RACISMO NO FUTEBOL

26/05/2022

O assunto não é novo.

Já tivemos oportunidade de abordar, em artigo anterior, a lamentável ocorrência, durante partidas de futebol nos jogos da última Copa do mundo, na Rússia, de manifestações expressas de racismo e discriminação racial envolvendo não apenas jogadores negros, mas também integrantes de torcidas rivais.

Mais recentemente, depois de seguidas demonstrações de racismo em jogos da Copa Libertadores, a Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) anunciou que pretende aumentar as punições aos clubes cujos torcedores cometerem esses reprováveis atos. A entidade prometeu mudanças nos regulamentos para aumentar e endurecer as punições em casos de racismo, se comprometendo, ainda, a instituir novos programas e ações com o objetivo de encerrar definitivamente este problema do futebol sul-americano.

Vale lembrar que, nas últimas semanas, somente a título de exemplos, houve atos racistas da torcida do River Plate contra a do Fortaleza, em Buenos Aires, do Emelec contra o Palmeiras em Guaiaquil, do Boca Juniors contra o Corinthians em São Paulo, do Estudiantes contra o Bragantino também na Argentina e da Universidad Católica contra o Flamengo em Santiago.

No Brasil, a Lei nº 10.671/03 – Estatuto do Torcedor, não contempla nenhuma disposição que penalize o racismo ou a discriminação praticada em estádios de desportos ou em suas cercanias, contra torcedores ou jogadores.

A tutela penal fica, dessa forma, por conta das disposições constantes da Lei nº 7.716/89, que estabelece punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sem, entretanto, esclarecer os precisos contornos de cada uma dessas expressões.

A Lei nº 12.288/10 – Estatuto da Igualdade Racial, no art. 1º, parágrafo único, inciso I, definiu “discriminação racial” da seguinte forma: “I – Discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada”.

Em janeiro de 2022, por meio do Decreto n. 10.932, o Presidente da República promulgou a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmada na 43ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, na Guatemala, em 5 de junho de 2013, a qual ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com o “status” de emenda constitucional.

Na referida convenção, racismo vem definido como “qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o falso conceito de superioridade racial.”

Entretanto, racismo não deve ser confundido com injúria racial, ou injúria por preconceito, prevista no art. 140, §3º, do Código Penal. A injúria se caracteriza pela ofensa à dignidade ou ao decoro da vítima (honra subjetiva – autoestima) e, quando consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, é apenada com reclusão de um a três anos e multa.

Vale lembrar que o pleno do Supremo Tribunal Federal, em 28.10.2021, no julgamento do HC 154.248/DF, tendo como relator o Min. Edson Fachin, entendeu que o crime de injúria racial é uma espécie de racismo e, portanto, imprescritível.

Na oportunidade, assim decidiu o Tribunal: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. INJÚRIA RACIAL (ART. 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ESPÉCIE DO GÊNERO RACISMO. IMPRESCRITIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Depreende-se das normas do texto constitucional, de compromissos internacionais e de julgados do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento objetivo do racismo estrutural como dado da realidade brasileira ainda a ser superado por meio da soma de esforços do Poder Público e de todo o conjunto da sociedade. 2. O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 3. A simples distinção topológica entre os crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o condão de fazer deste uma conduta delituosa diversa do racismo, até porque o rol previsto na legislação extravagante não é exaustivo. 4. Por ser espécie do gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. 5. Ordem de habeas corpus denegada.”

Em suma, urge que atos e condutas de intolerância, considerados como racismo ou como injúria racial, sejam efetivamente reprimidos pelas autoridades, inclusive no âmbito criminal, com rigorosa apuração e severa punição, desencorajando-se esses lamentáveis comportamentos que, infelizmente, ainda poluem o seio da sociedade brasileira.

 

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