Por Quitéria Péres - 22/08/2016
Há muito tempo este placar é identificado pelo jurisdicionado, o qual busca o Poder Judiciário para alcançar a solução de um conflito. Sua situação se compara a da pessoa que sente dor e procura o médico, o qual lhe prescreve um medicamento. Tanto a prolação da sentença como a emissão de uma receita se equiparam à fórmula apontada para a eliminação do problema. Todavia, o simples fato de dispormos da sentença em nossas mãos ou do receituário médico, não significa, em absoluto, que o conflito ou a dor, respectivamente, tenham cessado. Há que ser implementada a efetivação do direito reconhecido na sentença para que, assim como o medicamento em relação ao organismo, possa o cidadão jurisdicionado experimentar a sensação de que o problema fora resolvido.
Justamente aí deveríamos vislumbrar a satisfação pelo cumprimento do dever, afinal, nenhum juiz prestou concurso para ser um prolatador de sentença. Muito ao contrário, sua missão é ajudar as pessoas a resolverem os conflitos, sobretudo porque, sendo proibida a aututela, o Estado promete a solução integral do mérito (que pode compreender tanto uma lesão, como uma ameaça ao Direito), incluída a atividade satisfativa. Mais que isso, promete também fazê-lo em prazo razoável (NCPC, art. 4º). Razoável, por certo, não é o prazo necessário ao Poder Judiciário para honrar tal compromisso, mas sim aquele que a parte consegue esperar sem que seu quadro de saúde se comprometa ainda mais. Ou melhor, seu quadro de lesão ao Direito. E, claro, sem que eventual demora o faça concluir pelo descumprimento da promessa constitucional referida por parte do Estado (CF, art. 5º, inc. XXXV).
Em tempos de Olímpíadas, tal contexto, de todo preocupante, nos remete à comparação com um jogo em que o atleta se preocupe em promover boas jogadas, mas não faça o gol tão esperado (isso sem considerar que nem sempre há boas jogadas). Parece que o adversário é forte demais. Sim, o adversário neste caso é o expressivo volume de demandas, aliado ao insuficiente quadro de pessoal (servidores e juízes), para não citar outros aspectos, como as manobras processuais empregadas pela parte que pretende alongar a tramitação do processo justamente para retardar, ao máximo, sua tramitação e com isso protelar a temida efetivação do direito. Para a parte que sabe não ter razão, muitas vezes terminar o jogo com o placar 0x0 já é considerada uma vitória, pois assim não cumprirá a obrigação que lhe está sendo imposta. Isso pode ser facilmente compreendido sob o prisma do processo execucional (seja em relação a um título executivo judicial, seja a um extrajudicial).
Talvez por já termos nos conformado com este quadro marcado por reiteradas derrotas em relação ao desafio de efetivar direitos, tenhamos direcionado nossa dedicação e comprometimento à tarefa de reconhecê-los, o que se dá com a prolação da sentença no final de um processo de conhecimento. Quem sabe isso ocorra até mesmo inconscientemente, como uma forma de aliviar a sensação de frustração enfrentada diante das inúmeras adversidades ocorridas no processo execucional, a exemplo da dificuldade para encontrar bens penhoráveis e para alcançar, na fase expropriatória, o produto hábil a satisfazer o débito.
Ainda que parte dos problemas ocorridos ao longo da tramitação de um processo execucional não estejam a mercê da atuação dos operadores que atuam no processo (como a hipótese em que o devedor não tenha bens penhoráveis), é preciso que sua atenção e foco sejam direcionados ao campo daquilo que está ao seu alcance. Refiro-me ao conhecimento e bom manejo das alternativas processualmente conferidas para a obtenção, no processo, do melhor resultado possível, assim entendido como aquele que mais se aproximar da efetivação do direito.
A propósito disso, com perspectiva otimista, ressalto a importância e alcance da norma prevista no inciso IV do art. 139 do NCPC, segundo a qual, ao dirigir o processo, incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Este dispositivo anuncia mudanças muito mais profundas e impactantes do que uma apressada leitura pode fazer crer, tanto que anuncia a flexibilização do princípio da tipicidade dos meios processuais, esta delineadora dos marcos que sempre delimitaram tão rigorosamente o campo do que é permitido e do que não é em relação às medidas adotadas para alcançar o cumprimento de uma obrigação, especialmente a de pagar quantia certa.
Com isso se quer dizer que, após assegurada ao executado a possibilidade de pagar espontaneamente o débito (NCPC, art. 513 e 827, conforme se trate de execução fundada em título judicial ou extrajudicial), caso tenha resultado sem sucesso a tentativa de localização de bens penhoráveis, poderá o juiz se valer da sua habilidade criativa para lapidar as medidas que repute mais adequadas ao caso para assegurar o cumprimento da ordem judicial (o que poderá ser feito também nos casos em que o processo envolva prestação pecuniária). Claramente, pretendeu o legislador deixar claro o quão amplo é tal espectro de medidas, tanto que expressamente permitiu aquelas que visem incentivar, com premiação, o cumprimento (medidas indutivas), que erijam eventual descumprimento à configuração de crime por se tratar de ordem judicial (medidas mandamentais), que façam com que o Estado substitua a própria parte no sentido de implementar a obrigação por ela própria não satisfeita (medidas sub-rogatórias) ou, ainda, que estabeleçam, como fator coercitivo, uma sanção para a hipótese de descumprimento. Sob este último aspecto, com o qual estamos mais familiarizados porquanto mais recorrente, conhecemos a fixação de astreintes (muito aplicadas às obrigação de fazer e não fazer), porém é necessário que tal olhar seja ampliado para compreender também medidas de restrição a direitos. Quem não conhece algum caso real em que o devedor não tenha bens sob sua titularidade e por isso resulte frustrada toda e qualquer tentativa de penhora (seja de dinheiro, promovida de modo online pelo Sistema BACEN-JUD, seja de imóveis, veículos ou quaisquer outros), porém exiba em suas redes sociais reiterados sinais de riqueza, como fotos de viagens ao exterior ou de momentos de lazer em locais sabidamente restritos a uma elite abastada financeiramente. Em tais casos, a medida coercitiva já anunciada por alguns doutrinadores, lapidada pela sua aparente adequação, seria a apreensão do passaporte do devedor. E, para aqueles que, num ímpeto, se preocupam com a restrição aos direitos do devedor, vale sugerir que, antes que conclua pela inadmissibilidade pura e simples de tal alternativa, reflita pausadamente sobre duas ponderações: a primeira, de que tal medida, é de todo excepcional, tanto que se recomenda sua aplicabilidade somente depois de oportunizado o pagamento espontâneo e esgotadas as tentativas de penhora segundo a consagrada tipicidade dos meios executórios; e, a segunda, de que, percebendo a derrota enfrentada pelo sistema judiciário no placar antes referido, o legislador fez preponderar o princípio da máxima efetividade processual em relação ao da menor onerosidade para o devedor, o que pode ser observado também na redação do parágrafo único do art. 805 do NCPC (segundo o qual, caberá ao devedor que pretenda sugerir alternativamente uma medida menos gravosa o ônus de demonstrar que será mais eficaz, sob pena de não ser admitida a pretensa substituição).
Tais ponderações se prestam a incentivar a reflexão, por parte dos operadores do Direito, sobre o papel que, no campo da justiça, tem desempenhado efetivamente, sugerindo-se, ainda, o seguinte questionamento: - Se não formos nós, será quem a promover tais mudanças? – Se não for agora, então será quando?
Quitéria Tamanini Vieira Péres é Graduada em Direito (FURB - Universidade Regional de Blumenau). Concluiu os Cursos de Pós-Graduação “lato sensu” em: (1) Direito Civil (UNIVALI); (2) Direito Penal e Processual Penal (FURB) e (3) Gestão e Controle no Setor Público (convênio UDESC/ESAG/TJSC). Concluiu o Curso de Mestrado, área de concentração: instituições jurídico-políticas (UFSC). Ingressou na Magistratura do Estado de Santa Catarina em 1998, tendo atuado, como titular, nas comarcas de Rio do Oeste, Jaraguá do Sul, Brusque, encontrando-se atualmente lotada em Blumenau desde julho de 2009 (na 1a Vara Cível). Atualmente, é Juíza Eleitoral, respondendo pela 3ª Zona Eleitoral de Blumenau. Lecionou na FAE, FURB, UNIFEBE e UNERJ e também na Escola da Magistratura deste Estado (Capital e extensões de Joinville, Blumenau, Rio do Sul, Itajaí, Tubarão, Lages e Bal. Camboriú), na área de Direito Processual Civil. É professora, também, da Academia Judicial (vinculada ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina). É autora do curso online sobre Sentença Cível Descomplicada, disponível no site da Livraria Concursar (livrariaconcursar.com.br)..
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