DEVERES DO ADMINISTRADOR NA SOCIEDADE ANÔNIMA E A AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA ELE

27/06/2019

 

O administrador tem o dever de cuidado e diligência na gestão dos negócios da sociedade, pautando-se na lei, no estatuto e nos interesses da companhia. De igual forma, deve agir com honestidade, lealdade e transparência, apoiando-se em sistemas de gerenciamento, monitoramento, governança e compliance, de modo a evitar o questionamento de seus atos e eventuais conflitos de interesses (LSA, artigos 153, 154, 155, 156 e 157).

É certo que o descumprimento dos deveres legais, como, por exemplo, omitir e ou simular fatos, repercutem em danos à própria companhia, acionistas, ao mercado de capitais e demais empresas parceiras.

Por atos de gestão regular ou de conformidade não há responsabilidade pessoal do administrador em relação às obrigações contraídas em nome da sociedade, mas responderá pelos prejuízos a que der causa, no exercício de suas atribuições, por dolo ou culpa e também nos casos de violação da lei ou do estatuto (LSA, art. 158, I e II).

Em uma primeira análise, os atos da companhia realizados pelo detentor de controle e ou pelo administrador podem parecer inquestionáveis quando apoiados pelos demais acionistas, que formam a maioria do capital e deixam de deliberar pela ação de responsabilidade civil em assembleia geral ordinária ou extraordinária.

Todavia, quando a vontade majoritária não atua no interesse da sociedade, evitando-se a submissão, a deliberação ou mesmo desaprovando a ação de responsabilidade civil que competiria à companhia na hipótese de suspeita de conduta desconforme e ou prejuízos evidenciados ao patrimônio da empresa e demais acionistas, a ação poderá ser deflagrada por: acionista com capital mínimo legalmente previsto; acionista frente à omissão da companhia; acionista individualmente considerado e ou terceiro prejudicado.  

É tida como ação social ut universi aquela prevista no caput do artigo 159 da Lei 6.404/76. Quanto a esta, decidindo a assembleia geral ordinária ou extraordinária pelo ajuizamento, a companhia deverá fazê-lo no prazo de até três meses, sob pena de se admitir a ação social ut singuli, conferindo-se legitimidade para qualquer acionista, nos termos do artigo 159, § 3º da LSA. Também se admite a ação social ut singuli quando a assembleia geral delibera por não promover a ação, hipótese de legitimação extraordinária de acionistas minoritários que representem, pelo menos, 5% do capital social (159, § 4º da LSA), pois agem em oposição ao deliberado, desvinculando-se da vontade da maioria.

É na condição de substitutos processuais que decorre a legitimidade dos acionistas frente à omissão e ou daqueles que somem o capital mínimo antes explicitado, visto que atuam no interesse da sociedade nos termos do art. 159, § 5º da LSA.

Outro é o raciocínio adotado para ação individual prevista no § 7º, do art. 159 da LSA, que carrega características de ação autônoma, de livre acesso à justiça, por acionista ou terceiro prejudicado para reclamar sobre prejuízos aos seus interesses e ou patrimônio, repercutidos pela sociedade, por ato do administrador, sem necessidade de prévia deliberação da assembleia geral (ordinária ou extraordinária).

Em suma, é admitida a ação de responsabilidade civil contra o administrador pela companhia ou por acionistas, com o objetivo de ressarcimento de prejuízos experimentados pela sociedade, de cujo resultado aproveita a sociedade. De igual forma, é cabível a ação individual de ressarcimento, revertendo-se o proveito em benefício do acionista ou terceiro diretamente prejudicado.

Cabe, aqui, uma ponderação importante: como a linha que separa os prejuízos sociais dos individuais é muito tênue, a construção/conteúdo da petição inicial mostra-se fundamental, pois ajuizar a ação social ut universi ou ut singuli apontando prejuízos diretos ao acionista/autor faz incorrer em ilegitimidade ativa ad causam. De igual modo, ajuizar ação individual apontando danos à sociedade e não danos diretos na esfera do patrimônio individual do acionista faz incorrer em ilegitimidade.     

A responsabilidade civil é clássica/subjetiva na hipótese do inciso I do art. 158 da LSA (dolo ou culpa), enquanto que na do inciso II (ofensa à lei ou estatuto) existem controvérsias, filiando-se Modesto Carvalhosa, citado por Campinho, à ideia de responsabilidade objetiva. O autor citado defende, mesmo para esta segunda hipótese, a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, todavia agrega a presunção de culpa e a inversão do ônus da prova, admitindo a prova da não culpa pelo administrador, ou seja, a presunção é elidível com a prova da boa fé. De qualquer modo, aprovado o ajuizamento da ação pela assembleia geral, pesará contra o administrador impedimento absoluto em decorrência da perda da fidúcia, devendo-se prover a substituição do administrador cujos atos foram questionados, evidentemente pelo órgão da companhia competente para prover o cargo[1].    

Neste escopo, cabe exemplificar com a jurisprudência do STJ, que contextualiza as situações acima, confira-se:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA ADMINISTRADOR (LEI 6.404/76, ART. 159): AÇÃO SOCIAL UT UNIVERSI, AÇÃO SOCIAL UT SINGULI (§§ 3º E 4º) E AÇÃO INDIVIDUAL (§ 7º). AÇÃO INDIVIDUAL. DANO CAUSADO DIRETAMENTE À ACIONISTA MINORITÁRIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CORRÉUS QUE PARTICIPARAM OU OBTIVERAM BENEFÍCIO PATRIMONIAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA (ART. 158, § 5º, DA LEI DAS S/A) OU LIMITADA AO PROVEITO ECONÔMICO. LUCROS CESSANTES NÃO REQUERIDOS NA INICIAL. VALORES PERTENCENTES EXCLUSIVAMENTE À COMPANHIA LESADA.

JULGAMENTO ULTRA PETITA. OCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Nos danos causados diretamente à companhia, são cabíveis as ações sociais ut universi e ut singuli, obedecidos os requisitos exigidos pelos §§ 3º e 4º do art. 159 da Lei das S/A.

A ação individual prevista no § 7º do art. 159 da Lei 6.404/76 tem por finalidade reparar o dano experimentado pelo próprio acionista, isto é, o dano direto causado ao titular de ações por ato do administrador; não depende de deliberação da assembleia-geral para ser proposta, tendo como legitimados qualquer acionista ou terceiro, diretamente prejudicados por ato de administrador.

Os fatos descritos nos autos e os resultados deles decorrentes apontam para a existência de prejuízos diretos e efetivos não só para a sociedade empresária lesada, mas também para a promovente acionista, detentora de expressivo percentual do capital social. Com efeito, os atos irregulares atribuídos aos réus pelas instâncias ordinárias, de transferência dos ativos da companhia primitiva para uma nova empresa, idêntica à primitiva, por eles criada, ainda que possam ter implicado, em um primeiro momento, o esvaziamento patrimonial da companhia primitiva e, por consequência, a sua extinção ou paralisação - prejuízo direto à sociedade, portanto -, implicaram, também, evidente e direto prejuízo à autora, somente a esta sócia, e não ao outro sócio controlador, na medida em que a promovente detinha 49% das ações. Ao sócio controlador e aos demais réus restou a novel sociedade, constituída a partir do patrimônio da sociedade extinta.

O simples fato de não serem administradores da companhia primitiva é, em princípio, insuficiente para, por si só, caracterizar a ilegitimidade passiva dos corréus, tendo em vista o disposto no art. 158, § 5º, da Lei das S/A. No caso, ademais, conforme foi afirmado pelo eg. Tribunal de origem, "todos os corréus participaram ou obtiveram benefício patrimonial com o esvaziamento da empresa". Cabe verificar, portanto, os limites da responsabilidade de cada corréu em decorrência dos fatos reconhecidos pela eg. Corte estadual no julgamento do mérito de procedência da ação.

Especificamente quanto aos réus responsabilizados pela Corte Estadual exclusivamente em razão de que teriam tido "proveito econômico com os atos narrados nos autos", a responsabilidade destes deve ficar restrita ao proveito econômico que tiveram ao assumir a qualidade de sócios da nova sociedade criada a partir do desvio de patrimônio da antecedente. O fato de aceitarem a condição de sócio minoritário da nova empresa, por si só, não caracteriza atuação dolosa, pois não há referência sobre terem ciência ou participação direta nos atos dolosos reconhecidos no v. acórdão estadual.

Os lucros cessantes, na hipótese, seriam auferidos pela própria companhia lesada, não pela sócia minoritária, e nem sequer foram requeridos na inicial, daí por que a inclusão destes na condenação caracteriza julgamento ultra petita.

Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1536949/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/09/2016, DJe 04/11/2016).                         

Evidenciou-se, no caso acima, que o ato de transferir ativos da sociedade originária para outras de o mesmo objeto social, em detrimento de um acionista, ocasionou evidentes prejuízos não apenas à sociedade, mas também ao acionista reclamante, de cujo ato participaram o administrador, o acionista controlador e demais acionistas beneficiários, integrantes da nova sociedade.

Isso ocorre em razão de conflitos sociais, que, ao invés de serem racionalmente conduzidos e resolvidos em conformidade com a lei, com o que prevê o estatuto social, pressupondo a redução dos custos de transação (processuais e extraprocessuais), são levados, frequentemente, pelos detentores de influência ou de poder, para soluções periféricas, temerárias, impensadas e indutoras de elevado potencial danoso.

Registre-se, por oportuno, que os lucros cessantes impostos ao acionista prejudicado também poderiam ter sido objeto da pretensão deduzida no caso-exemplo, mas tal pedido não foi lançado na inicial, portanto o resultado proveitoso reverteu-se para a sociedade e indiretamente para o acionista, na forma de sua participação.

O conteúdo do julgado revela que o Poder Judiciário deve intervir quando presente o abuso do poder de controle e ou caracterizada a gestão arbitrária e nociva do administrador, sendo de suma importância a implantação de sistemas de governança e compliance, para evitar arbitrariedades, viabilizar o monitoramento e pautar uma gestão democrática e, obviamente, eficiente em termos de resultados e de ética corporativa.

Conclui-se que há impedimento legal do administrador para continuar na gestão enquanto tiver seus atos questionados, aprovada a deflagração da ação de responsabilidade pela assembleia geral. Quanto à legitimidade para ajuizar ação contra o administrador, existem variações que dependem da situação-hipótese (caso concreto) e está ancorada no princípio do acesso à justiça. A formação do polo ativo decorre da legitimação primária (companhia), da legitimação extraordinária (acionistas) e da ação individual (acionista/terceiro prejudicado), enquanto que a do polo passivo, além do administrador, responderá, solidariamente, quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto (art. 158, § 5º).

 

Notas e Referências

[1] CAMPINHO, SÉRGIO. Sociedade Anônima. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 311 e 336.

 

 

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