de iniciativas produtivas, proativas e comprometidas com os interesses sociais da companhia, que se entendem prevalecentes. Assim, a melhor saída sempre é a de evitar a incursão em atos de abuso de poder, pois as condutas, em muitas situações-hipóteses, são mesquinhas, afetando sobremaneira as relações empresariais, o equilíbrio emocional dos agentes econômicos envolvidos, o controle, a gestão, os empregos e, em última ordem, a economia nacional. Levante-se a bandeira pela não perpetração de atos de abuso de administração ou do poder de controle, melhor medida para evitar a frustração dos negócios sociais, e a justa intervenção estatal, na medida exata da necessidade, em prol de um benefício maior, o de preservação da empresa.

 

Notas e Referências

[i] MAMEDE, Gladson. Direito empresarial brasileiro: Direito societário. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 411.

[ii] IBGC. Disponível em: <https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa.>Acesso em: 06 maio 2020.

[iii] CUNHA, Lucas Marsili. Formas de coibir o abuso do poder de controle nas sociedades anônimas. São Paulo: Quartier Latin, p. 54-55.

[iv] Fala-se em acionista direto, em razão do reconhecimento da figura do acionista indireto, pois em que pese este (indireto) não ter poder deliberativo nas AGOs e AGEs das subsidiárias tem cadeira como sócio ou acionista na controladora, espraiando os efeitos do seu direito de fiscalizar da controladora para as controladas.

[v] MAMEDE, Gladson. Direito empresarial brasileiro: Direito societário. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 423.

[vi] Negrão Ricardo. Curso de direito comercial e de empresa. 15 ed. São Paulo: Saraiva, p. 466.

[vii] CUNHA, Lucas Marsili. Formas de coibir o abuso do poder de controle nas sociedades anônimas. São Paulo: Quartier Latin, p. 82-106.

A situação da frustração de dividendos, em decorrência de atos de administração ou de atos de abuso de poder de controle é recorrente e deve ser enfrentado com bastante seriedade e reprimenda. Cunha (obra citada p. 86) acrescenta: “como o controlador pode orientar os rumos da companhia e, ainda, os seus órgãos, sob a sua influência estes podem informar a impossibilidade financeira da companhia, justamente no sentido de ‘congelar’ os minoritários, isto é, deixa-los ‘presos’ com aquelas ações, sem o recebimento de dividendos”.

[viii] CUNHA, Lucas Marsili. Formas de coibir o abuso do poder de controle nas sociedades anônimas. São Paulo: Quartier Latin, p. 119.

[ix] CUNHA, Lucas Marsili. Formas de coibir o abuso do poder de controle nas sociedades anônimas. São Paulo: Quartier Latin, p. 125.

[x]  ZOLANDECK, João Carlos Adalberto (junho/2019). Deveres do administrador na sociedade anônima e a ação de responsabilidade civil contra ele. Disponível em: <  https://emporiododireito.com.br/leitura/deveres-do-administrador-na-sociedade-anonima-e-a-acao-de-responsabilidade-civil-contra-ele .>Acesso em: 06 maio 2020.

[xi] TJPR. 2019 — 18ª. Câmara Cível. Recurso n. 0048243-27.2018.8.16.0000.

[xii] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto (novembro/2018). A exclusão do sócio majoritário pelos minoritários e o dispute board em acordo parassocial.  Disponível em: <  https://emporiododireito.com.br/leitura/a-exclusao-do-socio-majoritario-pelos-minoritarios-e-o-dispute-board-em-acordo-parassocial.>Acesso em: 06 maio 2020.

 

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