RACISMO NA COPA DO MUNDO

19/07/2018

Lamentavelmente, mais uma vez assistimos, durante partidas de futebol nos jogos da Copa do mundo, manifestações expressas de racismo e discriminação racial envolvendo não apenas jogadores negros, mas também integrantes de torcidas rivais, que chegaram até mesmo a ser agredidos simplesmente por ostentarem nacionalidade e características étnicas diferentes de seus agressores.

Até mesmo a Rússia, país sede do mundial de 2018, pouco mais de um mês antes do início da Copa, teve sua federação de futebol multada pela Fifa em razão dos gritos racistas de seus torcedores durante um amistoso contra a França, em 27 de março deste ano. A federação russa de futebol foi apenada em 30 mil francos suíços, o equivalente a R$ 106 mil na cotação atual.

Houve caso, ainda, de torcedor brasileiro vítima de racismo praticado por torcedor mexicano e houve também episódios lamentáveis de racismo e discriminação praticados por torcedores brasileiros.

No Brasil não é diferente. Na Lei nº 10.671/03 – Estatuto do Torcedor, não há nenhuma disposição que penalize o racismo ou a discriminação praticada em estádios de desportos ou em suas cercanias, contra torcedores ou jogadores.

A tutela penal fica, dessa forma, por conta das disposições constantes da Lei nº 7.716/89, que estabelece punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sem, entretanto, esclarecer os precisos contornos de cada uma dessas expressões.

Já tivemos a oportunidade de ressaltar, em artigo anterior, a confusão que se faz no Brasil com os termos racismo, discriminação e preconceito.

O termo “racismo”, geralmente, expressa o conjunto de teorias e crenças que pregam uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas. Pode ser classificado como um fenômeno cultural, praticamente inseparável da história humana.

A “discriminação”, por sua vez, expressa a quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferência, motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas.

Já o “preconceito” indica opinião ou sentimento, favorável ou desfavorável, concebido sem exame crítico, ou ainda atitude, sentimento ou parecer insensato, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância.

Portanto, em regra, o racismo ou o preconceito é que levam à discriminação, num contexto mais amplo de intolerância.

A Lei nº 12.288/10 – Estatuto da Igualdade Racial, no art. 1º, parágrafo único, inciso I, definiu “discriminação racial” da seguinte forma: “I – Discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada”.

No âmbito da Lei nº 7.716/89, por seu turno, embora não haja nenhuma definição estabelecida, se fala em discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

“Raça” pode ser definida como cada um dos grupos em que se subdividem algumas espécies animais (no caso específico da lei – o homem), cujos caracteres diferenciais se conservam através das gerações (p. ex., raça branca, amarela, negra).

“Cor” indica a coloração da pele em geral (branca, preta, vermelha, amarela, parda).

“Etnia” significa coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir (p. ex., índios, árabes, judeus etc.).

“Religião” é a crença ou culto praticado por um grupo social, ou ainda a manifestação de crença por meio de doutrinas e rituais próprios (p. ex., católica, protestante, espírita, muçulmana, islamita etc.).

“Procedência nacional” significa o lugar de origem da pessoa, a nação da qual provém, o lugar de onde procede o indivíduo (p. ex., italiano, japonês, português, árabe, argentino etc.), incluindo, a nosso ver, a procedência interna do País (p. ex., nordestino, baiano, cearense, carioca, gaúcho, mineiro, paulista etc.).

A Lei nº 1.390/51, denominada “Lei Afonso Arinos”, em homenagem ao ilustre deputado federal mineiro Afonso Arinos de Melo Franco, seu autor, teve o mérito de ser a primeira lei brasileira a criminalizar atos resultantes de preconceito de raça e cor. Posteriormente, a referida lei sofreu sensível alteração pela Lei nº 7.437/85, que aumentou a abrangência das normas penais, prevendo, além do preconceito de raça e cor, também o preconceito de sexo e estado civil. Esse diploma ainda se encontra em pleno vigor.

Nesse panorama, as condutas resultantes de preconceito ou discriminação por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional se encontram previstas na Lei nº 7.716/89 como crimes, enquanto as condutas resultantes de preconceito ou discriminação por sexo (masculino/feminino) e estado civil se encontram na Lei nº 7.437/85 previstas como contravenções penais.

É verdade que a intolerância racial não é moderna, já existindo desde os tempos mais remotos, não encontrando fronteiras temporais ou territoriais, sendo o racismo, a discriminação, o preconceito e a intolerância racial fenômenos antigos e mundiais, não restritos apenas a países ou regiões do globo, apresentando implicações transnacionais e intertemporais de acentuada importância, principalmente como agentes catalisadores de inúmeros conflitos e guerras, que tanto sofrimento e desespero têm propiciado à população mundial.

No Brasil, além da educação, a erradicação da discriminação e da intolerância em função de raça, cor, etnia, religião, origem e procedência nacional, além de outras, somente será alcançada por meio da punição severa e exemplar dos infratores, servindo o aparato punitivo de poderosa ferramenta de desencorajamento destas lamentáveis condutas que, infelizmente, ainda poluem o seio da sociedade brasileira.

 

Imagem Ilustrativa do Post: World Cup Umbrellas // Foto de: Michael Josh Villanueva // Sem alterações

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