2017: o ano que começou em 2013

06/01/2017

Por Soraia da Rosa Mendes – 06/01/2017

De regra não sou pessimista, contudo desejar um feliz ano novo foi bem difícil na virada de 31 de dezembro. Preferi mesmo, entre quem entende o que isso quer dizer, desejar tão somente um ano mais suave.

Por outro lado, suavidade não é passividade e, em uma retrospectiva positiva é possível encontrar não só em 2016, mas nos últimos anos, momentos a partir dos quais a análise da conjuntura atual permite arriscar previsões que não deixam de configurar desejos.

2017 não começou em 01 de janeiro. É hora de continuar jornadas em novas primaveras.

Como já disse em outro lugar[1], em junho de 2013, em diversas capitais e cidades brasileiras, multidões saíram às ruas em uma explosão de cidadania que há tempos não se via em um país aparentemente acostumado a suportar calado as decisões governamentais. Tachados/as inicialmente como baderneiros/as, logo foi possível perceber que aqueles homens e mulheres em marcha, na sua maioria esmagadora jovens, representavam uma insatisfação latente desde muitos anos.

Ficou claro que a luta popular não se continha somente na legítima demanda por transporte público acessível e de qualidade. O Brasil dizia em alto e bom som que não era só por 0,20 centavos. Como na letra de Arnaldo Antunes[2], o povo passou a perguntar-se: a gente tem fome de quê? , a gente tem sede de quê?. E, a partir daí, a exigir tudo, por inteiro e não pela metade.

E reivindicar o inteiro, como deve acontecer em um Estado democrático, era ir às ruas, exercer o direito à manifestação, o direito à rebeldia.

Era dizer que os gastos vultosos com megaeventos (como a Copa do Mundo e Olimpíadas) eram menos importantes que os investimentos necessários em saúde e em educação. Era também conclamar a todos e todas para a luta contra a homofobia, pelos direitos das mulheres de decidirem sobre o próprio corpo, pela efetividade de um Estado laico. Assim como também era querer uma revisão geral e profunda na forma de funcionamento do sistema político brasileiro.

Os cartazes que mencionavam o "não à corrupção", o "fim do voto secreto" ou, como na época, o "fora Feliciano", precisavam ser lidos como um clamor por amplas reformas. Precisavam ter sido entendidos como sinalizadores da desconfiança no sistema político partidário que se alimenta e alimenta a corrupção.

Não bastava um pronunciamento em rede nacional propondo a qualificação dos crimes de colarinho branco como hediondos. Era preciso mais.

Mas, enfim, teve Copa, teve Olimpíadas, e o sistema político-eleitoral fez fortalecer ainda mais a bancada BBB.

Quem não entendeu nada, ou melhor dizendo, não quis entender nada do que as ruas diziam em 2013, por conta de seus acordos com as históricas lideranças conservadoras brasileiras, pelo que fez (e o que não fez) pagou caro por confundir governo com poder.

Pela arrogância de uns e umas e seus discursos sobre governabilidade, que por mais de uma década conseguiram tirar o vermelho que coloria o Brasil de norte a sul até abril de 2002, pagamos todos e todas o preço alto demais de ver conspurcado o verde e amarelo no abril de 2016.

Participar do processo democrático indo às ruas é o que faz da democracia uma democracia. Mas, as jornadas de 2013 não se confundem com as midiáticas ações de quem vestiu a camiseta da seleção brasileira, fez selfies ao lado de tanques ou levou ao Congresso pacotes de medidas que desmontam com um sistema de garantias penais e processuais penais fragilmente construído neste nosso período de respiro democrático.

A confluência de sentimentos reivindicatórios de junho apontaram para uma bandeira de mudança estrutural, em eixos que continuam a pautar o agir de quem sabe que entre o bater das panelas da classe média em 2016 e as marchas por “Deus, família e propriedade” de 1964 não há diferença em substância, somente em forma.

Queremos, e devemos querer, sempre mais, pois a democracia é um processo nunca acabado do qual a reivindicação por direitos é a força motriz. Entretanto, para que essa construção seja possível, a pensar a partir de junho de 2013 e, quem sabe, também a partir da primavera secundarista de 2016, será preciso reconhecer a existência de uma múltipla pauta e de novos atores e atrizes que não querem ser convidados para a festa pobre[3] dos conchavos que, de uma ponta a outra do espectro partidário, promovem a dança nas cadeiras nos governos do planalto aos rincões brasileiros.

Quem um dia sonhou com a pátria livre não dança conforme a música que as elites sempre tocaram. Gosta muito mais do som da meninada nas escolas ocupadas, da marcha das vadias, enfim de quem toca em ritmo novo a velha canção quem sabe faz a hora, não espera acontecer[4].

Tivesse eu uma bola de cristal, jogasse os búzios ou soubesse ler as cartas, diria: este será um ano da rua. E, como inexorável é em resposta aos gritos dos oprimidos e oprimidas que dela vêm, de muita repressão. Será preciso resistir.

Que 2017 nos seja mais suave!


Notas e Referências:

[1] MENDES, Soraia da Rosa (org). País Mudo, Não Muda! As manifestações de 2013, na visão de quem vê o mundo além dos muros da academia. Brasília: IDP, 2014.

[2] Titãs. Comida. https://www.youtube.com/watch?v=hOyt4cwjVns .

[3] Cazuza. Brasil. https://www.youtube.com/watch?v=NkNv2BflaSU .

[4] Geraldo Vandré. Para não dizer que não falei das flores. https://www.youtube.com/watch?v=6oGlRrJLiiY.


Soraia da Rosa Mendes. . Soraia da Rosa Mendes é professora e advogada, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutora em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. .


Imagem Ilustrativa do Post: looking // Foto de: Kai Schreiber // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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