Virou lugar comum a discussão sobre a natureza do rol da ANS, se taxativo ou exemplificativo[1].
Contudo, aproximadamente a metade dos tratamentos judicializados não possui evidência científica. É a conclusão de recente pesquisa que analisou o resultado de mais de 17 mil notas técnicas emitidas pelo NatJus nacional (Hospital Albert Einstein)[2]. No total “foram analisadas 17.081 notas técnicas emitidas até 31 de Março de 2022, das quais 54,1% foram favoráveis (com evidência científica) e 45,9% desfavoráveis (sem evidência científica)”[3].
Portanto, não se pode banalizar o rol da ANS, permitindo que tratamentos sem evidência científica sejam concedidos na via judicial. Isso deve ser combatido pelo Poder Judiciário!
A judicialização da terapia therasuit é um exemplo. Há várias decisões judiciais no Brasil, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1956098 e AgInt no AREsp 1760545, entre outros), condenando o demandado (ente público – SUS ou operadora de plano de saúde) ao seu fornecimento. Entretanto, em rápida e aleatória consulta ao e-NatJus (https://www.cnj.jus.br/e-natjus/pesquisaPublica.php) constata-se que a imensa maioria das notas técnicas emitidas não confere evidência científica a tal tratamento[4].
O próprio STJ, nas decisões do Ministro Luís Felipe Salomão (AgInt no AREsp 1497534 e AgInt no AREsp 1627735, entre outros), reconhece a ausência de evidências científicas a justificar o custeio da terapia therasuit.
Conclusão: não se pode utilizar a discussão da natureza do rol da ANS para exigir o fornecimento de tratamentos sem evidências. Isso contraria toda a sistemática de Avaliação de Tecnologia em Saúde – ATS e também banaliza o tema. O direito à saúde precisa ser tratado seriamente e a ciência deve ser sempre respeitada!
Notas e Referências
[1] Neste texto afirmei que o Poder Legislativo e o Poder Executivo chancelaram a taxatividade do rol da ANS, faltando ainda uma posição definitiva do Poder Judiciário: SCHULZE, Clenio Jair. Empório do Direito. 08 Mar. 2022. Novas regras na saúde suplementar. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/novas-regras-na-saude-suplementar. Acesso em: 25 Mai. 2022.
[2] O Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário – NatJus foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ e tem por finalidade auxiliar a magistratura brasileira nas decisões sobre produtos e tecnologias em saúde.
[3] SCHULZE, Clenio Jair. Revista Empório do Direito. 09 Mai. 2022. In Evidências em saúde e o processo judicial. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/evidencias-em-saude-e-o-processo-judicial. Acesso em: 25 Mai. 2022.
[4] Foram consultados aleatoriamente, com o seguinte resultado: 1 - Notas técnicas desfavoráveis: Nota Técnica 76953 (SP), Nota Técnica 76886 (MT), Nota Técnica 76849 (MT), Nota Técnica 75503 (nacional), Nota Técnica 74412 (SP), Nota Técnica 74310 (SP), Nota Técnica 73978 (SP), Nota Técnica 72496 (SP), Nota Técnica 69926 (SP), Nota Técnica 63606 (nacional), Nota Técnica 51937 (nacional), Nota Técnica 19396 (RS), Nota Técnica 8717 (BA), Nota Técnica 131 (PR). 2 - Notas técnicas favoráveis: Nota Técnica 77748 (BA), Nota Técnica 76117 (BA). Fonte: https://www.cnj.jus.br/e-natjus/pesquisaPublica.php. Acesso em 25 Mai. 2022.
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