VOCÊ JÁ OUVIU FALAR SOBRE OS 7 PRINCÍPIOS DE CHICAGO?

20/12/2019

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Ouça aqui a leitura do texto!

A ideia desta coluna é apresentar aos nossos alunos um tema a ser explorado. Sabemos que, provavelmente, nas suas disciplinas da graduação, não houve espaço para os 7 Princípios de Chicago. O tema é tão importante que merece uma atenção especial na graduação. Mas não se pode negar a realidade. A Faculdade de Direito abrange o estudo de tantos assuntos diferentes que é quase impossível explorar tudo aquilo que tem relevância.

A sorte dos nossos alunos é que o estudo do Direito é infinitivo. Não há prazo de duração. Temos dito que é uma ilusão eles acharem que se formam na formatura. Após cinco anos de estudos, os alunos desfrutam merecidamente da cerimônia de conclusão do curso de graduação, mas não se formam. Aliás, é ilusão acharmos que, em algum momento da vida, estamos formados porque, assim como ocorre no Direito, a vida é um processo de contínuo aprendizado. É possível evoluir, mas a obra nunca ficará verdadeiramente acabada.

É com esse espírito que apresentamos agora, aos nossos alunos, os 7 Princípios de Chicago. Trata-se de uma ligeira apresentação cujo objetivo é somente despertar o seu interesse pelo assunto.

Já tivemos a oportunidade de escrever neste espaço uma coluna dedicada à chamada Justiça de Transição[1], oportunidade em que a definimos como sendo a implementação de medidas cuja necessidade decorre das graves violações a direitos humanos ocorridas em determinadas regiões, seja com a punição dos seus responsáveis, seja com a reparação dos prejuízos experimentados, seja com a restauração e manutenção da paz.

Lamentavelmente, a história tem revelado a existência de muitas situações nas quais ocorrem graves violações aos direitos humanos, impondo-se a milhares de pessoas um grande sofrimento. Existem casos em que o número de vítimas atinge milhões de pessoas, como ocorreu no episódio do nazismo, o qual ainda hoje repercute em várias partes do mundo, com a lembrança do sofrimento experimentado pelos judeus.

Em verdade, mesmo após cessado o período de atrocidades, o que se verificam são reflexos que se estendem por grande lapso temporal, continuando a interferir na vida das pessoas, direta ou indiretamente, envolvidas nas graves violações aos direitos humanos. É nesse panorama que a justiça de transição atua para, além de punir os responsáveis pelas atrocidades, viabilizar a verdadeira reconstrução das regiões afetadas, a fim de que consigam, efetivamente, a pacificação almejada e a diminuição do risco de novos conflitos ocorrerem.

Os Princípios de Chicago, criados por Cherif Bassiouni, vem ao encontro desses propósitos, uma vez que consistem em diretrizes básicas que buscam fixar as estratégias e as políticas mais eficazes para lidar com as necessidades específicas de cada local afetado pelas graves violações aos direitos humanos.

A realização da Justiça de Transição decorre da percepção histórica no sentido de que nunca é simples a mudança da realidade nos locais em que houve graves violações aos direitos humanos.

Em outras palavras, é preciso reconhecer que, superadas as violações aos direitos humanos em determinadas regiões, ainda assim é necessária a implementação de medidas que visem a evitar novas violações, bem como a implementação de medidas que busquem viabilizar a adequada transição do período de conflito para o período de pacificação, a fim de que a paz possa ser restaurada e, depois, mantida.

 Apenas para que se possa quantificar a importância da Justiça de Transição, Cherif Bassiouni[2] esclarece que, entre os anos de 1945 e 2008, ocorreram nada menos do que 313 de conflitos que representaram graves violações aos direitos humanos, estimando-se que tenham sido mortas de 92.000.000 a 101.000.000 de pessoas, sem contar os estragos causados em um número incalculável de pessoas, as quais sofreram graves ofensas físicas, psicológicas e materiais.

Aliás, importância de Cherif Bassiouni é inegável.

O mencionado Professor nasceu em 9 de dezembro de 1937, no Egito, e morreu em 25 de setembro de 2017, tendo sido professor emérito de Direito na DePaul University[3], tendo lecionado durante os anos de 1964 e 2012.

Ele foi membro fundador do Instituto Internacional de Direitos Humanos da DePaul University, atuando como o seu presidente no período de 1990 a 1997, sendo frequentemente referido pela mídia como o padrinho do Direito Penal Internacional e como especialista em crimes de guerra.

O citado autor escreveu 38 livros e 255 artigos sobre Direito Penal Internacional, Direito Penal Comparado, Direitos Humanos e Direito Penal nos Estados Unidos da América, sendo certo que algumas de suas publicações foram citadas pela Corte Internacional de Justiça, Tribunal da antiga Iugoslávia, Tribunal de Ruanda, Corte Europeia de Direitos Humanos e os mais altos tribunais de vários países, como Estados Unidos da América, Austrália, Canadá, Índia, Israel, Trinidad e Tobago, África do Sul, Inglaterra e Nova Zelândia

Não custa registrar que vários de seus livros e artigos foram traduzidos para diversas línguas, tais como árabe, chinês, francês, alemão, húngaro, italiano, persa, português, russo e espanhol.

Em 1997, Cherif Bassiouni foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz em razão do trabalho que desenvolveu no campo da justiça criminal internacional e também pela sua contribuição para a criação do Tribunal Penal Internacional.

Cherif Bassiouni definiu os chamados Princípios de Chicago, os quais tratam de medidas penais e não penais que devem ser compreendidas e colocadas em prática, a fim de que haja a efetiva restruturação do Estado e, por consequência, o estabelecimento do Estado de Direito.

Tais princípios, segundo o mencionado autor, devem servir como premissas para a realização da justiça de transição, uma vez que as graves violações aos direitos humanos impõem não só a responsabilização penal internacional, mas também a adoção de medidas que consigam garantir a paz, a reconciliação e a manutenção da democracia.

Para o autor, a comunidade internacional mostra-se um tanto quanto despreparada no momento em que a justiça de transição deve ser colocada em prática, havendo situações em que a Organização das Nações Unidos e os governos envolvidos chegam a adotar meios improvisados e ineficientes, razão pela qual é fundamental a observância de princípios que estabeleçam uma linguagem comum.[4]

São sete os Princípios de Chicago.

Primeiro princípio: “Os Estados devem julgar os supostos autores de graves violações aos direitos humanos e ao direito humanitário”.[5]

Segundo princípio: “Os Estados devem respeitar o direito à verdade e encorajar investigações formais das violações passadas, promovidas pelas comissões da verdade ou por outros organismos”.[6]

Terceiro princípio: “Os Estados devem reconhecer a condição especial das vítimas, garantir o acesso à justiça e desenvolver recursos e reparações”.[7]

Quarto princípio: “Os Estados devem implementar políticas de veto, sanções e medidas administrativas”.[8]

Quinto princípio: “Os Estados devem apoiar programas oficiais de conservação da memória em relação às vítimas, educar a sociedade sobre a violência política do passado e preservar a memória histórica”.[9]

Sexto princípio: “Os Estados devem apoiar e respeitar as abordagens tradicionais, indígenas e religiosas sobre as violações do passado”.[10]

Sétimo princípio: “Os Estados devem realizar mudanças institucionais para alcançar o Estado de Direito, restaurar a confiança pública, promover os direitos fundamentais e apoiar a boa governança”.[11]

Diante de tudo o que foi exposto, o que se percebe, de forma nítida, é a preocupação existente pelo criador dos princípios de Chicago – Cherif Bassiouni – no sentido de estabelecer diretrizes para a superação dos graves momentos pelos quais passaram muitas regiões ao longo da história.

Tal preocupação não se limita ao restabelecimento formal das regiões atingidas, alcançando-se o panorama com a maior profundidade possível para fornecer elementos capazes de suportar de forma consistente todo o processo de pacificação e criando-se um ambiente capaz de evitar novas violações aos direitos humanos.

Dessa maneira, apresentados os 7 Princípios de Chicago, esperamos ter despertado o interesse dos nossos alunos e desejamos que tenham um ótimo estudo. Estudar as matérias básicas na Faculdade de Direito é fundamental. Mas é importante que os alunos também busquem se aprofundar em outros assuntos.

 

Notas e Referências

[1] Couto, Ana Paula; Couto, Marco. A importância da Justiça de Transição. Empório do Direito. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/a-importancia-da-justica-de-transicao>. Acesso em: 19 jul. 2019.

[2] BASSIOUNI. Mahmoud Cherif. Introduction. In: The pursuit of international criminal justice: a world study on conflicts, victimization, and pos-conflict justice. Vol. 1. BASSIOUNI, Mahmoud Cherif. (ed.). Antwerp – Oxford – Porland: Intersentia, 2010, p. xiii.

[3] A DePaul University é uma universidade privada estadunidense, situada em Chicago, no estado de Illinois, que foi fundada em 1898. Foi considerada, em 2018, a maior universidade católica dos Estados Unidos da América, tendo cerca de 16000 estudantes.

[4] BASSIOUNI, Mahmoud Cherif; ROTHENBERG, Daniel. Facing atrocity: the importance of guiding principles on post-conflict justice The Chicago principles on pos-conflict justice. International human rights law institute, 2007, p. 1.

[5] “States shall prosecute alleged perpetrators of gross violations of human rights and humanitarian law.”

[6] “States shall respect the right to truth and encourage foram investigations of past violations by truth commissions or other bodies.”

[7] “States shall acknowledge the special statusof victims, ensure access to justice, and develop remedies and reparations.”

[8] “States should implemente vetting policies, sanctions, and administrative measures.”

[9] “States should support oficial programs and popular initiatives to memorialize victims, educate society regarding past political violence, and preserve historical memory.”

[10] “States shoul support and respect traditional, indigenous, and religious approaches regarding past violations.”

[11] “States shall engage in institutional reform to support the rule of law, restore public trust, promote fundamental rights, and support good governance.”

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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