Um chasque para concurseiro

19/02/2018

Coordenador Márcio Berclaz

 

Mamãe quando eu crescer

Eu quero ser artista

Sucesso, grana e fama são o meu tesão

Entre os bárbaros da feira

Ser um reles conformista

Nenhum supermercado satisfaz meu coração

 ... Ahh! Quanto rock dando toque, tanto blues

E eu de óculos escuros vendo a vida e mundo azul  (Belchior, Dandy)

A opção por carreiras públicas cresce na proporção da precarização das relações de trabalho. As promessas de instabilidade, salário e condições mais dignas de trabalho são um combustível natural para impulsionar a opção por concursos públicos. Em um cenário passado recentemente, em que os serviços públicos se expandiam, a opção pelo ingresso no serviço público, em grande medida, encontrava lastro para amparar o volume de pessoas que estavam nessa busca. Com isso, formou-se a indústria dos concursos.

O curto período de expansão qualitativa e quantitativa dos serviços públicos foi concomitante com a consolidação da visão neoliberal de mundo. Na subjetividade das pessoas florescem ideais individualistas, os quais colocam a competição como sendo um valor a ser firmado na sociedade. Ancorada nos ditames da autoajuda, surge a crença de que cada um pode construir sua vida a partir do próprio esforço, de forma indiferente aos condicionantes sociais, os quais poderiam ser contornados graças, exclusivamente, ao esforço pessoal. Não existiriam mais vítimas da configuração econômica, política e cultural da sociedade, cada um por si seria capaz de “vencer”, sucesso e fracasso seriam demarcados pelo esforço individual.

Decorrente dessa percepção firma-se a crença da exclusão como sendo algo que melhoraria a sociedade. Por esta lógica, aquele que sucumbisse ao competir pelas poucas oportunidades não poderia ser visto como vítima, mas como culpado do fracasso que só a sua tibieza deu causa.

Este entendimento arrebatou grande parte dos postulantes aos postos de trabalho públicos, os quais vão formar uma categoria nominada não mais como estudantes, mas como “concurseiros”. Embora a denominação concurseiro devesse indicar uma dimensão do estudante em período de estudos e de seleção para uma função pública, com o tempo o termo passou a ser a condição de alguém em busca de um emprego público, o melhor possível, seja ele qual for, tendo como propósito predominante o conforto individual. Os cargos estatais seriam a fonte disso. Tal condição já é a expressão de uma visão neoliberal de mundo, pautada pelo individualismo e pela competição, na qual os laços sociais são fundados na disputa, cujo prêmio é a satisfação das necessidades, cumulada, às vezes, com deleite e ostentação. O concurseiro, na maioria dos casos, reproduz a lógica neoliberal pela qual os bens necessários à vida passam a ser um prêmio destinado aos melhores, os vencedores.

Animado pelas convicções neoliberais surge a caricata figura do concurseiro pelo estado mínimo, alguém que almeja ocupar um no lugar no Estado, ao mesmo tempo em  que pugna pela sua redução; ou seja, mais Estado para si, menos Estado para os demais. Essa evidente contradição devora o concurseiro por dois lados: por um, se a atuação estatal se encolhe, a demanda por novos quadros fica vez mais restrita; por outro, a degradação das condições de trabalho na iniciativa privada, provocada pela desregulamentação e desproteção social inerentes ao neoliberalismo, se converte em parâmetro para a redução de direitos dos servidores.

Os efeitos do comportamento descrito são a deterioração das funções públicas, em especial do Judiciário e do Ministério Público, cada vez mais sujeitos aos interesses predatórios ou às práticas pervertidas que buscam aplicar saídas simplistas para graves e complexos problemas sociais. Por conta disso, passado um curto período de expansão e valorização do serviço público, vai sendo construído um ciclo de precarização do serviço e das atividades públicas.

Nesse cenário, para o concurseiro, a melhor saída corporativa é não pensar corporativamente; ou seja, dimensionar politicamente a função pública que almeja, percebendo-a no contexto de inserção do Estado na sociedade. Indo além, o concurseiro necessita perceber que cargos públicos são funções públicas, valorizadas pelo efetivo serviço que prestam ao povo, pois ele ainda vai fazer valer a titularidade do poder político que possui. Coragem, filho da luta!

 

Imagem Ilustrativa do Post:Como ser o melhor em um concurso público // Foto de: Pensa Brasil // Sem alterações

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