VIOLAÇÃO DA URNA ELETRÔNICA E O NOVO CRIME DE INTERRUPÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL  

16/09/2021

A recente Lei n. 14.197, sancionada pelo Presidente da República e publicada no DOU no dia 2 de setembro de 2021, acrescentou o Título XII na Parte Especial do Código Penal, relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Dentre os novos crimes tipificados pela citada lei, se destaca o previsto no art. 359-N, inserido no Código Penal com o “nomen juris” de “Interrupção do processo eleitoral”.

Esse crime de interrupção do processo eleitoral vem previsto no Capítulo III do Título XII, que trata “Dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral.”

O novo crime do art. 359-N do Código Penal tem a seguinte redação:

“Art. 359-N. Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.”

Trata-se evidentemente de um dispositivo penal que tem como objetividade jurídica a tutela do regular funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral.

Já no preâmbulo da Constituição Federal vem estabelecida a instituição de um Estado Democrático: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

No art. 1º da Carta Magna também vem estabelecido que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, rematando o parágrafo único que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Portanto, a lisura do processo eleitoral, permitindo ao povo a escolha livre, democrática e transparente de seus representantes, é o cerne do Estado Democrático de Direito.

Assim, o novo art. 359-N do Código Penal pune aquele que impede ou perturba a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral.

É sabido que o processo eleitoral é constituído de uma série de fases organizativas das eleições, que vão desde o registro dos candidatos até a diplomação dos eleitos, passando, necessariamente, pela votação e pela apuração, etapas especialmente protegidas pelo dispositivo penal ora em análise.

Como é cediço, o Brasil é um dos países do mundo que adota o processo eletrônico de votação, por meio de urnas eletrônicas. A urna eletrônica, segundo definição fornecida pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral, é um microcomputador de uso específico para eleições, com as seguintes características: resistente, de pequenas dimensões, leve, com autonomia de energia e com recursos de segurança. Dois terminais compõem a urna eletrônica: o terminal do mesário, onde o eleitor é identificado e autorizado a votar (em alguns modelos de urna, onde é verificada a sua identidade por meio da biometria), e o terminal do eleitor, onde é registrado numericamente o voto.

A segurança do sistema eletrônico de votação (formato PDF) é feita em camadas. Por meio de dispositivos de segurança de tipos e com finalidades diferentes, são criadas diversas barreiras que, em conjunto, não permitem que o sistema seja violado. Em resumo, qualquer ataque ao sistema causa um efeito dominó e a urna eletrônica trava, não sendo possível gerar resultados válidos. Com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento do software e/ou do hardware da urna eletrônica, demonstrando a transparência do sistema, o TSE realiza o Teste Público de Segurança do sistema eletrônico de votação, ocasião em que investigadores inscritos apresentam e executam planos de ataque aos componentes externos e internos da urna eletrônica.

A Lei n. 4.737/65 (Código Eleitoral) já tipifica alguns delitos que visam punir quem compromete o processo eleitoral, podendo ser citados como exemplos os arts. 234, 296, 297, 302 e 312, dentre outros. Não havia nenhum dispositivo anterior protegendo o sistema eletrônico de votação.

Sujeito ativo do novo crime pode ser qualquer pessoa, envolvida ou não no processo eleitoral, incluídos aqui os “hackers” ou qualquer outro indivíduo que viole indevidamente os mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral.

Vale ressaltar que a lei pune a “violação indevida” dos mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação, justamente porque a própria Justiça Eleitoral, por meio do denominado Teste Público de Segurança (TPS), realizado, preferencialmente, no ano anterior às eleições, traz a participação e colaboração de especialistas na busca por problemas ou fragilidades que, uma vez identificadas, serão resolvidas e testadas antes da realização das eleições. Esse Teste Público de Segurança é um evento fixo no calendário eleitoral – previsto na Resolução nº 23.444, do TSE – em que qualquer pessoa pode apresentar um plano de ataque aos sistemas eleitorais envolvidos na geração de mídias, votação, apuração, transmissão e recebimento de arquivos. Portanto, pode haver uma “violação devida” dos mecanismos de segurança, supervisionada pela Justiça Eleitoral, a qual, evidentemente, não caracteriza infração penal.

As condutas típicas vêm expressas pelos verbos “impedir” (obstar, inibir, impossibilitar) e “perturbar” (embaraçar, importunar, causar desordem). O impedimento ou perturbação devem atingir “a eleição ou a aferição de seu resultado” e ser necessariamente causados mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral. Caso o impedimento ou perturbação seja causado por qualquer outro meio que não seja a violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação, poderá estar tipificada outra conduta criminosa prevista no Código Eleitoral.

Outrossim, cuida-se de crime doloso, que se consuma com o efetivo impedimento (obstaculização – a eleição ou a aferição de seu resultado não se realiza) ou perturbação (embaraço – a eleição ou a aferição de seu resultado se realiza, embora com maior dificuldade e estorvo) justamente em virtude da violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral, que deve obrigatoriamente ocorrer. A tentativa é admissível.

Por fim, trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, sendo cabível o acordo de não persecução penal desde que cumpridos os demais requisitos estampados no art. 28-A do Código de Processo Penal.

 

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