Em tempos de pandemia e de escassez de recursos é importante que sejam definidos critérios objetivos para a tomada das decisões.[1]
E uma questão essencial é saber como são feitas as escolhas para admissão e alta nas Unidades de Terapia Intensiva – UTI.
Conforme já destacado em outro texto (ler aqui: https://emporiododireito.com.br/leitura/teoria-da-decisao-judicial-e-criterios-para-admissao-em-uti-por-clenio-jair-schulze), a Resolução 2.156/2016 do Conselho Federal de Medicina é o ato normativo nacional que trata da matéria.
Em razão da pandemia COVID-19, em que há falta de leitos de UTI, questiona-se sobre a necessidade de nova regulação normativa[2].
Contudo, a norma do CFM regula razoavelmente o tema, tratando das principais questões, tais como:
a) a escolha é definida pelo médico intensivista – e equipe técnica do hospital (comitês, etc) – artigo 2º;
b) estabelece cinco critérios de priorização de acordo com a maior expectativa de sobrevida - artigo 6º;
c) indica critérios para admissão em unidades semi-intensivas - artigo 7º;
d) indica critérios para admissão em unidades de cuidados paliativos - artigo 8º;
e) preserva a isonomia vedando a escolha por critérios discriminatórios (cor, raça, religião, sexo, condição social, deficiência, etc) – artigo 9º.
Eventual lei nacional (ou qualquer outra forma democrática) definidora de critérios para admissão em UTI durante o cenário de exceção (COVID-19) precisaria escolher algum aspecto discriminatório para justificar a decisão. Na Itália, por exemplo, definiu-se que pessoas maiores de 65 anos não seriam admitidas em UTI no auge da crise (gerontocídio).
Será que um ato normativo com normas discriminatórias teria sua validade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal – STF? Considerado o histórico das suas decisões, é muito alta a possibilidade de declaração da inconstitucionalidade de uma lei não isonômica.
Assim, a melhor opção seria deixar o espaço decisório aos médicos, que conhecem a realidade e o quotidiano do ambiente de terapia intensiva. A própria Resolução 2.156/2016 autoriza a regulamentação por intermédio de protocolos específicos desenvolvidos pelas unidades hospitalares, de acordo com suas peculiaridades.
Vale dizer, o engessamento normativo poderia limitar a atuação do corpo médico intensivista. Um protocolo rígido dificultaria o acerto da decisão, que precisa ser rápida – principalmente no cenário de pandemia.
No momento de exceção, de alta carga de stress, é preciso que o profissional da linha de frente esteja confortado para decidir. Assim, a regulamentação existente (CFM) contempla alguns parâmetros importantes para o ato decisório.
De qualquer forma, eventuais abusos ou violações à Resolução 2.156/2016 e ao Código de Ética Médica poderão ensejar a aplicação de sanções administrativa, civil e/ou criminal, cabendo ao Judiciário, na hipótese de provocação, o controle e a avaliação adequada, adotando, sempre que possível, postura de autocontenção.
Notas e Referências
[1] O texto é produzido em razão da participação do autor de webinar promovida pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional da 4a Região – TRF4.
[2] WANG, Daniel Wei Liang, DE LUCCA-SILVEIRA, Marcos. Como na Itália, falta de UTI nos fará escolher entre quem vive e quem morre. Folha de São Paulo, 1º Abr. 2020. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/04/como-na-italia-falta-de-uti-nos-fara-escolher-entre-quem-vive-e-quem-morre.shtml. Acesso em: 30 Abr. 2020.
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