Sanduíches gigantes, segurança alimentar e direitos do consumidor

14/11/2016

Por Vitor Vilela Guglinski – 14/11/2016

Inicialmente, registre-se que o objetivo do presente texto não é o de condenar o consumidor de fast foods a arder no fogo do inferno por consumir alimentos calóricos e de baixo valor nutricional. Afinal, ninguém é de ferro; com moderação, as guloseimas são sempre bem vindas ao cardápio para nos proporcionar momentos de prazer à mesa. Tampouco se pretende esgotar o tema, servindo o presente artigo, antes de tudo, para convidar o leitor a refletir sobre seu conteúdo e fomentar o debate.

Pois bem.

Ultimamente, tem chamado atenção diversas publicidades em que lanchonetes desafiam os consumidores a devorarem sanduíches gigantes, sob a promessa de prêmios em dinheiro ou mesmo de o consumidor não pagar pelo lanche, caso consiga consumi-lo em determinado espaço de tempo. Geralmente, são super sanduíches extremamente calóricos, contendo grande quantidade de carnes, ovos, bacon, queijos etc. (leia aqui: http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2015/12/r-1-mil-empresario-lanca-desafio-de-sanduiche-com-42-kg-e-eleva-vendas.html).

No caso mais recente, uma lanchonete de Fortaleza desafiou os consumidores a comerem um sanduíche que pesa 4 kg, batizado de “Big Monster”, sob a promessa de pagamento de um prêmio de R$300,00 a quem conseguir. Antes, o mesmo estabelecimento desafiava o consumidor a comer, no tempo máximo de 1 hora, um sanduíche “menor”, pesando 2,5 kg (leia aqui: http://tribunadoceara.uol.com.br/diversao/gastronomia/lanchonete-de-fortaleza-lanca-novo-desafio-coma-sanduiche-de-4-kg-e-ganhe-r-300/).

Ao que parece, esses desafios têm feito sucesso, atraindo consumidores a esses estabelecimentos, e promovendo a alegria dos empresários.

Contudo, aparentemente o consumidor não tem se atentado para dois detalhes: (i) nos termos do Código de Defesa do Consumidor, publicidades como essas são consideradas abusivas e, portanto, proibidas, pois estimulam o consumidor a se comportar de maneira prejudicial à sua saúde e (ii) desafios como esse contrariam as diretrizes da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), prevista na Lei nº 11.346/06, regulamentada pelo Decreto nº 7.272/10. Ou será que alguém se arrisca a dizer o contrário?

Pois bem.

A proteção contra a publicidade abusiva está prevista no inciso IV, do art. 6º, do CDC. Veja-se:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.

Por sua vez, o conceito de publicidade abusiva está contido no § 2º, do art. 37, do CDC:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

(...)

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Ora, fica claro que, ao convidar o consumidor a consumir sanduíches como os descritos nas notícias em referência, o fornecedor o está induzindo a se comportar de forma prejudicial à sua saúde, pois, ainda que à margem de dados médicos absolutos, não é necessário muito esforço para se concluir que ingerir, de uma vez só, um sanduíche que pesa 4 kg, representa risco para a saúde do consumidor, uma vez que o organismo humano não é programado para suportar, de uma só vez, uma carga alimentar como essa.

Superado esse ponto, no que diz respeito à Lei 11.346/06, sua tônica é a promoção da saúde da população, através do acesso a alimentação adequada, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana. Veja-se, a título ilustrativo, alguns de seus dispositivos:

Art. 2º A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população”.

Art. 3º A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

Art. 4o A segurança alimentar e nutricional abrange:

(...)

IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população.

Vê-se, portanto, que o poder público tem se preocupado em definir políticas que garantam à população o acesso à alimentação segura e saudável, de modo que seja cumprida a missão constitucional relacionada à promoção da saúde da população.

Assim, salvo melhor juízo, desafiar o consumidor a ingerir enorme quantidade de comida, de uma vez só, além de contrariar a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, configura publicidade abusiva, já que induz o consumidor a se comportar de maneira prejudicial à sua saúde.

Finalmente, conforme dito no início do texto, em razão da amplitude do tema, não se pretendeu esgotá-lo. Antes disso, fica o convite à reflexão e ao debate.


Vitor Vilela Guglinski. Vitor Vilela Guglinski é Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Ex-assessor jurídico da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG). Autor colaborador dos principais periódicos jurídicos especializados do país. .


Imagem Ilustrativa do Post: The World's Best Big Mac? // Foto de: Pete // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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