Por Cyro Marcos da Silva - 04/06/2015
Uma imagem e um muro. Um retrato na parede. Em preto e branco, o branco de todas as cores e o preto de todas as ausências.
O retrato de um rosto, de um olhar, voltado e entregue a um outro olhar.
Um retrato solitário como a CCC modo que nos estranhamos quando nossa voz nos retorna em eco.
Um retrato que duplica nossa imagem, congelando-a num tempo perdido, escorrido, ido embora, deixando rastros na lembrança.
Um retrato marcando nossa transitoriedade neste mundo e que já nos interroga, já nos faz uma pergunta que causa um desconcerto, um desarranjo. A pergunta seria: onde ficou perdida a minha face, do tempo em que aqui transitei e que o retrato fez uma tentativa mal sucedida de não deixar escapar?
O retrato, avarento por um lado, ao me devolver apenas uma única e mesma origem ou imagem, por outro lado é generoso, ao tentar perpetuá-la além do tempo em que a carne lhe dá suporte.
Já teremos um dia desaparecido, seremos apenas por algum tempo lembranças fugazes nas falas dos que nos sucederem nas gerações e aí estarão pendurados nossos retratos e um olhar, não se sabe de que, neles apontado.
O que importa é que de onde não mais nos vemos ainda poderão nos ver. Por um pouco mais de tempo.
De nós, aqui deixaremos este pequeno recorte de imagem, sustentados num silencioso e firme prego. Nesta galeria, cada retrato testemunha a singularidade e, por isto, também a solidão de cada um de nós.
Este não será O Retrato; o retrato de todos os retratos. É um dos retratos; um retrato e um nome.
Que será isto daqui a muitos anos, décadas ? ( nem ouso falar em século ) senão, um testemunho lacônico e quase indizível de nossa passagem?
Um tempo, um lugar, uma imagem, como em um sonho irá seesmaecendo, se apagando, se desdobrando, se amarelando.
Nada aqui lembra o retrato de Dorian Gray; não será só este quem envelhecerá. Tal destino será debitado em nossa carne.
Haverá um dia em que atrelado a este retrato, haverá apenas a secura de um nome; de um nome próprio.
Vejam bem, um nome próprio, o que menos sentido tem, apenas uma imagem acústica, no meu caso, um som de cyro marcos da silva, — apenas isto, será a chave do ponto culminante de nossa representação.
Agradeço a todos que me deram a oportunidade de por aqui deixar um rastro meu: na parede, um retrato; nas suas orelhas, em seus ouvidos, umas palavras.
É muito importante que este rastro, este resto, seja acolhido, como está sendo, num local que foi nosso lugar de trabalho, onde tivemos a função de decidir partes de alguns destinos, às vezes em momentos em que nossas próprias vidas suspendiam decisões.
Em TEIXEIRAS deixamos um tempo de nossas vidas, nosso trabalho, agora nossa imagem.
Um registro, uma marca, que como nos lembra o Direito Comercial, nos fala de uma pertença.
Nossas marcas foram deixadas pelos nossos escritos, nossas falas, e agora, por último, tentamos esticá-las um pouco mais num retrato na parede. A parede suportará mais tempo.
Começa, inaugura-se aqui hoje um novo tempo, um tempo de silêncio. O retrato não vê, mas nele há um olhar. O que este olhar terá de angustiante, o tempo irá amortecendo, amor-tecendo, tecendo para alguém que, — quem sabe? — um dia diante deles, poderá começar a construir uma história, tecer lendas que começarão assim:
Houve um tempo . . .
Era uma vez . . .
Sabe, aqui em Teixeiras, um dia, chegou, Dr Fulano ou Dra. Sicrana, e então, ah, você se lembra? Não? Como foi mesmo, etc. . . etc . . . etc.
Cyro Marcos da Silva é ex-Promotor de Justiça, ex-Professor de Processo Civil, Juiz de Direito aposentado do TJRJ e Psicanalista. Publica regularmente no Empório do Direito nas quintas-feira. No Facebook aqui
Imagem Ilustrativa do Post: face // Foto de: gael // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/northerngreenpixie/124870269/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode