REMIÇÃO DE PENA POR MEIO DE PRÁTICAS SOCIAIS EDUCATIVAS E A NOVA RESOLUÇÃO 391 do CNJ

13/05/2021

Já tivemos oportunidade de analisar, em artigo anterior, nesta coluna, a admissibilidade, pelos Tribunais Superiores, de remição de pena pela leitura, embora a hipótese não esteja prevista expressamente pelo art. 126 da Lei n. 7.210/84 – Lei de Execução Penal.

Os Tribunais Superiores vinham admitindo o alargamento das hipóteses de remição previstas na Lei de Execução Penal (que se restringem ao trabalho e ao estudo) por força de analogia “in bonam partem”, sob a justificativa de “aprimoramento do reeducando” e de “propiciar condições para a harmônica integração social do condenado”.

O panorama, entretanto, se modificou com a recente Resolução n. 391 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, estabelecendo procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade.

Na referida Resolução n. 391, o Conselho Nacional de Justiça regulamentou a remição de pena por meio de práticas sociais educativas, assim entendidas as atividades escolares, as práticas sociais educativas não-escolares e a leitura de obras literárias.

A remição, como é sabido, é um direito do condenado, e consiste no desconto do tempo de pena privativa de liberdade, cumprido nos regimes fechado e semiaberto, pelo trabalho ou pelo estudo. Constitui um meio de abreviar ou extinguir parte da pena, funcionando, ainda, como estímulo para o preso corrigir-se, abreviando o tempo de cumprimento da pena que tinha que cumprir, de modo a passar ao regime de liberdade condicional ou à liberdade definitiva.

Dispõe o art. 126 da Lei de Execução Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 12.433/2011: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou estudo, parte do tempo de execução da pena”.

No caso de trabalho, a contagem do tempo para o fim de remição será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho.

A remição por estudo é contada à razão de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar — atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional —, divididas, no mínimo, em 3 (três) dias. As atividades de estudo referidas poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância, e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados. Inclusive, o tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação. Nesse sentido, inclusive, o art. 83, § 4.º, da Lei de Execução Penal, com a redação dada pela Lei n. 12.245/10, dispõe que os estabelecimentos penais deverão contar com salas de aulas destinadas a cursos do ensino básico e profissionalizante.

Nos termos da Resolução n. 391, atividades escolares são aquelas de caráter escolar organizadas formalmente pelos sistemas oficiais de ensino, de competência dos Estados, do Distrito Federal e, no caso do sistema penitenciário federal, da União, que cumprem os requisitos legais de carga horária, matrícula, corpo docente, avaliação e certificação de elevação de escolaridade.

Já práticas sociais educativas não-escolares são consideradas as atividades de socialização e de educação não-escolar, de autoaprendizagem ou de aprendizagem coletiva, assim entendidas aquelas que ampliam as possibilidades de educação para além das disciplinas escolares, tais como as de natureza cultural, esportiva, de capacitação profissional, de saúde, dentre outras, de participação voluntária, integradas ao projeto político-pedagógico (PPP) da unidade ou do sistema prisional e executadas por iniciativas autônomas, instituições de ensino públicas ou privadas e pessoas e instituições autorizadas ou conveniadas com o poder público para esse fim.

Nesse sentido, o reconhecimento do direito à remição de pena pela participação em atividades de educação escolar considerará o número de horas correspondente à efetiva participação da pessoa privada de liberdade nas atividades educacionais, independentemente de aproveitamento, exceto, quanto ao último aspecto, quando a pessoa tiver sido autorizada a estudar fora da unidade de privação de liberdade, hipótese em que terá de comprovar, mensalmente, por meio da autoridade educacional competente, a frequência e o aproveitamento escolar.

Inclusive, estabelece a resolução que, em caso de a pessoa privada de liberdade não estar vinculada a atividades regulares de ensino no interior da unidade e realizar estudos por conta própria, ou com acompanhamento pedagógico não-escolar, logrando, com isso, obter aprovação nos exames que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio (Encceja ou outros) e aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem, será considerada como base de cálculo para fins de cômputo das horas visando à remição da pena 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino, fundamental ou médio, no montante de 1.600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1.200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio, conforme o art. 4º da Resolução nº 03/2010 do Conselho Nacional de Educação, acrescida de 1/3 (um terço) por conclusão de nível de educação, a fim de se dar plena aplicação ao disposto no art. 126, § 5º, da Lei de Execução Penal.

Especificamente no que se refere à remição de pena pela leitura, para ter direito à benesse, as pessoas privadas de liberdade deverão comprovar a leitura de qualquer obra literária, independentemente de participação em projetos ou de lista prévia de títulos autorizados. Ademais, deixa claro a resolução que a atividade de leitura terá caráter voluntário e será realizada com as obras literárias constantes no acervo bibliográfico da biblioteca da unidade de privação de liberdade. Esse acervo bibliográfico poderá ser renovado por meio de doações de visitantes ou organizações da sociedade civil, sendo vedada toda e qualquer censura a obras literárias, religiosas, filosóficas ou científicas, nos termos dos art. 5º, IX, e 220, § 2º, da Constituição Federal. Ademais, o acesso ao acervo da biblioteca da unidade de privação de liberdade será assegurado a todas as pessoas presas ou internadas cautelarmente e àquelas em cumprimento de pena ou de medida de segurança, independentemente do regime de privação de liberdade ou regime disciplinar em que se encontrem.

Outrossim, para fins de remição de pena pela leitura, a pessoa em privação de liberdade registrará o empréstimo de obra literária do acervo da biblioteca da unidade, momento a partir do qual terá o prazo de 21 (vinte e um) a 30 (trinta) dias para realizar a leitura, devendo apresentar, em até 10 (dez) dias após esse período, um relatório de leitura a respeito da obra, conforme roteiro a ser fornecido pelo Juízo competente ou Comissão de Validação. Essa Comissão de Validação deverá ser instituída pelo Juízo competente, com atribuição de analisar o relatório de leitura, considerando-se, conforme o grau de letramento, alfabetização e escolarização da pessoa privada de liberdade, a estética textual (legibilidade e organização do relatório), a fidedignidade (autoria) e a clareza do texto (tema e assunto do livro lido).

Com relação à contagem, para cada obra lida corresponderá a remição de 4 (quatro) dias de pena, limitando-se, no prazo de 12 (doze) meses, a até 12 (doze) obras efetivamente lidas e avaliadas e assegurando-se a possibilidade de remir até 48 (quarenta e oito) dias a cada período de 12 (doze) meses.

Além disso, o Juízo competente zelará para que as unidades de privação de liberdade promovam a realização de projetos de fomento e qualificação da leitura em parceria com iniciativas autônomas das pessoas presas, internadas e seus familiares, organizações da sociedade civil, instituições de ensino e órgãos públicos de educação, cultura, direitos humanos, dentre outros, observando a ampla divulgação da realização dos projetos para as pessoas privadas de liberdade, a fim de possibilitar a adesão voluntária e o interesse universal pela participação, a pactuação com a equipe organizadora do projeto acerca dos critérios de seleção das pessoas interessadas, a oferta de projetos para os diferentes níveis de letramento, alfabetização e escolarização, a garantia de participação dos responsáveis pelos projetos de leitura e dos alunos presos na escolha das obras que serão tratadas nos projetos de leitura, valorizando-se a diversidade de autores e gêneros textuais, sendo vedada a censura, e a garantia da remição de pena pela leitura dos livros abordados no projeto, cumpridos os requisitos previstos.

Por fim, a resolução deixa claro que a participação da pessoa privada de liberdade em atividades de leitura e em práticas sociais educativas não-escolares para fins de remição de pena não afastará as hipóteses de remição pelo trabalho ou educação escolar, sendo possível a cumulação das diferentes modalidades, cabendo ao Juízo competente zelar para que as pessoas privadas de liberdade possam frequentar as atividades descritas na presente resolução de forma cumulativa ou independente, sendo vedada a vinculação de participação em uma das modalidades de estudo como pré-requisito para a participação em quaisquer das outras atividades. Além disso, o Juízo competente deverá zelar para que seja assegurado o registro de presença da pessoa inscrita na prática social educativa, com o respectivo cômputo de carga horária, em caso de ausência motivada por questões de saúde, caso fortuito, força maior e quando a não realização da atividade decorrer de ato injustificado da administração da unidade de privação de liberdade. Cumpre ao Juízo competente, ainda, observar que a direção da unidade de privação de liberdade encaminhe semestralmente, para homologação, a relação das pessoas que adquiriram o direito, naquele período, à remição de pena pelo estudo, reduzindo-se o prazo, individualmente, para os casos de pessoas que se encontrem em lapso menor para a progressão de regime; e que também a pessoa privada de liberdade tenha acesso à relação dos dias remidos por meio do estudo, incluídas as atividades escolares, a leitura e a participação em outras práticas sociais educativas.

 

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