A revisão criminal é um instituto processual penal de extrema relevância no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecido nos arts. 621 a 631 do Código de Processo Penal. Consiste em uma ação autônoma de impugnação destinada a corrigir eventuais injustiças decorrentes de condenações criminais, especialmente em casos de erro judiciário.
Trata-se de ação de competência originária dos Tribunais, de natureza autônoma e excepcional, cabível contra decisões penais transitadas em julgado, quando verificadas as hipóteses taxativamente elencadas no art. 621 do Código de Processo Penal.
Vale ressaltar, logo de início, que a revisão criminal somente pode ser manejada em favor do condenado (“pro reo”), não sendo admitida revisão criminal em favor da sociedade (“pro societate”)
A revisão criminal também pode ser uma via para a garantia do direito à justa indenização daqueles que foram erroneamente condenados, até privados de sua liberdade, em virtude de uma decisão judicial equivocada.
Como garantia fundamental do indivíduo, a revisão criminal tem assento constitucional na competência originária do Supremo Tribunal Federal (art. 102, l, “j”) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “e”), apresentando-se como uma via excepcional e subsidiária, cujo escopo é resguardar a segurança jurídica e a justiça material. A sua admissibilidade pressupõe a presença de fundamentos específicos e rigorosos, que justifiquem a reabertura do processo penal já transitado em julgado.
Um dos fundamentos para a revisão criminal é a descoberta de novas provas que, se tivessem sido conhecidas durante o processo original, poderiam ter alterado o seu desfecho. Essas novas provas devem ser idôneas, relevantes e capazes de demonstrar a inocência do condenado ou a inadequação da pena aplicada.
Outro fundamento para a revisão criminal é a constatação de nulidades insanáveis que comprometam a validade da sentença condenatória, que se se fundou em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos.
Além disso, a revisão criminal também pode ser admitida diante de decisões manifestamente contrárias à prova dos autos ou ao texto expresso da lei penal, em evidente erro de julgamento, que conduziram a uma injusta condenação. Trata-se do erro judiciário.
Nesse aspecto, o erro judiciário pode ser de fato ou de direito, e se configura quando a decisão judicial se baseia em premissas fáticas ou jurídicas incorretas.
O erro judiciário de fato ocorre quando a decisão judicial se baseia em provas falsas, insuficientes ou erroneamente interpretadas. Como exemplos, pode-se falar em falsidade documental (quando um documento utilizado como prova é posteriormente declarado falso); erro técnico ou pericial (quando a perícia técnica apresenta falhas ou conclusões equivocadas); e testemunha falsa (quando uma testemunha presta falso testemunho).
O erro judiciário de direito ocorre quando a decisão judicial se baseia em uma interpretação incorreta da lei, tal como ocorre, por exemplo, na aplicação de lei penal revogada, na incorreta classificação do crime ou até mesmo na violação de princípios fundamentais do Direito Penal, como o princípio da legalidade ou o princípio da presunção de inocência.
Importante assinalar que a revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após, e até mesmo depois da morte do condenado. Entretanto, uma vez julgada improcedente, não será admissível a reiteração do pedido, salvo se fundado em novas provas.
Quanto à legitimidade ativa, a revisão poderá ser pedida pelo próprio condenado ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Quanto à competência, estabelece o Código de Processo Penal que as revisões criminais serão processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, quanto às condenações por ele proferidas, o mesmo se aplicando ao Superior Tribunal de Justiça; e pelos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, nos demais casos. Nas Cortes Superiores, deve ser observado o rito estabelecido nos respectivos regimentos internos.
O requerimento (petição), será distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador ou ministro que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo. O requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos. O relator poderá determinar que se apensem os autos originais, se daí não advier dificuldade à execução normal da sentença. Se o relator julgar insuficientemente instruído o pedido e inconveniente ao interesse da justiça que se apensem os autos originais, indeferi-lo-á “in limine”, dando recurso para as câmaras reunidas ou para o tribunal, conforme o caso. Interposto o recurso por petição e independentemente de termo, o relator apresentará o processo em mesa para o julgamento e o relatará, sem tomar parte na discussão. Se o requerimento não for indeferido “in limine”, abrir-se-á vista dos autos ao procurador-geral, que dará parecer no prazo de dez dias. Em seguida, examinados os autos, sucessivamente, em igual prazo, pelo relator e revisor, julgar-se-á o pedido na sessão que o presidente designar.
Um ponto que merece atenção: prevalece o entendimento na doutrina e na jurisprudência, inclusive no Supremo Tribunal Federal, de que o próprio condenado pode propor diretamente a revisão criminal, sem necessidade de advogado. Entretanto, nesse caso, é prudente que o Tribunal nomeie advogado para acompanhar o trâmite da revisão criminal, assistindo o condenado no decorrer do procedimento, a fim de que se concilie o direito à correção de um erro judiciário com a imprescindibilidade do advogado à administração da Justiça, prevista no art. 133 da Constituição Federal.
Ao final, julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo. De qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista.
O reconhecimento de um erro judiciário e a procedência de uma revisão criminal, entretanto, não são suficientes para reparar integralmente os danos causados àquele que foi injustamente condenado. Diante disso, emerge o direito à justa indenização, como forma de compensação pelos prejuízos materiais, morais e existenciais suportados. O direito à justa indenização vem previsto no art. 630 do Código de Processo Penal e no art. 5º, LXXV, da Constituição Federal.
A responsabilidade civil do Estado por erro judiciário encontra amparo, portanto, na Constituição Federal, que assegura o direito à reparação integral por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por agentes públicos, assim como em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
A fixação do valor da indenização deve levar em consideração diversos fatores, como o tempo de privação da liberdade, os danos psicológicos e emocionais sofridos, as oportunidades profissionais e educacionais perdidas, entre outros aspectos relevantes.
Mas a indenização não será devida se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio condenado, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder; e se a acusação houver sido meramente privada.
Por fim, vale ressaltar que em diversos países, como Estados Unidos, Alemanha, França, Espanha e Canadá, dentre outros, o instituto da revisão criminal também está previsto em seus ordenamentos jurídicos, embora com requisitos que podem variar, mas todos admitindo a sua utilização como poderosa ferramenta para corrigir injustiças decorrentes de erros judiciários, garantindo a efetividade do princípio da Justiça.
Imagem Ilustrativa do Post: Capture 2017-04-06T13_56_54 // Foto de: blob rana // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/143045315@N03/33030523904
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode