13 medidas práticas e objetivas para os problemas do sistema prisional -  Justiça Restaurativa para Ordem e Responsabilidade de Todos

04/02/2017

Por Cândido Furtado Maia Neto – 04/02/2017

5 Premissas:

I) Justiça Restaurativa?

É a Justiça criminal que se preocupa com a vítima e com o réu (vitimário), a fim de reconhecer suas responsabilidades pessoais (direitos e deveres humanos), posto que são os protagonistas do sistema penal-penitenciário.

Trata-se de um olhar para o futuro (restaurar o conflito social, isto é, o crime), e não voltar a visão ao passado (apenas para reprimir sem utilidade e sem lógica). Reprimir por reprimir desumanamente.

Só haverá reintegração social se o autor do delito compreender o mal que praticou e ele próprio desejar não mais reiterar em práticas ilícitas, não mais voltar a cometer ilícitos. O autor do crime precisa entender que causou sérios danos e prejuízos diretos à vítima (e indiretos a sua família e à sociedade). A vítima precisa ser ressarcida ou indenizada, na forma da lei.

Deixemos de lado a utópica teoria dos “res”, isto é, da ressocialização, da readaptação, da reeducação, da reintegração social, etc.

Pensemos no “res” da restauração, da reconstrução, da reparação, da responsabilidade penal. 

II) Prevenção da criminalidade

O sistema penal estatal é eminentemente repressivo, autoritário e desigual. Não se trabalha com o direito penal para prevenir, e sim para reprimir. A prisão não intimida e nem ressocializa, só causa maiores danos à sociedade, pois gera a reincidência criminal, onde 90% dos ex-presidiários voltam ao mundo do crime, e o pior, cometendo bárbaros e atrozes delitos.

Já está comprovado que a prisão é a melhor escola do crime.

É o Ministério Público em prol do interesse da sociedade que poderá prevenir a criminalidade, impedindo de uma vez por todas o enriquecimento ilícito, e esta tarefa se dá através da fiscalização direta, pelo Ministério Público, dos atos praticados pelos gestores do erário (ordenadores de despesas).

O primeiro nível ou instante é o controle administrativo e na sequência a proposição de ações judiciais civis públicas macro, isto é, para responsabilizar diretamente os chefes do Poder Executivo (Prefeitos municipais, Governadores dos Estados e também o Presidente da República), acompanhado de seus asseclas e coautores.

Trata-se do Ministério Púbico Social voltado para ações de natureza civil, objetivando prevenir a criminalidade. A prevenção dos atos ilícitos é muito mais importante, racional e útil para a sociedade do que a repressão criminal, propriamente dita, como ainda insistem alguns, estes fecham os olhos, fingem que não estão vendo, não estudaram ou não entenderam nada de criminologia, penitenciarismo e muito menos de vitimologia. 

III) O que é “Código do Recluso”

No interior das denominadas “instituições totais”, como: quarteis, escolas ou presídios sempre irá existir a formação de um grupo e de lideres, e estes passam a ditar normas consuetudinárias para aquele meio, de acordo com as necessidades.

Nos estabelecimentos penais tudo se faz, muitas vezes em escala maior, do que acontece na sociedade “extra murus” (livre). Nas prisões ocorrem homicídios, roubos, estupros, violações, brigas, corrupção, etc., e tudo fica em silêncio ou em segredo. Ninguém delata e ninguém acusa, este é o “Código do Recluso” que possui prevalência sobre todas as leis e a Constituição, esta não passa de “norma de papel”, sem significado algum às pessoas reclusas.

IV) Prioridade processual?

No sistema de justiça criminal todos os processos que constem investigados, denunciados, réus, condenados e apenados presos, possuem prioridade na tramitação dos feitos (nas audiências, para as promoções ministeriais, decisões judiciais interlocutórias-sentenças...), em respeito ao princípio da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII CF) e aos prazos fixados no Código de Processo Penal in analogia com o art. 139, II Código de Processo Civil.

É dever do juiz de Direito respeitar os prazos processuais (Lei nº 35/1979, art. 35 II), bem como dever do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993, art. 43, II e IV), a fim de zelar pelo prestigio da justiça.

V) A inconstitucionalidade da execução da prisão e da pena privativa de liberdade

Primeiro é de ressaltar que a Carta Magna proíbe taxativamente aplicação de penas cruéis, desumanas e maus-tratos; bem como a Lei de Execução Penal e Resolução no 07/94, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça, Diretrizes Básicas da Política Penitenciária Nacional, publicada no DOU em 14.7.1994.

Do mesmo modo, os instrumentos internacionais de Direitos Humanos referentes as pessoas encarceradas.

Está a parecer que nenhuma das normas supracitadas possui valor, uma vez que a situação dos presídios brasileiros é caótica, péssima e já foi comparada ao “inferno”, por altas autoridades públicas do setor.

Portanto, deve-se respeitar o princípio do devido processo legal, isto é, do processo-criminal (instrução) e do processo de execução penal. Em nenhuma das áreas os Direitos Humanos é observado, daí a inconstitucionalidade da prisão provisória e da execução da pena privativa de liberdade.

As pessoas presas no Brasil estão sendo tratadas muito pior do que animais enjaulados.

13 Medidas; a saber:

1. Capacitar agentes prisionais

Para melhor relação entre presos e profissionais da área

Difundir e conhecer os direitos-deveres dos presos

Criar Cursos e Escolas Funcionais

Responsar agentes prisionais, nos referimos aos processos disciplinares (dos presos) e processos administrativos (dos funcionários)

2. Fiscalização eficiente sobre entrada de drogas, armas, etc. nos presídios

Visitas permitidas e controladas

Detectores de sinais de celulares e sistema de interceptação ambiental

Câmeras nas entradas dos estabelecimentos penais

3. Respeitar o nº de vagas de cada estabelecimento penal

Na hipótese de ultrapassar, deve ser colocado em liberdade antecipada o preso mais antigo, através do direito de progressão de regime e/ou livramento condicional

4. Observar a integridade física e moral dos presos

Os estabelecimentos penais devem possuir condição de encarceramento habitável, isto é, celas arejadas, com espaço mínimo definido; bem como fornecimento de alimentação mínima, necessária e adequada

5. Promover estudo e trabalho prisional

Para educar o preso e para remição a pena

Reconhecer os direitos da vítima e sua remissão (art. 91, I CP), tornando certa (viabilizando) a obrigação de reparar o dano.

6. Controle efetivo dos Direitos Humanos do Preso

Para assegurar a progressão do regime de pena, direito a saídas temporárias, livramento condicional, indulto, etc.

Prevalência dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos do Preso (art. 5º §2º e § 3º CF) sobre a Lei de Execução Penal e sobre outras normas ordinárias internas (nacionais).

7. Separar presos provisórios dos presos definitivos

Em estabelecimentos distintos

Os presos condenados no regime fechado, daqueles que estão no regime semi-aberto, para estes não servirem de “pombos-correios”, agentes, “mulas” ou facilitadores infiltrados do crime organizado (facções ou grupos).

Não há como separar presos por crime ou “periculosidade”, isto significa desconhecer a idiossincrasia do mundo intra-murus, ademais, seria necessário construir muitos presídios, em todas as localidades e regiões do Brasil, divididos por diversas alas e pavilhões.

O preso provisório deve sempre permanecer no distrito da culpa ou da formação da culpa (das provas), e o preso condenado mais próximo possível onde residem seus familiares.

8. Assegurar a excepcionalidade da Prisão Provisória

Liberdade sempre é a regra na audiência de custódia

Presos provisórios possuem direito de análise processual prioritária (princípio da celeridade)

Para reduzir ao máximo o número de presos provisórios

9. Responsabilizar com rigor excessos e desvios da execução penal

Referente as práticas de maus-tratos, torturas, corrupção, etc.

10. Defensoria Pública com numero necessário de profissionais

Lei nº 8.906/94 Estatuto da OAB cc. arts. 133/134 CF

Mutirão constante, ininterrupto (dia e noite) posto que entram mais presos, no sistema, do que saem (daqueles que alcançam a liberdade)

11. Ministério Público promotor dos Direitos Humanos dos presos

Formar Promotores de Justiça com outra visão.

Promotores de Execução e não puros Promotores de Acusação

A atuação ministerial na área de execução penal deve ser “ex officio” e sempre interpretando a lei mais favorável, isto é, em benefício da pessoa encarcerada

12. Juiz de Execução Penal

Fomentar a devida atenção aos princípios de Direitos Humanos dos presos

Ações e medidas judiciais “ex officio”, em favor da liberdade

O Juiz de Execução Penal não pode ser o mesmo e nem ter as mesmas posturas do magistrado de instrução e sentenciante

13. Incentivar a participação da sociedade e do poder público

Para criação e gestão adequada do Conselho Comunitário, de Igrejas

Universidades (estudantes-estagiários de direito, psicologia, etc), o Voluntariado...; bem como de agentes do governo federal (Ministérios) e dos governos estaduais (Secretarias) da Saúde, Educação e Trabalho no interior do sistema prisional, cadeias públicas e penitenciárias brasileiras

Conclusão

Construções de Presídios?  

Nunca foi recomendado pela doutrina e literatura especializada

Primeiro retira-se do cárcere antes de se pensar em prender

Quanto mais presídios, mais presos e maior será a superlotação prisional; pois quando sobram vagas se tem mais espaço físico, e aumenta a vontade de encarcerar inconscientemente

No momento é preciso:

- reformar e readaptar os presídios já existentes (meio prazo)

- diminuir drasticamente a população de presos provisórios (curto prazo)

- reconhecer, efetivar e agilizar os direitos dos presos condenados (curto prazo) 

A primeira Constituição do Império do Brasil, de 1824, já estabelecia no artigo 179:

XXI. As Cadêas serão seguras, limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas circumstancias, e natureza dos seus crimes.

Consta na atual Lei nº 7210/1984 de Execução Penal que:

Art. 203. No prazo de 6 (seis) meses, a contar da publicação desta Lei, serão editadas as normas complementares ou regulamentares, necessárias à eficácia dos dispositivos não auto-aplicáveis.

§ 1º Dentro do mesmo prazo deverão as Unidades Federativas, em convênio com o Ministério da Justiça, projetar a adaptação, construção e equipamento de estabelecimentos e serviços penais previstos nesta Lei.

§ 4º O descumprimento injustificado dos deveres estabelecidos para as Unidades Federativas implicará na suspensão de qualquer ajuda financeira a elas destinada pela União, para atender às despesas de execução das penas e medidas de segurança.

Na Carta Magna da República Federativa do Brasil de 1988 encontramos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

XLVII - não haverá penas:

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

A Lei nº 4.898/1965 de abuso de autoridade, da época do regime militar, taxativamente prevê:

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de 21/12/89)

Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.

Parece que nada será feito, e as autoridades continuaram “enxugando gelo”, e demagogicamente apenas falando na necessidade de respeito aos Direitos Humanos dos Presos, processando e prendendo cada vez mais, como se fosse uma resposta útil à sociedade.

Até quando está irresponsável situação manterá a barbárie estatal?

Só sei que o caos é presente e a explosão do sistema prisional está só começando.


Cândido Furtado Maia NetoCândido Furtado Maia Neto é Procurador de Justiça – Ministério Público do Estado do Paraná. Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96).  Professor Pesquisador e de Pós-Graduação. Docente para Cursos Avançados de Direitos Humanos e Prática de Justiça Criminal no Estado Democrático. Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Membro da Associação Nacional de Direitos Humanos (Andhep) e da Sociedade Europeia de Criminologia. Condecorado com Menção Honrosa na V edição do Prêmio Innovare (2008). Cidadão Benemérito do Paraná (Lei nº 15.721/2007). Autor de inúmeros trabalhos jurídicos publicados no Brasil e no exterior. www.direitoshumanos.pro.br


Imagem Ilustrativa do Post: O Governador Jaques Wagner inaugura Cadeia Pública de Salvador // Foto de: Fotos GOVBA // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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