Por Tiago Gagliano Pinto Alberto - 05/01/2016
Olá a todos!!!
Pare e pense por um minuto: você colocaria bebida alcoólica em seus olhos, somente para poder ficar bêbado sem o risco de ressaca? Inimaginável, não?! Não! É exatamente isso o que estão fazendo alguns jovens – e pelo mesmo motivo.
Parece que agora há uma estranha moda circulando entre os jovens chamada “vodka eyeballing”. A “brincadeira” consiste em derramar uma medida de vodka nos olhos, diretamente de uma garrafa, para que, em velocidade super-rápida, a pessoa que passa pela experiência possa ficar “alto”[1]. Nem é preciso dizer que a prática pode causar danos na visão, de acordo com os médicos que já escreveram e pesquisaram a respeito, podendo até mesmo gerar cegueira.
No Brasil, claro, tampouco é necessário dizer, a prática foi, digamos, adaptada. Segundo a Dra. Zila Van Der Meer Sanchez, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), da Unifesp, vários são os jovens que têm dado entrada em pronto-socorro pelo país com absorventes internos embebidos em álcool e até mesmo com relatos de absorção via anal da droga. Sim, você leu certo. Álcool via vaginal e anal, além de pingado nos olhos, a “versão light”[2].
De acordo com o que dizem os jovens que se submetem a estas bizarras práticas, só há vantagens: não há efeitos colaterais da bebida, como enjoos, vômitos, ou ressacas, além de que o efeito é bem mais rápido, o que se explica pelo fato de que as mucosas absorvem mais fácil e rapidamente o álcool do que o faria o aparelho digestório. Também acorde com o que mencionam, a experiência traria um misto de prazer sexual e o proporcionado pelo álcool.
É neste preciso ponto que gostaria de focar. Não que a questão da saúde, da prática em si do experimento (bizarro), ou da necessidade da busca em diversos quadrantes (entre outros da psicologia, ou da sociologia) não devam ser procuradas, mas, por ora, parece interessante examinar mais de perto a alegação da busca pelo prazer que a experiência alegadamente proporciona. De todo modo, a respeito das demais questões, não resisto a dizer, só para provocar, que chegamos ao ápice de uma espécie grotesca de “sociedade líquida”[3].
Voltando à busca pelo prazer...
Jeremy Bentham, autor que inaugurou a escola jurídica utilitarista, sugeriu, logo no início de um de seus mais importantes trabalhos, que leis justas e, portanto, passíveis de aplicação em sede judicial, seriam aquelas que, avaliadas sob o ponto de vista dos efeitos reais que causam, produzissem a maior felicidade para o maior número de pessoas possível[4]. Seríamos todos, de acordo com ele, regidos por dois senhores: a busca pelo prazer e a fuga da dor. Estes parâmetros deveriam nortear todas as nossas condutas, desde a ação mais íntima e privada, até a confecção de leis e os movimentos administrativos passíveis de reger o convívio em sociedade.
Sob este ponto de vista, o que pretendem os jovens com a sua prática no mínimo curiosa, enquadra-se no mesmo ideário que deve nortear a conduta estatal. Afinal, os senhores mencionados por Bentham não conhecem limites entre o que é privado ou público. Admitir, portanto, que, a longo prazo, a pessoa que pingou a vodka no olho, agora já um senhor, ou uma senhora, tenha que receber tratamento estatal, com aportes financeiros públicos, não deve gerar qualquer espécie de repúdio, já que a sua atividade privada é fruto da mesma compreensão estatal acerca do tema.
Claro, a questão pode ser vista sob outro enfoque. Haverá, decerto, não um punhado de pessoas, mas muitas delas que não se tornariam mais felizes em saber que o produto de seu trabalho retirado do correspondente patrimônio por intermédio de tributos está agora sendo utilizado para tratar alguém que, sabe-se lá quando, teve a ideia de introduzir um absorvente interno embebido em álcool na vagina, ou algo pior no ânus, com o mesmo produto; e agora necessita dos cuidados estatais pela sua conduta depreciativa da saúde.
Repare que a visão dos dois senhores, antes bem clara na formatação primária de Bentham, agora se torna um pouco desfocada e turva, talvez como decorrência do colírio etílico. Curioso destacar, ainda, sob a mesma perspectiva, que o que para uma pessoa pode ser considerado prazer, para outro assim não o será; ao contrário, será muito doloroso perder parte de seu patrimônio para financiar a recuperação desta e outras igualmente desastrosas práticas.
Este é o ponto central da reflexão. Não há valor que possa ser tido como unívoco. Todos são multifacetários e, por isso, não podem ser utilizados como medida para coisa alguma, principalmente no que toca ao aparelho público. Tão prejudicial como a bizarra busca do prazer através de álcool introduzido em diversas partes do corpo é a colonização de espaços públicos para satisfazer interesses privados, quer pela corrupção, quer simplesmente pela escolha de ações que deveriam ter o particular como ponto de partida, mas não se apresentam assim.
Não estou, com esse pensamento, defendendo uma espécie de liberdade extrema, em que cada qual faz o que pensa desde que possa arcar com as consequências de suas condutas; e o aparato público, por outro lado, de tamanho hiper-mínimo, não pode alcançar a quem quer que seja em suas escolhas particulares. Não parece que seja esse tampouco o caminho.
Aliás, não pretendo sugerir aqui qualquer caminho a seguir, senão apenas pontuar que condutas possuem consequências para terceiros que não são, de regra, obrigados a com elas arcar. O Superior Tribunal de Justiça recentemente tem decidido que, por força do princípio da solidariedade e por vezes à míngua do preenchimento dos correspondentes requisitos jurídicos, indenizações devem ser pagas. Fico, assim, imaginando se, por força do mesmo princípio, no futuro deveremos custear o tratamento destes jovens mencionados na coluna, admitir a distribuição de dinheiro público a outros países como resultado de práticas políticas que só depreciam a nossa economia, ou condutas similares, públicas ou particulares.
Talvez sim, seja pela solidariedade, seja pela passividade, seja, ainda, porque realmente não fazemos boas escolhas; mas que vodka no olho dos outros é refresco, isso não há como negar.
Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!
Notas e Referências:
[1] Uma das várias matérias a esse respeito pode ser visualizada em: http://www.dailymail.co.uk/health/article-1347921/Vodka-eyeballing-dangerous-drinking-game-cause-blindness-warns-expert.html. Acesso em 01 janeiro de 2016.
[2] Íntegra do relato pode ser encontrada, entre outros, no seguinte endereço eletrônico: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/jovens-consomem-alcool-pelo-anus.html. Acesso em 04 janeiro de 2016.
[3] Essa menção é apenas irônica. Os diversos trabalhos de Zygmunt Bauman tratando do tema da sociedade líquida, modernidade líquida etc não tem, evidentemente, qualquer correlação com o tema central da coluna desta semana.
[4] Esta é a clássica forma de manifestação da escola utilitarista inaugurada por Jeremy Bentham e explorada no campo teórico principalmente nas obras “An Introduction of the Principles of Morals and Legislation” e “The Theory of Legislation”. Na primeira obra, já se afigura clássica a passagem, exposta no capítulo 1, ao tratar do princípio da utilidade, segundo a qual “Nature has placed mankind under the governance of two overeign masters: pain and pleasure.” BENTHAM, Jeremy. An Introduction of the Principles of Moral and Legislation. London: Clarenton Press, 1873, p. 1
Tiago Gagliano é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.
Imagem Ilustrativa do Post: Got Vodka? // Foto de: Maiquel Borges // Sem alterações
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