8 razões para apostar na Mediação Escolar

16/10/2016

Por Juliana Ribeiro Goulart e Jéssica Gonçalves – 16/10/2016

Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.

Paulo Freire

A Mediação, técnica não adversarial, informal e voluntária de tratamento de disputas, também pode ser utilizada no ambiente Escolar, para restaurar as relações e os vínculos entre os alunos, sejam eles crianças ou adolescentes. Trata-se de uma aposta no ser humano em desenvolvimento e no abandono, conforme defende Luis Alberto Warat, dos infrutíferos castigos e sermões destinados a corrigir desvios morais, sentimentos e ações, os quais geram desconforto e revolta.[1]

Sabe-se que os elementos mais característicos da inteligência das crianças são a maleabilidade e o potencial intelectual, de modo que necessitam, conforme aponta A. Cardinet, de uma ajuda para instaurar ou restaurar relações positivas, dinâmicas e pessoais com os demais colegas de classe e com o próprio professor.[2]

Desse modo, a Mediação Escolar ou, como foi denominada pelo Psicólogo Russo Vygotsky, “Pedagogias Mediacionais”, são ferramentas que dão ênfase às interações sociais no desenvolvimento cognitivo da criança, favorecendo a integração entre o professor e o aprendiz, na medida em que ambos são considerados responsáveis e ativos na construção do conhecimento enquanto instrumento de conexão.[3] No mesmo sentido, o Professor Feuerstein, cuja definição chama de “Mediação Pedagógica ou Abordagem Educativa”[4] descreve que a utilização dessa prática privilegia o olhar otimista sobre o aprendiz, pois, antes de apontar seus fracassos, coloca-o na condição de responsável pelos seus próprios atos.

Assim, a Mediação de conflitos pode ser pensada como Política Pública ou como Programa a ser desenvolvido para as necessidades de uma determinada Escola, que tem altos índices de violência ou de bullying, por exemplo.

A Mediação, como ferramenta para compreender e restaurar relações rompidas em razão da violência, foi lançada pelos Quakers[5], nos anos 70, nos Estados Unidos. Trata-se de um modelo que apostou na formação de alunos para que se tornassem mediadores das disputas ocorridas nos pátios de recreação ou na cantina da Escola. Os “administradores dos conflitos”, como foram denominados, trabalhavam em duplas escolhidas pelos professores, vestiam-se com roupas de cor laranja para serem diferenciados no pátio e, ainda, recebiam formação técnica sobre o procedimento da Mediação, durante o período de três dias.[6] Tal abordagem, apontou uma maior participação dos alunos nos conflitos experimentados por eles, despertando a conscientização de firmarem-se como mediadores fraternos e cidadãos sensíveis aos valores dos outros colegas de classe.

O espírito de cidadania encontrado no mecanismo da Mediação Escolar, constrói-se por meio de perguntas feitas pelo Mediador aos alunos, para que reflitam e criem suas próprias estratégias de enfrentamento, encontrem possíveis respostas para suas demandas e percebam suas responsabilidades na espiral do conflito. Por isso, a importância de ser a Escola um dos primeiros “locais da Mediação”, prevenindo-se as incomunicabilidades, mal-entendidos e os problemas, integrando, em seu ambiente, atividades que permitam a cooperação e a transformação social dos alunos e professores.

Daí decorre a necessidade de que o modelo de Mediação Escolar envolva a empatia, a compaixão, o respeito às diferenças, a escuta das necessidades e interesses de cada pessoa, bem como promova a responsabilidade e a solidariedade. A técnica cria ambiente fértil para a construção de resiliência, tornando possível a melhora na autoestima, sentimento de bem-estar, diminuição da ansiedade e aumento do rendimento Escolar.[7]

Hoje, no Brasil, após a Resolução n. º 125 do Conselho Nacional de Justiça, Marco Legal da Mediação e Novo Código de Processo Civil inseriu-se, definitivamente, uma Política Pública de Meios Alternativos no Sistema de Justiça. Entretanto, para que a cultura do consenso encontre espaço nas Instituições brasileiras, parece ser necessário trabalhar a base de formação do indivíduo, estando a Escola, nesse sentido, em lugar de destaque. Aliás, a própria Lei n.º 13.140/2015, que disciplina a Mediação, determina que se aplique o método, no que couber, à Mediação Escolar (art.42).[8]

Por todo o Brasil, crescem os investimentos das Instituições na cultura da paz. Em São Paulo, por exemplo, existem iniciativas interessantes, como as “rodas de conversa”, que promovem a cidadania entre os alunos, incentivando o diálogo. Também, o Conselho Nacional do Ministério Público aposta na “Campanha Conte até 10”, um projeto que tem por objetivo evitar a prática de atos de violência e incentivar a cultura do respeito mútuo, inclusive, por meio do uso das técnicas da Mediação de conflitos.

Abaixo, destacam-se 8 (oito) razões para que as escolas invistam em um Programa que inclua, nas suas atividades pedagógicas, iniciativas que envolvam técnicas consensuais de tratamento de disputas:

8 (oito) razões para apostar na Mediação Escolar:

1. Abandona a ideia tradicional de aplicação de castigos, sermões e críticas em razão das ações praticadas pelos alunos;

2. Mostra que o conflito também tem seu sentido positivo e transformador, uma vez que faz parte da essência humana e do dia a dia do indivíduo;

3. Envolve o aprendizado das habilidades e competências (exemplo: empatia e escuta ativa) necessárias para o enfrentamento dos problemas;

4. Ensina o caráter pedagógico do conflito;

5. Incentiva a comunicação, autogestão e responsabilidade pelos atos praticados ao outro;

6. Ajuda a prevenir controvérsias futuras;

7. Promove comportamentos pró-sociais como o respeito, empatia, cooperação, responsabilidade, solidariedade e alteridade;

8. Promove resiliência e bem-estar no ambiente social.

Os Programas de Mediação, nos ambientes Escolares, são poderosas ferramentas de transformação e aprendizagem, pois permitem que se altere, positivamente, a dinâmica escolar e não apenas as relações entre os estudantes. Para isso, porém, o corpo docente também precisa se engajar na proposta, com vistas a reforçar as habilidades dos aprendizes na experiência decorrente da Mediação.

De fato, a Escola, como espaço em que todos vivenciam algum tipo de violência e conflito, precisa empoderar os jovens para que se tornem, em suas vidas, seres responsáveis. Se as crianças, desde a mais tenra idade, tiverem acesso a esses tipos de programas de incentivo e, se for a elas oportunizado o treinamento de capacidades e habilidades sociais, talvez seja possível sonhar com um novo patamar civilizatório, em que a justiça e a educação andem juntas. Aliás, a justiça – pode e deve – frequentar a Escola.


Notas e Referências: 

[1] WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004

[2] CARDINET, A. Praticar a mediação em pedagogia. Prefácio de R. Feuerstein, Paris, Dunod, 1995.

[3] SIX, Jean François. Dinâmica da Mediação. Del Rey: Belo Horizonte, 2001.

[4] MONTEL, J.P.; KARPATI, PH. Experiências de aprendizagem mediatizada e mediação familiar. Aprroches, Quarto trimestre. 1993.

[5] Quaker (também denominado quacre em P) é o nome dado a vários grupos religiosos, com origem comum no Movimento Protestante Britânico do Século XVII. A denominação quaker é chamada de Sociedade Religiosa dos Amigos (Religious Society of Friends) ou, simplesmente, “Sociedade dos Amigos ou Amigos”. Eles são conhecidos pela defesa do pacifismo e da simplicidade.

[6] SIX, Jean François. Dinâmica da Mediação. Del Rey: Belo Horizonte, 2001.

[7] MELLILO, Aldo; SUÁRES OJEDA. Élbio Nestor (ORG). Resiliência: descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 92.

[8] Art. 42.  Aplica-se esta Lei, no que couber, às outras formas consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas competências.

CARDINET, A. Praticar a mediação em pedagogia. Prefácio de R. Feuerstein, Paris, Dunod, 1995.

SIX, Jean François. Dinâmica da Mediação. Del Rey: Belo Horizonte, 2001.

MELLILO, Aldo; SUÁRES OJEDA. Élbio Nestor (ORG). Resiliência: descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre: Artmed, 2005.

MONTEL, J.P.; KARPATI, PH. Experiências de aprendizagem mediatizada e mediação familiar. Aprroches, Quarto trimestre. 1993.

WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.

http://www.cnmp.mp.br/conteate10/cartilha.pdf. Acesso em 04 jul. 2016.


Juliana Ribeiro GoulartJuliana Ribeiro Goulart possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS. Mestranda em Teoria e História no Direito (UFSC). Tem experiência na área da advocacia, com ênfase em Direito Processual, área em que é especialista pelo CESUSC. Atualmente ocupa o cargo de Assistente Jurídica da Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina e é pesquisadora na área da Mediação de conflitos. E-mail: juligoulart@hotmail.com / Facebook aqui.


Jéssica Gonçalves é Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Formada pela Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Pós-Graduada em Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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