VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER – NOVA ALTERAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA E FALTA DE EFETIVIDADE NA PREVENÇÃO E PUNIÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA    

10/01/2019

 

 

Todo final de ano assistimos à profusão de leis votadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República, não raras vezes trazendo profundas mudanças em diplomas legais de acentuada importância.

Esse proceder nos dá a impressão de que não houve tempo suficiente, no decorrer do ano legislativo, para que esses importantes diplomas fossem discutidos e votados pelos congressistas que, em plena época de Natal e Ano Novo, resolvem fazer um “esforço concentrado” e nos brindar com muitas novidades legais que melhor teriam sido recebidas pela sociedade e pela comunidade jurídica nos meses antecedentes.

Em pleno período de recesso forense, férias escolares, compras de final de ano, todos preocupados com seus afazeres natalinos, raramente é dada a devida repercussão, pelos meios de comunicação de massa, às importantes alterações legislativas que vêm a lume nos últimos dias de atividade do poder legislativo federal.

Assim é que no dia 20 de dezembro próximo passado foi publicada a Lei nº 13.772, sancionada no dia anterior, alterando a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e o Código Penal, para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.

Conforme já tivemos oportunidade de ressaltar em artigos anteriores, a violência contra a mulher é tema recorrente nos noticiários policiais, indicando que, cada vez mais, o assunto deve ser debatido e discutido pela sociedade moderna, buscando-se a conscientização da população masculina, senão pela educação, pela punição exemplar no âmbito da justiça criminal.

Nesse aspecto, ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei nº 11.340/06, denominada popularmente “Lei Maria da Penha”, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero, uma das formas mais preocupantes de violência, já que, na maioria das vezes, ocorre no seio familiar, local onde deveriam imperar o respeito e o afeto mútuos.

A Lei Maria da Penha deu concretude ao texto constitucional (art. 226, §8º, CF) e aos tratados e convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, com a finalidade de mitigar, tanto quanto possível, esse tipo de violência doméstica e familiar (não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral).

Preceituando que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, a Lei nº 11.340/06 estabeleceu, no art. 5º, aquilo que configura violência doméstica e familiar contra a mulher, como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, coroando a tutela dos vulneráveis e denotando a verdadeira essência do princípio da igualdade.

Ora, o art. 7º da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) estabeleceu como formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras, a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força, que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação, ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; e a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A recente modificação legislativa instituída pela nova Lei nº 13.772/18 incidiu sobre o que se entende por “violência psicológica” contra a mulher (prevista no art. 7º, II, da Lei Maria da Penha), reconhecendo como tal também a “violação da sua intimidade”, visando justamente preservá-la da nova conduta criminosa, também inserida pela recente lei no Código Penal, consistente em “produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes”, crime esse que será objeto de outro artigo nosso.

Portanto, a violação da intimidade da mulher passa a ser considerada forma de violência psicológica e também passível de proteção pela Lei Maria da Penha, por meio dos mecanismos já estabelecidos e principalmente pelas medidas protetivas de urgência.

Entretanto, de nada adianta a aplicação de medidas protetivas de urgência ao agressor, se estas medidas não forem cumpridas, respeitadas e adequadamente fiscalizadas pelas autoridades públicas, por meio de instrumentos coercitivos adequados e de severa punição do agressor que porventura descumpri-las.

O cenário que se vê, entretanto, infelizmente, na maioria das localidades do País, é o total desprezo pelas referidas medidas protetivas por parte dos agressores, sem qualquer tipo de punição ou de ação mais severa por parte das autoridades policiais e judiciárias, faltando efetividade a esses importantes instrumentos de proteção à mulher em situação de violência doméstica que, não raras vezes, acaba sendo vítima de feminicídio, não obstante todas as garantias que lhe são dadas pela Lei Maria da Penha.

Portanto, voltamos ao tema do nosso artigo: falta efetividade na prevenção e na punição da violência doméstica e familiar contra a mulher, de nada adiantando as demagógicas e populistas mudanças legislativas açodadamente aprovadas no apagar das luzes pelo Congresso Nacional.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Woman // Foto de: Blondinrikard Fröberg // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/blondinrikard/14135607987

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura