Questão importante é saber se durante a pandemia COVID-19 é possível a realização de teleperícias nos processos judiciais.
Em razão do isolamento e da dificuldade de locomoção, as pessoas não podem se deslocar até o consultório médico ou ao prédio da Justiça. Assim, as perícias ficam paralisadas.
O artigo 92 do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2217, 27/09/2018) estabelece que:
É vedado ao médico:
Art. 92. Assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação médico-legal quando não tenha realizado pessoalmente o exame.[1]
Além disso, também existe um parecer do CFM nº 3/2020, cuja ementa dispõe o seguinte:
O médico Perito Judicial que utiliza recurso tecnológico sem realizar o exame direto no periciando afronta o Código de Ética Médica e demais normativas emanadas do Conselho Federal de Medicina.[2]
Contudo, a Lei 13.989, de 15 de abril de 2020, autorizou a prática da telemedicina durante a pandemia SARS-CoV-2[3]. É inegável que a teleperícia se insere no conceito de telemedicina. Esta é gênero da qual aquela é espécie.
Assim, durante a pandemia é ilegal a vedação prevista no Código de Ética e também no parecer CFM acima mencionado.
Vale dizer, apenas uma Lei Federal poderia proibir a atividade de teleperícia, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Assim, é o que diz a Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 5º:
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; [grifado]
Ou seja, inexiste lei – em sentido estrito – vedando a teleperícia. Mas existe, de outro lado, lei que expressamente autoriza a prática da telemedicina, razão pela qual nenhum médico poderá ser punido por praticar a teleperícia (diante da sua legalidade).
Além disso, é importante mencionar que o Conselho Nacional de Justiça também editou a Resolução 317, de 30/04/2020, autorizando a prova pericial “em meios eletrônicos ou virtuais em ações em que se discutem benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais, enquanto durarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus, e dá outras providências.”[4]
Neste contexto, os atos normativos infralegais do CFM ficam superados pela lei nacional que autoriza a telemedicina e também pela Resolução do CNJ (que é específica para o tema e tem valor normativo superior a um parecer do CFM).
Por fim, é inegável que o médico deverá avaliar os casos em que é possível a teleperícia, rejeitando a prática diante das situações em que há impossibilidade fática da sua adoção.
Notas e Referências
[1] BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 11 Jun. 2020.
[2] BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Parecer CFM nº 3/2020. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28670:2020-04-23-11-42-43&catid=3. Acesso em: 11 Jun. 2020.
[3] SCHULZE, Clenio Jair. Telemedicina em tempos de COVID-19. Revista Empório do Direito. 08/06/2020. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/telemedicina-em-tempos-de-covid-19. Acesso em: 11 Jun. 2020.
[4] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 317 de 30/04/2020. Dispõe sobre a realização de perícias em meios eletrônicos ou virtuais em ações em que se discutem benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais, enquanto durarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus, e dá outras providências. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3302. Acesso em: 11 Jun. 2020.
Imagem Ilustrativa do Post: Regular Checkups // Foto de: Sonny Abesamis // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/enerva/11787823884
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode