Roubo com emprego de arma branca: a inconsequência de uma lei mal pensada

26/04/2018

Sancionada pelo Presidente da República e publicada no DOU desta terça-feira p.p., dia 24.04.2018, entrou em vigor a Lei nº 13.654 que trouxe sensíveis modificações nos crimes de furto e roubo, além de impor algumas obrigações às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

De início, deve ser ressaltado que, mais uma vez, a comunidade jurídica, e também a população brasileira, foi surpreendida com a aprovação de uma lei penal extremamente impactante, sem que tivesse havido qualquer tipo de discussão pública ou qualquer tipo de consulta às instituições encarregadas da persecução criminal. Mais uma vez, repita-se, o poder legislativo federal, completamente apartado dos anseios populares e da coletividade que deveria representar, nos brindou com um diploma legal mal redigido, mal pensado e que, propositadamente ou não, trará muitas consequências nocivas à sociedade em geral.

É evidente que a nova lei tem seus aspectos positivos, tendo aumentado a pena do roubo qualificado pelo resultado lesão grave (agora previsto no inciso I do §3º do art. 157) e também inserido causa de aumento de pena de dois terços se houver destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. No crime de furto também houve mudanças positivas, com a nova qualificadora do §4º-A, cominando pena de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

Mas, a meu ver, um dos aspectos negativos da nova lei suplanta o que poderia ser considerado um avanço no combate à criminalidade.

Me refiro especificamente à revogação, pela nova lei, do inciso I do §2º do art. 157 do Código Penal, que tratava da causa de aumento de pena de um terço até a metade, no caso de ser a violência ou grave ameaça exercida com o emprego de arma.

Pois bem. A nova lei revogou expressamente este inciso I, colocando, em seu lugar, no §2-A, uma causa de aumento de pena de dois terços “se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo”.

Não quero acreditar que o legislador não saiba a diferença entre as expressões “arma” e “arma de fogo”.

As armas, como se sabe, podem ser singelamente classificadas em “armas brancas” (facas, canivetes, estiletes etc) e “armas de fogo” (revólveres, pistolas, fuzis, metralhadoras etc). Temos, ainda, a classificação das armas em “armas próprias”, que são aquelas fabricadas e produzidas com o propósito de serem utilizadas como armas (revólveres, pistolas, fuzis, metralhadoras etc) e “armas impróprias”, que são aquelas que não foram produzidas, fabricadas ou forjadas com o propósito de serem armas, mas que podem, por uso indevido, serem manejadas como armas. É o caso, por exemplo, de uma tesoura, de uma barra de ferro, de um caco de vidro, de uma sovela.

O legislador, na nova lei, simplesmente aboliu a causa de aumento de emprego de “arma” no crime de roubo, criando nova causa de aumento, mais severa, para o emprego de “arma de fogo”.

Como consequência, tornou roubo simples (previsto no “caput” do art. 157 do CP) a conduta anteriormente considerada roubo circunstanciado, beneficiando sobremaneira o criminoso que, a partir de agora, utilizar facas, canivetes, estiletes, cacos de vidro etc, para perpetrar esse crime patrimonial.

E mais: a revogação do inciso I do §2º do art. 157 configurou inegavelmente uma “novatio legis in mellius”, com efeitos retroativos (art. 5º, XL, da CF), alcançando todas as condutas praticadas anteriormente à sua vigência, ainda que decididas por sentença condenatória transitada em julgado (art. 2º, parágrafo único, do CP). Para os processos e inquéritos em andamento, a aplicação da lei mais benéfica é imediata. Para os casos já julgados definitivamente, o caminho processual poderá ser a revisão criminal ou até mesmo o uso anômalo do “habeas corpus”, não obstante disponha o art. 66, I, da Lei de Execução Penal e a Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal que compete ao juiz das execuções a aplicação da lei mais benigna, transitada em julgado a sentença condenatória.

Em resumo, teremos novamente que suportar as consequências nefastas de uma legislação penal aprovada sem maiores cuidados e sem qualquer avaliação real dos impactos nocivos ocasionados à sociedade, demonstrando o legislador que se encontra, cada vez mais, apartado da realidade, não obstante tenha todas as condições de desempenhar a contendo o seu mister, efetivamente representando aqueles que o colocaram no poder.

 

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