25 anos do Código de Defesa do Consumidor e os desafios atuais do direito do consumidor brasileiro: um decálogo de ideias para o presente e o futuro

14/10/2015

Por Bruno Miragem - 14/10/2015

A passagem dos 25 anos de promulgação do Código de Defesa do Consumidor, como não poderia ser diferente, foi objeto de comemorações e de reflexão por todos aqueles envolvidos na defesa do consumidor no Brasil. Os avanços proporcionados por esta lei inovadora e suas virtudes são reconhecidas e destacadas no cotidiano da vida da população brasileira. O exercício comparativo clássico, entre o antes e o depois da promulgação do CDC, assim como sua difusão como forma de defesa da cidadania são evidentes. O marco destes 25 anos, portanto, para além da simples comemoração deve servir para bem situar os desafios atuais pelos quais passa o direito do consumidor, seus êxitos e insuficiências.

Nos limites deste espaço, busca-se sistematizar, sem maior ambição, uma ordem de ideias sobre questões atuais do direito do consumidor. Vamos a elas:

I) o estágio atual do direito do consumidor não consegue atender a contento o contingente das demandas de massa que chegam ao Poder Judiciário: o número de litígios envolvendo questões atinentes às relações de consumo revela um contingente de fornecedores, litigantes habituais, para os quais tornou-se vantajoso produzir danos individuais frente às atuais respostas em termos de procedência de ações e valores de condenação praticados pela jurisprudência.

II) o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é um critério geral – que fundamenta a existência e aplicação do direito do consumidor – amplamente reconhecido nos principais sistemas jurídicos contemporâneos, e que não se confunde com paternalismo ou proteção excessiva pelo Estado, senão que decorre de uma opção constitucional clara (art. 5o, XXXII, da Constituição de 1988).

III) teses atuais (ou nem tão atuais assim!) de atribuir-se ao consumidor a responsabilidade pelo aumento de demandas judiciais, significa imputar a ele a culpa pela própria lesão. O uso de exemplos pontuais para justificar o acerto desta tese, não raro citando casos de outra cultura (como o famoso caso da consumidora que queimou-se com café quente em uma lanchonete e recebeu milhões de dólares), ou meras situações hipotéticas “de ouvir dizer”, tentam transformar a exceção em regra, para legitimar o argumento sobre um suposto “exagero” na proteção legal do consumidor no Brasil, flagrantemente desmentida pelos fatos. Afinal, qual brasileiro não coleciona uma série de lesões a seus próprios direitos?

IV) A atuação pífia da maioria das agências e demais entes reguladores e supervisores de serviços públicos e certos setores da atividade econômica explica em parte o grau de litigiosidade em certos serviços no mercado de consumo. É a ausência do Estado Regulador que reforça o papel e a esperança do consumidor no Estado Juiz. Uma ampla revisão da atividade regulatória do Estado e suas ligações com o direito do consumidor é essencial. Mais regulação de qualidade, resulta na redução de litígios.

V) A atualização das regras do CDC em relação ao tema do superendividamento partem de duas premissas básicas: a) é necessário regulamentar melhor o nível e a qualidade da informação pré-contratual repassada ao consumidor, pois não se espera que os fornecedores o façam espontaneamente; e b) o consumidor que deve a diversos fornecedores não possui um mecanismo para realizar uma renegociação global que lhe permita pagar a dívida. Sendo o mesmo recurso que deverá ser dividido entre vários credores, só um procedimento razoavelmente claro permitirá esta renegociação.

VI) O comércio eletrônico e os modelos de negócio pela internet não são apenas mais uma forma de fazer negócios no mercado de consumo, mas parte de uma transformação sem volta de como as pessoas se relacionam. Naquilo que tenha pertinência com o consumo de produtos e serviços, merece uma disciplina específica, como a que se propõe no projeto de atualização do CDC, em tramitação no Congresso Nacional.

VII) A contrariedade à aprovação dos projetos de atualização do CDC em tramitação no Congresso Nacional que se apoie no argumento do risco de que iniciativas parlamentares descaracterizem sua essência, ignora a legitimidade democrática deste Poder. E também o fato de que atualmente há centenas de projetos de lei em tramitação que propõe alterações tópicas e assistemáticas na lei, alguns deles, inclusive, que já transformados em lei, estabeleceram alterações de pouca dignidade legislativa.

VIII) O fortalecimento dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor passa pela valorização da esfera administrativa, que não pode ser mera instância de passagem para postergar decisão depois discutida, invariavelmente, no Poder Judiciário. A inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5o, XXXV) não colide com o propósito de um maior prestígio às decisões dos órgãos administrativos.

IX) A velha expressão liberal de que “não existe almoço grátis” se aplica perfeitamente a muitos contratos de duração, e que precisam ter considerada sua equação econômica no tempo, como elemento para determinar a distribuição dos benefícios que define. O diálogo entre consumidores e fornecedores sobre o equilíbrio destes contratos não pode se fazer sem uma ampla troca de informações dos respectivos setores econômicos e suas vicissitudes, sob pena de consagrar-se outra velha máxima, de “benefícios privados e prejuízos públicos”.

X) A certeza da lei ou da ciência no Direito e nas relações humanas, não exclui as oportunidades do diálogo de boa-fé. Este, contudo, só existe quando há compromisso comum de chegar-se a um resultado que contemple interesses legítimos de ambos os partícipes. Quando o propósito gira apenas em torno de obter-se o convencimento do outro, sem aceitar a possibilidade de mudar as próprias certezas, não se busca a construção de posições próximas ou comuns, mas a capitulação daquele com ideias contrárias.


Bruno Miragem

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Bruno Miragem é Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Advogado.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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