TERRORISMO: OS EXATOS CONTORNOS DESTE CRIME NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

26/01/2023

O terror tem se espalhado pelo mundo e, embora não seja um fenômeno recente, vem trazendo desassossego à população de diversos países e ensejando o recrudescimento das legislações penais, muitas vezes em detrimento de liberdades e garantias a duras penas conquistadas.

É que a luta contra o terrorismo invariavelmente faz com que as liberdades constitucionais e as liberdades fundamentais sejam substituídas pela cultura da segurança nacional.

No Brasil, a Doutrina da Segurança Nacional, muito cultuada e disseminada em passado recente, ensejou uma peculiar tipificação do crime de terrorismo, na antiga Lei n. 7.170/83, que definiu os crimes contra a segurança nacional. Essa lei de segurança nacional sucedeu a Lei n. 6.620/78, que estabelecia, em seu art. 1º, que “toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional, nos limites definidos em lei”. A Lei n. 7.170/83 foi revogada expressamente pela Lei n. 14.197/21 que acrescentou o Título XII na Parte Especial do Código Penal, relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Abstraídas as injunções políticas da antiga lei brasileira, a citada disposição muito se assemelhava às diretrizes que vêm sendo estabelecidas por diversos países da Europa e pelos Estados Unidos, determinando a todo cidadão a obrigação de cuidar da segurança nacional contra o terrorismo. Nesse sentido, inclusive, a cartilha antiterror do Departamento de Defesa norte-americano.

Vale mencionar que, no Brasil, o Decreto n. 3.018/99 promulgou a Convenção para Prevenir e Punir os Atos de Terrorismo Configurados em Delitos Contra as Pessoas e a Extorsão Conexa, Quando Tiverem Eles Transcendência Internacional, concluída em Washington, em 2 de fevereiro de 1971.

Dispõe o art. 1º da referida convenção que “Os Estados Contratantes obrigam-se a cooperar entre si, tomando todas as medidas que considerem eficazes de acordo com suas respectivas legislações e, especialmente, as que são estabelecidas nesta Convenção, para prevenir e punir os atos de terrorismo e, em especial, o sequestro, o homicídio e outros atentados contra a vida e a integridade das pessoas a quem o Estado tem o dever de proporcionar proteção especial conforme o direito internacional, bem como a extorsão conexa com tais delitos”.

Pois bem, a revogada Lei n. 7.170/83, em seu art. 20, punia com reclusão de 3 a 10 anos as condutas de “devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”.

Na atual Lei Antiterror - Lei n. 13.260/2016 – terrorismo foi definido como a prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos no seu art. 2º, § 1º, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Percebe-se, portanto, que, no Brasil, para a tipificação do crime de terrorismo, o agente deve praticar as condutas típicas estampadas no § 1º do art. 2º da lei, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Ausentes essas razões, não há crime de terrorismo.

A nova lei enumerou, no § 1º do art. 2º, o que entende por “atos de terrorismo”, punindo sua prática com a pena de reclusão de 12 a 30 anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência, nos seguintes termos:

a) Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa.

b) Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento.

c) Atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa.

Entretanto, um dos aspectos mais importantes da Lei Antiterror e que não pode ser ignorado ou afastado por nenhum operador do Direito, é a diferenciação entre atos terroristas e manifestações sociais, que foi inserida no texto da lei durante a sua tramitação no Congresso Nacional, para atender ao anseio de deputados, senadores e entidades da sociedade civil que temiam a aplicação desse diploma para sufocar e reprimir movimentos populares que buscassem o direito ao livre exercício do protesto como forma democrática de oposição ao “status quo”.

Nesse sentido, o § 2º do art. 2º dispôs expressamente que não constituem atos de terrorismo a “conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.

Evidentemente que se ocorrem delitos outros durante os protestos, manifestações políticas, movimentos sociais, movimentos sindicais etc, devem eles ser apurados e punidos com o rigor da legislação penal em vigor, reservando-se a tipificação de terrorismo aos atos praticados pelas razões estampadas no “caput” do art. 2º da lei, ou seja, por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.

 

 

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