Reflexões sobre a igualdade e o punitivismo: fugindo de um perigoso senso comum que esvazia o conteúdo do Direito e conduz ao retrocesso civilizatório

21/04/2018

  1. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA: A IGUALDADE NÃO PODE SER BANALIZADA

Princípio absoluto e, ao mesmo tempo, uma prática historicamente contingente. É assim definido um dos paradoxos que compõem o enigma da igualdade, segundo Joan W. Scott[1], quando analisa as relações intrincadas entre o fato do reconhecimento mais ou menos uniforme da igualdade como norma-guia de quase toda sociedade Ocidental e, ao seu lado, o outro fato de que tal igualdade sempre veio acompanhada do reconhecimento de desigualdades expressas ou implícitas entre diversos grupos constituintes dessas mesmas sociedades.

Com efeito, qualquer um que já tenha pensado sobre o grupo social em que vive teve contato com o jargão de que “todos são iguais perante a lei”, ou seja, sabe que é igual aos demais em alguma medida, ainda que não a identifique de pronto, ou que deveria ser igual também em alguma medida, não necessariamente de fácil explicação.

No Brasil, a questão da igualdade é muito atual por uma razão que se mistura com a execução provisória da pena privativa da liberdade como consequência da relativização que a Corte Constitucional brasileira realizou há alguns dias da garantia fundamental da presunção de inocência.

O dado concreto, segundo pesquisa da Datafolha publicada em 17 de abril, é que a maior parte dos brasileiros apoia a prisão de réus condenados em segunda instância. [2]

Que uma sociedade amedrontada adquira paulatinamente uma visão punitivista como forma de exorcizar a ansiedade de resolver os problemas de segurança pública ou os contínuos ataques à Administração Pública, em um cenário de inefetividade dos direitos sociais, é algo explicável em termos sociológicos. E Michel Foucault, no seu clássico Vigiar e Punir: nascimento da prisão, nos relata como a sociedade passou da festa alegre da punição representada no corpo como alvo à supressão do espetáculo punitivo, e logo à fase das reformas e o surgimento e afirmação das garantias fundamentais. [3]   

Contudo, que nos deparemos com o senso comum no dia a dia é o costumeiro. A sociedade não é uma universidade nem os professores tem o monopólio do saber. Aprende-se dos posicionamentos de uma sociedade plural, em um contínuo debate público que obriga a posicionamentos quase permanentes diante da polarização de opiniões e à pressão permanente dos aparelhos ideológicos que sutil ou abertamente impactam cada ponto de vista.  

Entretanto, é preocupante quando o pragmatismo e a ligeireza hermenêutica conduzem a afirmações oriundas de membros das funções essenciais à justiça e até do próprio Judiciário, dirigidas a justificar o sentido punitivo trazido pelo senso comum de que a sociedade “precisa punir”, temos que “prender rapidamente a todos”, porque “é melhor prender todos que não prender ninguém”.

Por isso assiste razão a Floriano de Azevedo Marques ao afirmar que “Quando as instituições que têm que dar uma resposta ponderada, civilizada, entram na emoção da sanha punitivista, aí o observador do mundo jurídico tem que se preocupar.” [4]

Uma afirmação comum aflorava em plena discussão sobre a decisão do STF em 2016 que, e aqui nosso ponto de reflexão, relativiza a presunção de inocência. A frase ou o conjunto argumentativo que admite a relativização, porque somente alguns têm condição de percorrer todas as instâncias do Judiciário; e, então, se somente alguns podem e todos não podem, ao final, estes últimos cumpririam a pena por não terem mais condições fáticas, econômicas, de recorrer (embora coubesse ainda recurso). A pessoa não teria como contratar advogados enquanto outros, os primeiros, ficariam impunes, inclusive com possibilidade de prescrição da ação punitiva do Estado, diante dos inúmeros recursos que um bom advogado na esfera criminal poderia apresentar.

Para além do simplismo, que não resiste ao exame dos filtros que dificultam o uso das instâncias, aos quais se refere com clareza Pierpaolo Cruz Bottini, o mais grave a nosso ver é que começa o processo de “nivelamento por baixo” do princípio da igualdade, segundo o qual sacrificar direitos é bom, de maneira que todos tenham direitos precários, num raciocínio não somente acanhado, mas paralisante para o movimento social que deve ter em perspectiva a constante luta pela ampliação de direitos.

No campo filosófico, formule-se, pois, uma questão principal: podem dois seres humanos ser considerados juridicamente iguais se não tiverem nenhum direito? Em outras palavras: isso (não ter direitos) é igualdade jurídica? O mote de tal questão provocativa, para o que pretendemos demonstrar, é a observação prática dessa banalização ou “nivelamento por baixo”.

Mais claramente, não temos como admitir que se tenda a considerar que, se determinado A tem menos direitos que B, é esse B quem deve ter sua esfera de direitos restringida, diminuída, mitigada, para que se logre, no âmbito jurídico, alcançar igualdade entre ambos.

Para sustentar nossa visão é importante avançar a partir de dois tópicos que nos parecem relevantes. O primeiro, a constatação de que não resiste a um exame acurado da dogmática a tese de que a diminuição de direitos prestigia o princípio da igualdade; a segunda, de que tal afirmação somente reforça a desigualdade na contemporaneidade. 

  1. A RESTRIÇÃO DOS DIREITOS CONTRARIA A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA IGUALDADE NO DIREITO

A banalização do conteúdo jurídico do princípio da igualdade é apresentada sobre diversas roupagens em sua justificativa, inclusive sob argumentos de eficiência administrativa e judiciária, necessidade de eficácia da pretensão punitiva do Estado e até mesmo aumento do grau de liberdade (geralmente associada a setores de atividade empresarial privada).

Essa não pode ser a interpretação primordial nem em tese nem mesmo aquela que se deveria extrair, empiricamente, das normas jurídicas em geral e das normas constitucionais e internacionais que regem o tema, em particular, em exercício breve de hermenêutica de Direito.

A perspectiva de uma igualdade dessa espécie, em primeiro lugar, não corresponde, como pode parecer à primeira vista, à noção inaugural da igualdade jurídica nos marcos da civilização Ocidental, a denominada igualdade formal.

O surgimento da ideia de isonomia na Grécia Clássica, por exemplo, remonta à igualdade de todos aqueles considerados habilitados para a prática de atos públicos, políticos. O igual perante as leis (do Grego, iso, igual, e nomos, regra, norma) era, além de igual por natureza aos demais seres humanos, também igual em termos de Direito, em termos de aceitação dos demais pares. Essa isonomia, que permitiu o primeiro exercício da denominada democracia laica na Grécia Clássica[5], remonta às reformas normativas e sociais de Clístenes e, depois, à época de Péricles (séculos V e IV, a. C.), e fundou-se no duplo movimento de (a) afirmação e louvor das qualidades boas da racionalidade humana e da sociabilidade comum a todos e (b) na negação (b.1.) dos fatores negativos das paixões violentas (hybris) e da autoafirmação individualista como princípios relevantes de identidade humana e (b.2.) dos valores de superioridade da aristocracia (e da origem dessa superioridade na Natureza).

A tônica que se pretendia conferir à igualdade como isonomia, então, era a de que os iguais titularizavam todos os direitos inerentes à vida política, pública, o que pressupunha que também gozavam de todos os direitos inerentes à propriedade privada - proprietários de terra, de habitação, de escravos, de mulheres etc. - e à possibilidade de ócio, lembrando-se que o trabalho remunerado era visto como ocupação de demérito social naquela quadra histórica, por exemplo.

Ser juridicamente igual aos demais, portanto, na Grécia Clássica, era ser apto a titularizar direitos hoje considerados de natureza privada e pública (ou política) e aquele que eventualmente perdia parcela dessas esferas de direitos não podia mais ser considerado como um igual aos demais cidadãos gregos.

Ora, esse modelo de igualdade foi retomado como estrutura fundante da organização social bem mais adiante na marcha histórica do Ocidente, voltando à baila já na época Moderna. Como é sabido, a transição do Antigo Regime (monárquico, absolutista, de direito natural e, mormente, de origem divina, com separação rígida e tradicionalista entre estamentos sociais) para a Idade Moderna tem como um de seus pressupostos a postulação, e paulatino reconhecimento, da igualdade jurídica formal entre os seres humanos.

Como faz notar Todorov[6], o Iluminismo em geral, já como desenvolvimento do quanto iniciado no Renascimento, apresentou-se como forma de pensamento disposta e competente para separar, no seio da religião, o amor a Deus do amor ao próximo, centrando exclusivamente nesse último o princípio do Humanismo, do qual deriva, depois, a fórmula jurídica da igualdade fundamental de todos perante a lei, pelo simples fato de pertencerem à raça humana (Humanismo de pretensão universalista).

Não sem razão, portanto, na Enciclopédia organizada por Diderot e D´Alembert, imprescindível parte da filosofia francesa dominante na época, fixou-se a ideia de que pelas leis seria restaurada a igualdade que havia no estado de natureza e que foi perdida com a passagem inicial para o estado social dos Homens, com a emblemática afirmação: “(...) estabeleço o princípio incontestável de igualdade natural como fundamento de todos os deveres de caridade, de humanidade e de justiça, aos quais os homens são obrigados uns em relação aos outros (...)”[7].

Também aqui o ideal de igualdade do século XVIII, que norteou o movimento de independência das 13 colônias da Inglaterra na América do Norte e posterior fundação dos Estados Unidos, bem como a Revolução Francesa, pautava-se na conferência da maior quantidade de direitos existente para os que eram considerados iguais entre si. A pretensão de universalidade humanista da igualdade, na época, esbarrava nas contingências históricas de desigualdades de riqueza e de propriedade e em questões raciais e de gênero. Porém, uma vez consideradas iguais, duas pessoas deveriam ter necessariamente os mesmos direitos, em sua maior amplitude possível, garantidos mediante tutela do Estado, caso necessário.

Foi nesse sentido que, no Brasil, a Constituição do Império, de 1824, fixou que “A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um” (art. 179, inc. XIII), e a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1891, consagrou a fórmula de que “todos são iguais perante a lei” (art. 72, § 2º), mantida inclusive após a reforma constitucional empreendida pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926.

Em segundo lugar, também não se identifica a igualdade “nivelada por baixo” com o segundo sentido jurídico de igualdade que hoje se reconhece, qual seja, a igualdade material, também representada na fórmula igualdade “na lei” ou “no ordenamento jurídico-constitucional”.

Esse sentido da igualdade é, basicamente, o reconhecimento de que há pressupostos necessários que devem ser preenchidos para que a universalidade dos seres humanos possa ser colocada em igualdade perante a lei. Isso porque, conquanto nos exemplos dados antes (Grécia Clássica e Europa iluminista) houvesse parcelas da sociedade excluídas do gozo de direitos ditos iguais, seja pela condição de escravidão ou de gênero ou de pobreza, nunca houve a preocupação teórica generalizada de uma universalidade real de condições que levassem a uma possibilidade de igualdade também real de direitos, isto é, não se preocupava em igualar as condições reais, apenas jurídicas.

Nesse sentido, portanto, o surgimento da igualdade material significou reconhecer a preexistência e a importância das desigualdades sociais empíricas que impediam a conquista da igualdade jurídica entre todas as pessoas. Nasce esse questionamento em meio às crises do século XIX, frutos das tentativas de Restauração monárquica e das práticas do capitalismo inicial da Revolução Industrial, em reação às quais surgem, num primeiro momento, as correntes socialistas (citem-se, por exemplo, Fourier e Proudon) e, depois, marxistas de análise e crítica social e, num segundo momento, as teorias de socialdemocracia (como a de Keynes, por exemplo, já no século XX), visando equilibrar práticas capitalistas com garantias mínimas de sobrevivência social dos indivíduos. Daí porque essa igualdade objetivava eliminar distinções sociais históricas que impediam a realização da igualdade formal, ou seja, surgem os chamados direitos humanos sociais: direitos trabalhistas, previdenciários, sindicais dentre outros.

Também na esteira da igualdade material encontra-se a formulação, mais contemporânea, de estratégias de diferenciação de grupos que merecem proteção especial dentro do amplo espectro de agentes sociais, para que possam ser melhor compreendidos e igualados, depois, aos grupos historicamente dominantes e/ou privilegiados. Trata-se, por exemplo, daquela espécie de reclamos que levaram ao reconhecimento de direitos dos consumidores na segunda metade do século XX, de forma geral, bem como dos pleitos de igualdade formulados, inclusive hoje, pelos diversos grupos étnicos e pelos grupos em prol da identidade de gênero.

Logo, é com base na ideia de igualdade material que se pleiteiam medidas ativas do aparato estatal, no sentido de aplicar políticas de inclusão consideradas avanços civilizacionais rumo a um ideal de igualdade mais real e plena, tais como cotas especiais em universidades (sejam as chamadas raciais, sejam as sociais, de vocação socioeconômica), legalização de uniões homoafetivas, criminalização de condutas discriminatórias e discursos de ódio em geral, criações de condições de participação equânime e justa das mulheres no mercado de trabalho. Enfim, como anota Canotilho:

Esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de ‘justiça social’ e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais. Por outro, ela é inerente à própria ideia de igual dignidade social (e de igual dignidade da pessoa humana) (...) que, deste modo, funciona não apenas como fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objectivas ou subjectivas, mas também como princípio jurídico-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador da violação da igualdade por comportamentos omissivos (inconstitucionalidade por omissão).[8]

Como se observa, a igualdade material é responsável por ainda maiores reivindicações de conteúdo de direitos para os indivíduos, já que não se contenta com a mera declaração formal de igualdade perante a lei, demandando a efetivação de diversos outros direitos que possibilitem a igualdade real e empírica entre as pessoas, antes de poderem sofrer igual impacto da ordem jurídico-constitucional.

O entendimento, portanto, de que pode haver igualdade na restrição do conteúdo de direitos de alguém é contrária à construção histórica da igualdade no Direito. Acreditar, por exemplo, que reduzir o valor das aposentadorias “para todos” e aumentar a carga de trabalho “para todos” é sinônimo de igualdade, na verdade, é estar na contramão da evolução do próprio postulado.

Na esteira penal que motiva a reflexão, sustentar que alguém não pode se insurgir ou procurar recursos para sua defesa sob o argumento de que “todos” estão sendo privados da liberdade sem o trânsito em julgado de decisão condenatória ou por decisão em segunda instância não somente empobrece os direitos e garantias fundamentais senão que deslegitima o princípio. Do que se trata é exatamente do contrário: que todos tenham a possibilidade de se insurgir diante do retrocesso dos direitos, removendo as causas que obstaculizam a satisfação plena dos direitos.

  1. EM ARREMATE: A RESTRIÇÃO DE DIREITOS NÃO É UM PRESTIGIO À IGUALDADE, MAS, PELO CONTRÁRIO, CONTRIBUI A PERPETUAR A DESIGUALDADE

A igualdade é princípio nuclear em qualquer sistema jurídico e político contemporâneo que se pretenda democrático. Por isso seu tratamento pela Ciência Jurídica é diverso de outros, tão só admitindo paralelos nos princípios da liberdade e da justiça. Esse tripé principiológico - igualdade, liberdade e justiça - é a forma mais geral segundo a qual devem estabelecer-se as relações recíprocas entre ser humano e Estado.

Nesse sentido, o Estado constitucional contemporâneo emana de um pressuposto de igualdade dos membros da sociedade política. Essa igualdade inicial se reverte na legitimidade do texto normativo, que se entende em consequência como texto supremo capaz de subordinar todas as relações humanas a seu comando. No entanto, postular uma igualdade real tanto no momento prévio de elaboração do texto constitucional como no momento de sujeição a seus modais normativos pode ser ingenuidade ou artificialismo numa sociedade classificada e dicotomizada entre bons e maus, de preconceitos e patrimonialismos.

Em consonância com as colocações em torno à evolução da igualdade, a dogmática jurídica abre espaços a princípios de interpretação pautados pela igualdade no momento de aplicação do Direito precisamente porque é necessário minimizar as desigualdades para maximizar a igualdade. Ou seja, não é compatível com a efetividade dos direitos, numa sociedade que deseje ascender em graus civilizatórios, que uma interpretação jurídica conduza à nivelação da desigualdade como pressuposto para atingir a igualdade. Esse tipo de hermenêutica simplesmente conduz à precarização dos direitos, não exclusivamente para aquele que o pleiteia, mas para todos os membros da sociedade.

Daí que advirtamos uma forte dose de populismo jurídico, facilmente identificável, quando se dizem frases como: ninguém pode ser tratado de maneira diferente, portanto, se ninguém tem esse direito, ele, que pleiteia o direito, tampouco deve ter. Seria injusto e ocasionaria um tratamento desigual. No caso, a hermenêutica desinteligente a serviço de uma igualdade torpe e a serviço da restrição dos direitos.

Na gravidade do punitivismo seletivo em que a sociedade brasileira se submerge, a personificação do sujeito que pleiteia o direito contribui ainda mais à precarização dos direitos e garantias fundamentais, justificando o retrocesso do Direito como disciplina social. A questão é simples, mas nem por isso menos odiosa jurídica e socialmente.

Não é demais lembrar que, ratificando colocações do segmento anterior da exposição, um autor como Kelsen, na sua Teoria Pura do Direito, fazia uma distinção clássica entre igualdade perante a lei e igualdade na lei. E, com relação à primeira, afirmava que "simplesmente os órgãos de aplicação do direito só têm o direito de levar em consideração as distinções feitas nas próprias leis que devem ser aplicadas, o que equivale a afirmar simplesmente o princípio da regularidade da aplicação do direito em geral, princípio que é imanente a toda a ordem jurídica". [9]Nesse sentido, o direito deve ser interpretado/aplicado conforme o direito. Por sua vez, na igualdade na lei, Kelsen sustentava que a lei não poderia discriminar estabelecendo tratamento diferente entre as pessoas por causas [10]relativas à religião, classe social ou à riqueza.      

Resulta, portanto, em um retrocesso jurídico e numa inegável violência aos direitos associar a proteção ou punição à premissa de que o sistema jurídico não é capaz de contemplar os direitos para todos por razões fáticas ou circunstanciais. Por outras palavras, em lugar de procurar a saída para resolver os problemas sistêmicos ou continuar na briga por modificar as condições de existência que impedem o acesso à jurisdição, se escolhe uma linha de fuga: sacrificar o direito ou a garantia, sob a justificativa de que assim prestigiamos a igualdade.   

O princípio da igualdade somente é plenamente satisfeito e sua autonomia normativa distinguida na sua completude quando a decisão judicial é tomada com fundamento no acervo previamente exposto na Constituição e nas Convenções Internacionais de direitos humanos e quando, paralelamente, se cumpre com a intenção constitucional de eliminar as causas que originam a radical separação entre o postulado do acesso à jurisdição e a realidade sistêmica de privilégios históricos enraizados na construção sociocultural de um país de contraposição entre escravos e senhores e, depois,  patronos e homens supostamente livres.      

As teses que banalizam a igualdade, ao final, somente podem conduzir a uma legitimação acrítica de uma ordem coercitiva que se pretende impor no Brasil e que, amanhã, sem contemplar as exigências do Direito construído, nos leva pela emoção e a, sem maiores raciocínios, considerar como justas as restrições dos direitos.

Daí a necessidade de estarmos alertas a essa ameaça.

Notas e Referências:

[1] O enigma da igualdade. in Estudos Feministas, Florianópolis, 13(1): 11-30, janeiro-abril/2005, p. 15.

[2] Folha de São Paulo. Maioria apoia prisão após a 2ª instância, diz Datafolha. P. A4.

[3] Michel Foucault. Vigiar e Punir. Tradução de Raquel Ramalhete. São Paulo: Vozes. 1987.

[4] https://www.conjur.com.br/2018-abr-15/entrevista-floriano-marques-diretor-faculdade-direito-usp

[5] Sobre o tema, confira-se, por todos, ADRADOS, Rodriguez. Ilustración y política en la Grécia clásica. Madrid: Revista del Occidente, 1966, p. 220-231.

[6] O espírito das Luzes. Trad. de Mônica Cristina Corrêa. São Paulo: Barcarolla, 2008, p. 103-114.

[7] DIDEROUT, Denis. D´ALEMBERT, Jean Le Rond. Verbetes politicos da Enciclopédia.  Trad. de Maria das Graças de Souza. São Paulo: Discurso Editorial; Unesp, 2006, p. 194.

[8] Direito constitucional e teoria da Constituição. 5ª ed., Lisboa: Almedina, 2002, p. 428-429.

[9] Kelsen. Teoria Pura do Direito. Trad. J.B. Machado. Coimbra: Armenio Amado. 1984. Pp. 203-204.

 

Imagem Ilustrativa do Post: the lamp of the body // Foto de: Mike Hartnett // Sem alterações

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