Por Luciano Góes - 16/10/2015
“A carne mais barata do mercado é a carne negra\que vai de graça pro presídio\e para debaixo de plástico\que vai de graça pro subemprego\e pros hospitais psiquiátricos.
A carne mais barata do mercado é a carne negra\que fez e faz história segurando esse país no braço\o cabra aqui não se sente revoltado\porque o revólver já está engatilhado\e o vingador é lento mas muito bem intencionado...”.
A carne - Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette
Introdução
Em nossa sociedade, onde o disciplinamento sempre teve por base castigos corporais, mutilações e mortes, antes de falar em classes sociais (que pressupõe relações humanas), devemos falar na relação social do homem (senhor branco) e da coisa (escravo negro), devemos ainda falar em raças [1], eis que nosso país foi construído a partir do racismo estrutural (e estruturante) que atravessa nossa história e se projeta para além dos nossos dias. Um conflito social que tem como resultado secular o genocídio e a exclusão do negro decorrente de um projeto político de extermínio, explícito e implícito (porém não menos cruel) da gênese negra.
Seguindo as lições de Darci Ribeiro, para quem o “projeto Brasil” era fundado em uma ninguendade inclusiva pela carência que nos moldou, questionamos se esse projeto se efetivou pois, ao que parece, nunca fomos de fato em país, o elemento povo sempre foi segregacionista com relação ao negro, para quem aquela ninguendade é reconhecida e naturalizada por um mundo que não foi construído ou organizado para tratá-lo como um ser humano e como um igual, de acordo com Florestam Fernandes. É a mesma carne barata que é triturada diuturnamente pelo velho moinho de gastar gente elevando sempre mais o número da cifra negra [2].
Neste norte, em face da imprescindível decolonialidade e norteado pela criminologia da libertação como construção de uma criminologia crítica própria, contra-hegemônica, criminologia antropofágica esta assentada aqui em um duplo sentido. O primeiro explicita a auto-destruição que a recepção do paradigma racista\etiológico aqui representou (isso se concebermos que formamos um povo!). O segundo se refere exatamente a necessidade de levar em consideração nossas especificidades na construção de uma criminologia crítica própria, ou seja, em uma perspectiva antropofágica oswaldiana.
Desvelar as feridas históricas abertas e nunca tratadas é o objetivo destas linhas, e para tal, tomamos como fio condutor o racismo estrutural de nossa sociedade e o sistema punitivo que é orientado por ele, sua pedra angular “coberta”, correlacionando-o com a manutenção da ordem, o medo e os discursos punitivos, trazendo contributos considerados importantes para a explicação e entendimento dos nossos conflitos, além da construção social e estética do crime e do criminoso, uma política de controle social sobre o negro ante sua (sempre) possível revolta e da “africanização” que determinou o “branqueamento” do país.
Aliados a guerra estado-unidense contra as drogas, estes aportes conferem a legitimidade para conceber o continuum ininterrupto do genocídio negro, uma guerra étnica declarada explicitada pelas estatísticas do sistema penitenciário, mas principalmente pela atuação da agência policial que movimenta o Direito penal “subterrâneo”, um sistema punitivo que continua com as penas corporais, torturas e mortes das fazendas escravagistas, um poder de punir autoritário e totalmente incontrolável que se orienta por aquele racismo.
1. Racismo Estrutural e Cifra Negra em nossa Marginalidade
“A Europa tornou as outras culturas, mundos, pessoas em ob-jeto: lançado (-jacere) diante (ob-) de seus olhos. O ‘coberto’ foi ‘des-coberto’: ego cogito cogitatum, europeizado, mas imediatamente ‘em-coberto’ como Outro. O outro constituído como o Si-mesmo.” (Enrique Dussel - O encobrimento do outro)
No início do século XVI, após o “descobrimento do Brasil”, como Portugal não encontrou metais e pedras preciosas no Novo Mundo, a exemplo dos espanhóis, o interesse da coroa portuguesa na gigantesca vastidão territorial de sua mais nova colônia, se deu, em um primeiro momento, na extração vegetal. Assim, quando em 1530 os primeiros negros aqui desembarcaram (NASCIMENTO, 1978, p. 48) sua força de trabalho foi direcionada para a extração do pau-brasil, nosso primeiro produto tipo exportação, que na Holanda manufatureira, era utilizado na “correção” dos prisioneiros nas Rasp-huis (MELOSSI; PAVARINI, 2010, p. 43), gênese do sistema prisional.
Em nosso segundo ciclo produtivo, a produção de açúcar, vislumbrando a enorme demanda no rentável mercado europeu, a colônia fora dividida em capitanias hereditárias concedidas a donatários, pessoas com recursos financeiros necessários para investir nas terras brasileiras, pois a produção de açúcar, para ser compensadora economicamente, necessitava de trabalho intensivo de um grande número de mão-de-obra que incluía os degredados, como determinava um alvará de 1536 de D. João III, exilando os jovens vadios de Lisboa reincidentes pelo furto de bolsas (BATISTA, N. 2002, p. 149).
Tendo em vista a imensidão, os portugueses que, por ventura, viessem para o Brasil, só trabalhariam nas terras de outrem por meio de pagamento, uma vez que, pela disponibilidade de terras, bastava a vontade destes para se tornarem proprietários.
Em face do grau de conhecimento nas lavouras e consciência do conceito de propriedade, os camponeses não aceitariam a condição de assalariados, vivendo em condições sub-humanas, nas palavras de Décio Freitas:
Se o camponês se dispusesse a trabalhar para o dono da plantação, arbitraria salário tão alto que impossibilitaria o lucro e o enriquecimento do patrão. [...] Não se formaria uma classe de assalariados; haveria apenas uma classe de trabalhadores independentes. O dono da terra, não poderia obrigar o camponês a ficar nela, nem impedi-lo de se instalar num pedaço, transformando-o em propriedade privada e meio individual de produção: pois tal camponês era um homem livre. (FREITAS, 1991, p. 18)
A solução para o problema residia nas colônias portuguesas de exploração existentes na Costa Ocidental Africana, mais precisamente nas ilhas de São Tomé e Cabo Verde: o escravo negro, cujo mercado abastecedor era, aparentemente, inesgotável, devida à infindável grandeza do Continente Negro, que desde o início do século XV (1429) Bulas papais “santificaram” e determinaram a posse portuguesa sobre a raça negra, de forma exclusiva. Assim, tão imensa quanto a quantidade de terras a explorar era o mercado africano, enquanto fornecedor de mão de obra escrava.
Destarte, o racismo, naquele momento, decorria da benção divina cristã que configurou a formação dos países ibéricos face as inúmeras invasões mouras e sua expulsão na Reconquista, um conflito entre o Islamismo e o Cristianismo, do negro (mouro) vs. o branco (FLAUZINA, 2006, p. 31). A expulsão moura caracterizou não apenas a vitória mas a superioridade branca europeia.
O sistema aqui implantado, obteve resultados tão favoráveis e lucrativos que foi através do mercantilismo português que houve o fomento e o desenvolvimento da produção de manufaturas, que possibilitou a acumulação de capital suficiente para financiar a futura Revolução Industrial. Por outro lado, significou a fragmentação colonialista da África, a Diáspora negra, eis que “a experiência brasileira se afirmou como um êxito total, dando lucros que excitaram a cobiça das potências marítimas da Europa. Empenharam-se todas em conquistar no Novo Mundo territórios a serem explorados pelo trabalho de escravos negro” (FREITAS, 1991, p. 26).
O modelo escravagista brasileiro possuía uma especificidade em decorrência de múltiplos aspectos, que o tornaram singular em todo o mundo, o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, em nenhum outro país a escravidão teve longevidade tão duradoura. Não há comparação, em âmbito mundial, na quantidade, valor e variedade das riquezas provenientes dessa forma de expropriação de mão de obra e exploração humana, a escravidão negra [3] foi responsável, além da extração do pau-brasil, pela produção do açúcar, ouro, diamantes, fumo, algodão e café, em consequência, pela acumulação das riquezas originárias desses ciclos, nos quais despontaram o Brasil como pólo exportador e, em algumas culturas, o maior produtor mundial.
Com o tráfico negreiro, que originou uma ninguendade (RIBEIRO, 1995, p. 131) a partir do medo branco da coalizão e revolta negra que separava, cuidadosamente, nos navios tumbeiros os indivíduos da mesma tribo, impedindo a comunicação, o Brasil introduziu em seu território, aproximadamente, 6 milhões de escravos (RIBEIRO, 1995, p. 162), possuindo o recorde americano, 40% do total de negros sequestrados (FREITAS, 1991, p. 11).
Não há consenso no número de escravos que chegaram ao Brasil, pois a quantidade corresponde apenas a uma estimativa dos negros que chegaram vivos em nosso solo, correspondendo a um terço do total, pois, aproximadamente dois terços desse número morreram antes de desembarcar aqui. Estudos históricos mostram que do número total estimado de negros feitos escravos, um terço morreu na viagem até a costa africana e nos postos de embarque, e o outro terço morreu durante a travessia oceânica ou no processo de aclimatação (KAUFMANN, 2007, p. 52).
O resultado do ciclo escravagista brasileiro é, entre vivos e mortos, de aproximadamente 18 milhões de escravos negros, até 1850, quando em 04 de setembro, por repressão da marinha inglesa nas águas e portos brasileiros, apreendendo e destruindo navios negreiros, foi aprovada a lei Euzébio de Queiroz que adotava medidas drásticas para a se findar o tráfico de negros, sendo que “sem a pressão externa o tráfico não teria cessado” (FREITAS, 1991, p. 95), o que não significou o fim do tráfico de escravos, eis que até a abolição da escravatura, a sociedade escravocrata brasileira necessitava de outros negros para a reposição das “suas peças”.
Nesse contexto se desenvolveu “[...] a formação social escravista mais importante do Novo Mundo. Nenhum outro país teve a sua história tão modelada e condicionada pelo escravismo, em todos os aspectos – econômico, social, cultural” (FREITAS, 1991, p. 11).
Entretanto, se há uma estimativa da quantidade de negros sequestrados, pelo sistema escravagista que fundou nossa sociedade, os números que compõem a cifra negra, sempre crescente pela política genocida, é inimaginável.
Esta cifra compreende todos os negros mortos em nossa vergonhosa história, ou seja, a morte daqueles dois terços que nem sequer aqui chegaram [4], dos negros traficados clandestinamente após a lei supracitada, uma vez que a “vida útil” de um negro escravo jovem ou de meia idade era de sete ou oito anos (NASCIMENTO, 1978, p. 58), necessitando, a velha “máquina de gastar gente” (RIBEIRO, 1995, p. 69), sempre dos mesmos corpos, não apenas como combustível, mas como carne a triturar dos escravos assassinados pelos “seus senhores”, das mortes em Palmares, das mortes nas incontáveis chacinas, enfim, de todos os corpos negros resultantes desse genocídio [5] continuado hodiernamente.
Alguns fatores contribuíram para o incalculável número desta cifra negra, a ausência de registros, devido a extensão temporal, a ilicitude do tráfico após a 1850, mas um fato, lembrado por Abdias do Nascimento, nos chama a atenção, a Circular nº 29, de 13 de maio de 1891, assinada por Rui Barbosa, então Ministro das Finanças, que em uma atitude ingênua, para dizermos o mínimo, de esquecer nosso passado negro, queimou “[...] todos os documentos históricos e arquivos relacionados com o comércio de escravos e a escravidão em geral” (NASCIMENTO, 1978, p. 49).
Neste diapasão, o número gigantesco de negros, compreendidos entre libertos e escravos preocupava mesmo antes da supressão do tráfico negreiro. Em 1847, na abertura da Assembleia Legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o Senador Conselheiro, Manoel Antonio Galvão, demonstrava sua preocupação ao dizer que: “[...] Na opinião geral é considerada a colonização a necessidade mais palpitante do Império: a vastidão das terras desertas, que não quereis sem dúvida povoar com negros [...]” (CARDOSO, 1977, p. 191).
A partir de então, os grandes proprietários de terras organizavam-se para manter as suas propriedades protegidas da ameaça negra que se fazia cada vez mais próxima. Vislumbrando a manutenção de uma sociedade racialmente estruturada e a subordinação da “raça inferior”, foi criada a Lei da Terra (Lei nº 601/1850, ainda em vigor), com clara intenção protecionista, pois definiu que as terras ainda não ocupadas passam a ser propriedades do Estado, e as já ocupadas podiam ser regularizadas como propriedade privada, garantindo assim, os interesses da elite e aniquilando, de uma vez por todas, a possibilidade de ocupação de terras pelos escravos.
Com a substituição econômica do açúcar pelo café, graças a produção de açúcar pela Holanda, fez-se imperioso a adoção do trabalhador imigrante europeu, em face da escassez de mão-de-obra, quando “a imigração passou a ser amplamente subsidiada e estimulada, os gastos com transportes e com a instalação eram financiados pelo Governo, que chegava até a promover obras para poder oferecer trabalho aos estrangeiros” (KAUFMANN, 2007, p. 78).
A partir dessa realidade, a manutenção do escravo passou a ser considerada como um obstáculo ao desenvolvimento e progresso brasileiro. Não apenas a ideia de que o europeu seria mais preparado tecnicamente para o trabalho nas lavouras de café fundamentava a inserção do imigrante europeu em solo brasileiro, como também a ideia (leia-se necessidade) de branquear o país, em decorrência do grande número de negros que se fazia presente e que seria, brevemente, posto em “liberdade”.
Essa era a conjuntura política do Brasil imperial: pressão externa, a lucratividade do comércio do café, a necessidade econômica urgente de mão-de-obra europeia e a necessidade de “branquear” o país. A abolição do regime escravocrata não tardaria muito mais e sem o apoio dos escravagistas, o Império também se findara.
Fundamentado pelos ideais iluministas e influenciado pelo liberalismo europeu, o Movimento Abolicionista, presente desde 1825, ganha força especialmente depois da Guerra do Paraguai (1864 – 1870), quando milhares de negros foram liberados das fazendas para combater nas fileiras do exército sob a promessa de que se retornassem vivos seriam livres, e consegue, no Parlamento Imperial, iniciar os debates sobre a abolição da escravatura.
Em 28 de junho de 1890, antes da aprovação da primeira Constituição republicana brasileira, o governo provisório deixa evidente a intenção de “branquear” o país, ao promulgar o Decreto nº 528, que dispunha em seu Art. 1º:
É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos a ação criminal do seu país, exceptuados os indígenas da Ásia ou da África, que somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos, de acordo com as condições estipuladas. (SKIDMORE, 1976, p. 155)
Finalmente, após as “leis para inglês ver" [6], em 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel, em nome do pai enfermo e ausente (e cedendo às pressões britânicas e interiores), põe fim ao regime escravagista ao assinar a Lei Áurea.
No pós-abolição, aquela massa negra, cerca de sete milhões de negros (FLAUZINA, 2006, p. 37), sem qualquer auxílio governamental foi lançada no mundo, sendo que muitos preferiram continuar nas fazendas pois assim tinham, ao menos, abrigo e comida, começa, assim, entre cortiços e zungus [7], o processo de favelização das grandes cidades, espaços ignorados pelos brancos, tornando-se o “lugar do negro” (BATISTA, V., 2003, p. 78), mantidas longe dos olhos civilizados por um racismo institucionalizado.
Nessa condição, a naturalização da ignorância e submissão veio através da violência desses campos de concentração urbanos planejados geo-politicamente nas “cidades armadilhas” (BATISTA, V., 2003, p. 36) idealizados para amenizar o medo branco já que controláveis, onde se esperou que as doenças causadas pela total ausência de saneamento básico e a inexistência de condições de vida exterminassem os indesejados. Uma zona de pobreza e violência que o Estado não apenas ignorou mas promoveu com fins higienistas, até agora, quando após o total descaso sobe as vielas “sorrindo” impondo a “pacificação”.
As feridas deixadas pela escravidão são inúmeras e profundas, mas nesse ponto importa em apontar a interiorização, inconscientemente, nos negros recém libertos a ideia de que o trabalho era perverso, e não poderia ser diferente tendo em vista as marcas traumatizantes (físicas e morais), além de toda privação, sofrimento, castigos e mortes cruéis, induzindo o negro, com estas feridas incicatrizáveis, a manter-se longe do trabalho ou trabalhar somente o necessário para a sua sobrevivência, o que, diretamente, provocou o aumento do preconceito e da discriminação por parte da classe branca “superior”, que interpretava tal comportamento como derivado daquele estado primitivo da “raça” “roída pelo alcoolismo e por uma falta total de higiene [...]” (SKIDMORE, 1976, p. 84).
Esta concepção foi determinante para a criminalização da vadiagem no código penal de 1889.
2. O Racismo Científico como base para a Criminologia
No final do século XIX e início do XX, a Europa se deparava com uma situação inconciliável, vivia no deslumbre proporcionado pela nova ordem social, na qual a burguesia usufruía as benesses das premissas basilares do modelo capitalista, enquanto que aquele sistema penal não conseguia responder os problemas da criminalidade (ZAFFARONI, 2005, p. 142).
As críticas se orientavam pela impossibilidade das teorias formuladas pelo Classicismo identificarem as causas da criminalidade, onde, por via de consequência, poderia ser combatida, dado que estas teorias sobre o crime (ente jurídico), Direito Penal e pena, possuíam como características o livre arbítrio dos criminosos que decorria da igualdade jurídica.
Nessa paradoxal realidade, o olhar criminalizante se volta ao delinquente, o elemento esquecido pelas teorias iluministas, tendo este que ser diferente já que as causas da criminalidade não poderiam estar na novel estrutura social. Assim, a burguesia procurou uma teoria com credibilidade capaz de efetivar (e camuflar) a seletividade penal escamoteando as consequências sócio-econômicas decorrentes do sistema capitalista.
Em um estudo pré-positivista, datado de 1.840, onde H.A. Frégier, chefe de polícia francês, tenta identificar os criminosos que compõem as “classes perigosas”, o que legitimaria a corporação policial ao exercício da sua atividade precípua, o controle social dos delitos e a correção (prevenção especial) do delinquente, via cárcere, uma vez que esta corporação possuía o poder mas não um discurso legitimante para seu uso coercitivo ilimitado.
Entretanto, o discurso policial não obteve êxito, pois ao apontar para a desigual estrutura social gerou críticas ao modelo capitalista, agregando influências sociais e morais, portanto, inadequado aos interesses dominantes que necessitavam de um outro discurso que legitimasse o uso deste poder a favor dos seus princípios e objetivos, como descreve Eugênio Raúl Zaffaroni:
Se demonstra aqui que o ensaio de um discurso por parte da corporação policial, anterior ao positivismo, não teve êxito devido a debilidade estrutural do produto, a suas contradições resultantes e, em grande parte, a inclusão de resultado desfuncional para legitimar a repressão policial ilimitada. Se os médicos tinham conseguido discursos mas lhes havia faltado poder para conseguir a hegemonia, as corporações policiais tinham poder mas não tinham conseguido o discurso adequado; é curioso que sua escassez de elementos fosse tal que, em boa parte que a intenção resultou ser quase iluminista e de crítica social. (ZAFFARONI, 2005, p. 143, tradução nossa)
Se no disciplinamento carcerário necessário às fábricas, segundo a microfísica do poder, houve a divisão da sociedade entre normais e anormais (maniqueísmo radical), a necessidade de mensurar a periculosidade do “criminoso” (o que corresponde à vinculação entre normais=corrigíveis=penas determinadas ou anormais=incorrigíveis=penas indeterminadas), demandou um saber “científico” que alcançaria o intangível (a alma, objeto da punição), pois somente no limbo intramuros a natureza real do criminoso se revelaria (FOUCAULT, 2013, p. 238).
Essa busca por uma “legitimidade” deita raízes nas desigualdades entre os povos e nações decorrente do choque entre os “civilizados” e os “primitivos”, consubstanciada na degeneração e infantilidade da população nativa do novo continente, que por sua vez embasou o conceito de raça, criado no início do século XIX, atribuindo, segundo Lilia Moritz Schwarcz, heranças genéticas aos diferentes grupos humanos, que possibilitavam não apenas o questionamento sobre as bandeiras liberais defendidas revolucionariamente (unidade e universalidade humana, igualdade, livre arbítrio e cidadania), como também a sua superação, provocando uma cisão maniqueísta natural(izada) (SCHWARCZ, 1993, p. 63).
De acordo com a antropóloga, o discurso racial estava embasado nas ciências naturais, em pleno desenvolvimento, dando origem a uma disputa teórica entre os monogenistas (dominantes na primeira metade do século XIX, fundamentados no Cristianismo, atribuíam a criação do homem à uma fonte única, Adão e Eva, as diferenças humanas seriam a prova de que havia uma gradação entre a virtualidade e degeneração, conforme a proximidade ou afastamento do Éden), e os poligenistas (teoria crescente a partir da segunda metade daquele século, originária da evolução científica e dos questionamentos sobre os dogmas católicos, acreditavam que as diferenças raciais derivavam de fontes genéticas diferentes, sendo resultados de espécies distintas e plurais, teoria que ganha força com a criação da frenologia e antropometria, que irão servir de base para a criação de uma nova “ciência” a antropologia criminal) (SCHWARCZ, 1993, p. 64-65).
Cada teoria empunhava e defendia uma disciplina, criando inclusive sociedades científicas. Enquanto os monogenistas se baseavam em análises etnológicas, de orientação humanística, criando sociedades em Paris, Londres e Nova York, os poligenistas, embasados em estudos antropológicos, criaram a Sociedade Anthropologica de Paris, fundada por Paul Broca, anatomista e craniologista, que defendeu, a partir dos estudos craniais, a existência de raças puras, condenando a miscigenação pela possibilidade de esterilidade semelhante a da mula, defendendo, assim, a imutabilidade racial.
Ainda de acordo com Lilia Moritz Schwarcz:
A divisão institucional explicitava, portanto, diversidades fundamentais na definição e compreensão da humanidade. Enquanto as “sociedades antropológicas” pregavam a noção da “imutabilidade dos tipos humanos” – e no limite das próprias sociedades -, os estabelecimentos “etnológicos” mantinham-se fiéis à hipótese do “aprimoramento evolutivo das raças”. (SCHWARCZ, 1993, p.71)
De qualquer forma, ambas teorias partiam da auto-imagem da perfeição, dado que inquestionável era a superioridade eurocêntrica.
As divergências diminuem somente em 1859 quando Charles Darwin publica A origem das espécies, marco onde a teoria evolucionista e sua seleção natural, passa a ser o paradigma científico “da moda”, interpretado e aplicado nas mais diversas áreas do conhecimento, em que pese se deter à biologia, concebendo uma conceitualização original de raça que transpõe os limites da biologia e passa a ser uma questão política.
No que se refere à esfera política, o darwinismo significou uma base de sustentação teórica para práticas de cunho bastante conservador. São conhecidos os vínculos que unem esse tipo de modelo ao imperialismo europeu, que tomou a noção de “seleção natural” como justificativa para a explicação do domínio ocidental “mais forte e adaptado”. (SCHWARCZ, 1993, p. 74)
Referência obrigatória em matéria de ciência, inovou fornecendo uma nova relação entre as disciplinas sociais e a natureza, vinculando aos diversos comportamentos sociais conceitos como: competição, seleção do mais forte, evolução, hereditariedade, civilização e progresso, (SCHWARCZ, 1993, p. 73-75), conceitos imprescindíveis e estruturantes do sistema de produção capitalista.
A partir dos pressupostos estabelecidos por Darwin, surgiu o determinismo do darwinismo social ou teoria das raças contrária ao livre arbítrio do Classicismo, acreditava, e enaltecia, os “tipos puros”, resultado final da evolução humana, sendo a miscigenação uma involução que acarretaria a degeneração.
Consoante as lições de Lilia Moritz Schwarcz, “esse saber sobre as raças implicou, por sua vez, um “ideal político”, um diagnóstico sobre a submissão ou mesmo a eliminação das raças inferiores, que se converteu em uma espécie de prática avançada do darwinismo social – a eugenia –, cuja meta era intervir na reprodução das populações”. (SCHWARCZ, 1993, p. 78)
Influenciado pelas obras de Darwin (A origem das espécies e A descendência do homem publicado em 1871) e pela teoria racial de Broca, Cesare Lombroso lança, em 1871, a obra L’uomo bianco e l’uomo do colore: letture sull’origine e la varietà delle razze umane (O homem branco e o homem negro: leituras sobre a origem e a variedade das raças humanas), dedicado à Darwin e baseado no paradigma racial, traça a evolução humana decorrente dos primatas, sendo os negros a ligação entre aqueles e o homem branco europeu, o ápice evolutivo. A partir da diminuição gradativa das diferenças anatômicas e habilidades psíquicas entre os macacos e os homens brancos, escreve o médico italiano:
[...] quando se compara os maiores macacos e a raça humana melânica, a falta de capacidade craniana, na cor da pele, na construção da laringe, rosto, pelve, órgãos genitais e membros, uns são verdadeiras ligações entre os brancos e os animais antropoides, e com poucos vestígios que restam do homem pré-histórico, podemos citar grande analogia humana com o hemisfério sul e com o negro, o que força a suspeita que o homem primitivo deva ser semelhante a este último. (LOMBROSO, 2012, p. 96, tradução nossa)
Em seu estudo racial, Lombroso descreve sua descoberta evolutiva:
VILLELA, de Motta S. Lucia, de 69 anos, agricultor, filho de ladrão, ocioso e ele próprio também ladrão, quando jovem era famoso por sua agilidade e vigor muscular [...]. Um homem de pele escura, com escassa barba, o rosto com sobrancelhas grossas, de focinho prognato (nariz alongado), não mostrou em primeiro lugar um crânio com dolicocefalia próprio da população da Calabria, porém em um exame mais cuidadoso, descobriu-se a atrofia do seu cérebro se não de 49 dígitos que corresponde à atrofia cerebral: Em um exame mais diligente foi descoberta a atrofia e a fusão do osso occipital, o que é mais importante, a falta de crista occipital interna [...]. (LOMBROSO, 2012, p. 85, tradução nossa)
O gene selvagem, atávico, encontrado em Villella não deixaria qualquer dúvida da inferioridade do negro, já que, após o estudo de seu crânio Lombroso afirmou que suas características seriam as mesmas dos lêmures. Além disso, a hereditariedade criminosa também estaria presente nele, uma vez que este era ladrão, tal qual seu pai.
Grabriel Ignacio Anitua ensina que foi a partir da “fissura occipital média” encontrada em Villella que a teoria do homem delinquente foi concebida, pois essa peculiaridade anatômica craniana, própria dos símios e do feto, antes de se desenvolver totalmente, seria a chave para entender o comportamento criminoso, anormal para os humanos mas comum entre os macacos e nos homens pré-históricos, a característica cranial encontrada seria a prova da animalidade do negro, indícios da sua natureza inferior e agressiva.
O atavismo darwiniano era importante por dois motivos, seria “[...] uma explicação científica – o delinqüente o é porque o seu desenvolvimento foi interrompido no seio materno antes de alcançar a maturidade – e uma chave para esse possível reconhecimento, por isso podia ser observado no corpo humano [...]” (ANITUA, 2008, p. 304).
É assim que o que o saber/poder médico entra em cena, pois, como lembra Vera Malaguti Batista, esse discurso tinha o crime como patologia classificatória (normais e anormais portadores da degenerescência que coloca em risco a sociedade sã e mais tarde irá embasar as teorias eugênicas), e orienta(va) o tratamento via correcionalismo e à indeterminação deste, encontrando um campo fértil para sua atuação no campo criminal(izante), uma vez que “[...] a pena encontrará um caudal de razões para expandir-se; as estratégias correcionalistas se revestirão de características curativas, reeducativas, ressocializadioras, as famigeradas ideologias ‘re’” (BATISTA, V., 2011, p. 45).
Nessas condições, tendo como laboratório científico as prisões e manicômios do Sul da Itália, Cesare Lombroso, médico militar e legista, utilizando o método científico indutivo (próprio das ciências naturais que utilizavam a observação e experimentação), dando continuidade aos seus estudos raciais, logo percebeu em seu objeto de pesquisa (criminosos e doentes apenados), algumas características em comum que lhe permitiram atribuir as causas do crime à degeneração genética.
Destarte, se as causas da criminalidade não poderiam ser direcionadas à estrutura social (erro do discurso policial), nada melhor para rechaçar àquela igualdade que orientou as críticas do Classicismo e promoveu a mudança na ordem social do que uma base “científica” para legitimar a desigualdade (BATISTA, V., 2011, p. 27) e o controle social da parcela disfuncional ao sistema. Nasceu assim a Criminologia, resultado da união dos discursos médico e policial, ciência legitimante do poder de punir.
Nesta senda, a Escola Positiva, orientada pelo paradigma etiológico [8] e recoberta por sua “cientificidade”, atribuiu as causas dos crimes ao delinquente, considerando suas características (fisionômicas, biológicas e psicológicas) de origem genética. A criminalidade seria, pois, uma patologia social e portanto seriam possíveis a profilaxia e a cura deste “mal”, “é nesse momento que o pensamento criminológico dá o seu grande salto à frente, com uma reflexão ‘científica’, autônoma, do discurso jurídico e, por isso, sem o embaraço das garantias e limites” (BATISTA, V., 2011, p. 26).
A partir da “científica” ontologia criminal, Lombroso observou nos “predestinados” anomalias sobretudo anatômicas e fisiológicas, como pouca capacidade craniana, desenvolvimento do maxilar e arcos zigomáticos, cabelo crespo e espesso, e assim, “[...] por regressão atávica, o criminoso nato se identifica com o selvagem” (ANDRADE, 2013, p. 25).
Ao publicar L’Umo Delinquente (1876), Lombroso cataloga os sinais que entendeu anatômicos da criminalidade e os dados antropométricos dos criminosos, criando o estereótipo que inculcará o medo, individual e coletivo, que logo se expandirá pelo mundo necessitado de “ordem”.
O racismo que originou L’uomo bianco e l’uomo do colore é encontrado no Homem Delinquente, explicitando sua base racista científica, quando Lombroso repete seu escrito se referindo àquela característica primitiva de Villella, diz ele:
A fosseta occipital limita-se dos dois lados por saliências ósseas que dirigem primeiro, paralelamente, figurando um trapézio e terminando próxima à cavidade occipital por um pequeno promontório triangular. Tais fatos e outros nos permitem concluir que se configura, aqui, uma verdadeira hipertrofia do vermis [parte do cerebelo], um verdadeiro cerebelo médio, de sorte que este órgão descenderia daquele dos altos primatas, ao nível dos roedores, dos lemurianos, ou bem do homem entre o terceiro e o quarto meses de sua vida fetal. (LOMBROSO, 2001, p. 195-196)
Entre o rol das características criminais encontramos: a tatuagem (“verdadeira escritura do selvagem”), os traumas, a analgesia, o uso de gírias, a reincidência, a associação para o mal, entre outras. Nas crianças, a insígnia do mal podia ser observada na cólera, nos ciúmes, nas mentiras, na crueldade, na preguiça e ócio, na vaidade, na imitação, etc., e dentre os caracteres “anormais” fisionômicos, Lombroso destaca as anomalias craniais, apontando a frequência em:
[...] macrocéfalos de frequentes cristas ósseas do crânio, de crânios muito alongados ou muito arredondados, e na face a desproporção entre as duas metades da face, lábios volumosos, boca grande, dentes mal conformados com precoce caída nas formas mais graves, volta palatina assimétrica ou escondida, restrita; a campainha da garganta alongada e bífida, aumento e desigualdade das orelhas. (LOMBROSO, 2007, p. 197)
No bojo do paradigma racista/etiológico assim, se vislumbrava uma forma de combate ao fenômeno criminal, agora fenômeno antropológico e portanto, previsível, determinante ontologicamente do crime.
De acordo com Lilia Moritz Schwarcz, essa previsibilidade transformou o fenótipo em “espelho d’alma”, uma vez que o tipo físico criminal era, a partir de então observável, possibilitando a criação de uma minuciosa tabela subdividida em:
[...] “elementos anathomicos” (assimetria cranial e facial, região occipital predominante sobre a frontal, fortes arcadas superciliares e mandíbulas além do prognatismo); “elementos physiologicos” (tato embotado, olfato e paladar obtusos, visão e audição ora fracas ora fortes, falta de atividade e de inibição); e “elementos sociológicos” (existência de tatuagens pelo corpo). (SCHWARCZ , 2012, p. 217)
Perante uma sociedade com problemas sociais complexos causados pela industrialização e urbanização sem precedentes na história da humanidade, restavam imprescindíveis, para a contenção destes problemas (ou melhor, dos indivíduos causadores desses problemas, da desordem), instrumentos eficazes de controle social, o estereótipo criminal foi assim, funcional e eficiente.
Vera Regina Pereira de Andrade (1995, p. 25) leciona que ao “ver o crime no criminoso”, o prognóstico periculosista sustenta não apenas o maniqueísmo, mas um saber tecnológico que diagnosticava o agente patológico e prescrevia o remédio curativo, orientando uma política criminal a partir da sua potencial periculosidade social.
Nestes termos, pode-se afirmar que o racismo foi a espinha dorsal da Criminologia que nasceu exatamente para legitimar o Direito Penal, restaurar, defender e preservar a “ordem social” burguesa abalada pela desfuncionalidade de determinados indivíduos pertencentes a classe social baixa, orientando a criminalização segundo o estereótipo lombrosiano que vinculou o crime ao criminoso, um sistema de controle social que encontrará campo fértil na periferia mundial.
3. A Criminologia (Racial) e a Criminalização do Negro: o paradigma racista/etiológico no Brasil racista
“O racista numa cultura com racismo é por esta razão normal. Ele atingiu a perfeita harmonia entre relações econômicas e ideologia.” (Frantz Fanon – Toward the African Revolution)
No final do século XIX e início do século XX, a teoria de Lombroso é objeto de diversas críticas que o fizeram rever sua tese. Mesmo caindo em descrédito científico na Europa, nos países marginais o discurso é adotado acriticamente, em sua plenitude, dado o seu viés racista que prescindia de qualquer dúvida (ZAFFARONI, 1988, p. 169).
Rosa Del Olmo (2004, p. 173) salienta que o fundamental era direcionar os problemas às “raças inferiores” e não à sociedade, construindo, assim, nossos primeiros delinquentes, os “resistentes à ordem”, que não se integravam por suas características deficitárias, congênitas, ontológicas, psíquicas ou intelectuais que impediam o desenvolvimento, sendo responsáveis, assim, pelo atraso sócio-econômico.
Urgia, pois, uma solução que passava, obrigatoriamente pela criminalização!
No final do século XIX a teoria do criminoso nato foi recepcionada no Brasil, sendo o médico Raimundo Nina Rodrigues um dos mais importantes adeptos da “nova ciência criminal”, intitulado pelo próprio Lombroso como “Apóstolo da Antropologia Criminal no Novo-Mundo” (RODRIGUES, 1957, p. 11), foi influenciado notoriamente pela teoria racial lombrosiana (muito mais do que o Homem delinquente), publicando, em 1894, “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil”.
Norteado pelo fio condutor do controle social dos “indesejáveis” no pós-abolição, Nina Rodrigues defende que as “raças inferiores” mereceriam um tratamento penal diferente dos “normais”, não apenas equiparando o negro a uma “criança grande” (por sua inferioridade mental e moral), como também embasando a degeneração antropológica na climatologia do país, sendo a criminologia, portanto, a ciência pela qual se controlava socialmente os não brancos.
Tal como a tese original, Nina Rodrigues nega o livre arbítrio da “raça subdesenvolvida”, porém, não apenas pelos instintos selvagens, mas pelo padrão moral(izante) que identifica, une e constitui uma sociedade, haja vista que a responsabilidade penal só poderia ser imputada aos que compartilhassem dos mesmos conceitos de crime e pena que a raça evoluída alcançou naquele momento.
Inspirado, curiosamente, no “cérebro social” de Tarde [9], o discurso rodrigueano, estruturado na consciência do direito e dever social que somente os indivíduos seletos integrantes do ápice evolucionista humano possuíam, chama a atenção para o choque cultural entre esta classe e os selvagens/bárbaros, uma vez que:
[...] tão absurdo e iniquo, do ponto de vista da vontade livre, é tornar os bárbaros e selvagens responsáveis por não possuir ainda essa consciência, como seria iniquo e pueril punir os menores antes da maturidade mental por já não serem adultos, ou os loucos por não serem são de espírito.
Para habilitar-vos a julgar da extensão que ganharia a impunidade com a aplicação ao nosso código desta desconveniencia entre a consciencia do direito e do dever nos povos civilizados e nas raças selvagens, convém dizer que a observação constata nestas últimas, uma como diminuição do campo de consciencia social, de modo que o conceito do crime restringe-se por demais, aplicando-se apenas a um ou outro caso excepcional. (RODRIGUES, 1957, p. 79)
Percebemos assim que as bases raciais de Lombroso, descritas no Homem branco e o homem negro, são encontradas em Nina Rodrigues, atribuindo ao negro brasileiro a inferioridade, primitividade, infantilidade, influência climática e moral. Todo esse contexto influenciaria nos dois a inquestionável superioridade branca, eurocêntrica e marginal.
Após a Revolução negra Haitiana (1791-1804) e a Revolta dos Malês na Bahia (1835), portadora do espectro democrático muçulmano que possuía no Corão um potencial libertador, identitário, homogeneizador (perante a heterogeneidade, nacional e tribal, africana aqui presente), e alfabetizador em uma época na qual a sociedade branca era predominantemente analfabeta (BATISTA, V., 2003, p. 24), agregado à dimensão que o problema negro representava (inferioridade, degeneração e involução), a ideia de uma nova insurreição concretiza e personifica no negro o medo abstrato que preocupava a elite branca em 1847, período no qual o Rio de Janeiro era a maior cidade escravista das Américas (ARAÚJO, 2006, p. 10), imprescindível nesse contexto, um instrumento para manutenção da ordem capaz de difundir a sensação de segurança pública necessária.
O paradigma racista/etiológico, assim, foi indispensável a ideologia branqueadora de uma sociedade periférica e mestiça, que, segundo Gabineau, era “totalmente mulata, viciada no sangue e no espírito e assustadoramente feia” (SCHWARCZ, 2012, p. 17), emoldurada pelos padrões de “civilidade” e de “beleza” europeus em um momento em que o medo da “africanização” (BATISTA, V., 2003, p. 163) se tornou insuportável, ou seja, uma política orientada para o extermínio do gene negro [10], um instrumento imprescindível no período pós-abolição como controle social dos não-brancos brasileiros, protegendo os brancos não-europeus (mas que assim desejavam ser) e mantenedora da ordem, pois a estigma estava ali, à flor da pele, o sinal, a estética da maldade, da rebeldia, da inferioridade que não podia se expandir pelo país.
A criminologia positiva, seu paradigma racista/etiológico e estereótipo, foram concebido como verdadeiro no centro e na periferia, pois sua (falsa) neutralidade viria de seu (falsa) cientificidade, proporcionando, sem muitas dificuldades dada a aclamação do senso comum, a criminalização dos indesejáveis, sendo esta a cura, a criminalidade a doença e a sociedade (branca) a vítima.
Entretanto, ao contrário da Europa (que a partir da “teoria das raças” concebia a miscigenação como degenerativa, fundamentando a existência de “tipos puros”), o Brasil vivia, no pós-abolição, a iminente mestiçagem, sendo compreendida “[...] de forma ambígua: apesar de temida, nela se encontrava a saída controlada [...]” (SCHWARCZ, 2012, p. 161).
Era a ideia da “boa miscigenação”, originária a partir do determinismo racial, do qual o discurso científico interpretou a teoria original de uma maneira inusitada, na medida em que “[...] a interpretação darwinista social se combinou com a perspectiva evolucionista e monogenista. O modelo racial servia para explicar as diferenças e hierarquias, na viabilidade de uma nação mestiça” (SCHWARCZ, 2012, p. 85).
Thomas E. Skidmore (1976, p. 90), ao transcrever um artigo de jornal da época, explicita o ideário branqueador e o modelo alternativo brasileiro de miscigenação que exterminaria com o gene negro:
Não há perigo de que o problema negro venha a surgir no Brasil. Antes que pudesse surgir seria logo resolvido pelo amor. A miscigenação roubou o elemento negro de sua importância numérica, diluindo-o na população branca. [...] Como nos asseguram os etnógrafos, e como pode ser confirmado à primeira vista, a mistura de raças é facilitada pela prevalência do elemento superior. Por isso mesmo, mais cedo ou mais tarde, ela vai eliminar a raça negra daqui. É óbvio que isso já começa a ocorrer. Quando a imigração, que julgo ser a primeira necessidade do Brasil, aumentar, irá, pela inevitável mistura, acelerar o processo de seleção.
Não obstante, aliado ao discurso higienista/racista compartilhado pela elite, inclusive por D. Pedro II, estava a necessidade de substituir a mão-de-obra desqualificada (ex-escrava) das lavouras de café pelos agricultores europeus, e o problema negro se agigantava pois o contingente negro não mais seria controlado pelos limites territoriais das fazendas.
Imbuído da inferioridade dos não-brancos brasileiros, Nina Rodrigues defende a diferenciação no tratamento penal dos indivíduos, devendo ser adotado no Brasil códigos penais diversos para os superiores (brancos) e inferiores (não brancos), pois o tratamento decorrente de um único código penal ocasionaria a “[...] impunidade com a aplicação ao nosso código desta desconveniência entre a consciência do direito e do dever nos povos civilizados e nas raças selvagens [...]” (RODRIGUES, 1957, p. 79).
Nessa conjuntura, o paradigma racista/etiológico dotou o norte para a defesa social do Brasil promovida pelos “arianos”, trazidos especificamente para “branquear” o país e que, subsidiados pelo governo brasileiro, se instalaram no sul do país, projetando o ideal desejado, garantindo a ordem (tudo e todos em seus devidos lugares) que condicionaria o progresso, como estabelece Nina Rodrigues ao defender que:
A civilisação ariana está representada no Brasil por uma fraca minoria da raça branca a quem ficou o encargo de defende-la, não só contra os atos anti-sociais – os crimes – dos seus próprios representantes, como ainda contra os atos anti-sociais das raças inferiores, sejam estes verdadeiros crimes no conceito dessas raças, sejam ao contrário manifestações do conflito, da luta pela existência entre a civilisação superior da raça branca e os esboços de civilisação das raças conquistadas ou submetidas. (RODRIGUES, 1957, 1957, p. 162)
Explicita-se que, a partir da abolição da escravatura, o racismo foi redefinido, antes estribado na superioridade racial, na ciência antropológica e na evolução darwiniana, agora assumia o aspecto de preconceito de cor, cujo objetivo era apenas um: o de deixar o negro em seu devido lugar, a ponto de não poder ameaçar a exclusividade das posições, sociais e geográficas, dos brancos.
Outrossim, se a abolição da escravatura brasileira era um passo em direção da igualdade que não ilumina(va) os negros, que somente era (é) cidadão perante o Direito Penal mantendo a tradição daquela “dualidade perversa” (BATISTA, N., 2002, p. 152), a Criminologia positiva forneceu a base “científica” para a desigualdade e a criminalização do negro, mantendo a subjugação, os açoites e o genocídio, mesmo após a “liberdade” que acorrenta o negro com novos grilhões, sempre forjados pela ideologia racial.
As feridas deixadas pelos grilhões escravagistas estão ainda em aberto, arraigadas no corpo e na alma negra pela mais completa ignorância estatal que continua a negar os direitos daquela cidadania liberal naturalmente excludente, já que deriva de um “pactum ad excludendum” (BARATTA, 1995, p. 145), criado a partir da “sociologia do convite” (DAMATTA, 1985, p. 61) que permite excluir sem contradizer o discurso igualitário.
O racismo, presença invisível e constante em nosso solo (eis que atemporal), se protrai apontando para o horizonte, continua a ser inquestionável, negado pela “democracia racial” a serviço do individualismo meritocrático que tem “a guerra como norma” (SANTOS, N., 2006, p. 46) mas que possui uma superficialidade facilmente percebida como lembra Abdias do Nascimento, já que apenas uma “raça” monopoliza “[...] todo o poder em todos os níveis político-econômico-sociais: o branco” (NASCIMENTO, 1978, p. 46).
Seu funcionamento agressivo e segregador decorre da histórica violência estrutural-institucional (BARATTA, 1993, p. 48), imperceptível para a grande maioria da população e invisível na grande maioria dos casos (cifra oculta), consequências da adoção da “política de invisibilidade” (SANTOS, B., 1997, p. 113) que desvia a atenção para as formas de violência individual, objetos de uma “política de supervisibilidade” (SANTOS, N., 2006, p. 55) associada ao estereótipo racial que demonstra os limites do capitalismo, sua impossibilidade de respostas e a barbárie perpetuada pela “civilidade” (MENEGAT, 2012, p. 160).
4. O Direito Penal (I)Legal e as Seleções Criminalizantes: a influência do estereótipo racista
“A abolição teve um significado legal, o mundo dos brancos perpetuou-se como realidade contrastante ao mundo dos negros. Este continuou a existir a margem da história, sofrendo a degradação crescente da condição de espoliado, dos efeitos desintegrativos da dominação e o impacto desorteador das pressões da ordem social competitiva.” (Florestan Fernandes - A Integração do Negro na Sociedade de Classes)
Ao contrário do que declara, o Direito Penal não pode cumprir sua promessa de segurança jurídica consistente na igualdade de punir quem comete algum ato ilícito, isso por razões óbvias lecionadas por Michel Foucault ao dizer que: “não há uma justiça penal destinada a punir todas as práticas ilegais e que, para isso, utilizasse a polícia como auxiliar, e a prisão como instrumento punitivo, deixando no rastro de sua sombra o resíduo inassimilável da ‘delinqüência’” ( FOUCAULT, 1999, p. 267).
Segundo Eugênio Raúl Zaffaroni, o sistema penal é um “embuste”, pois, em sua programação (promessas) do “dever-ser” se encontram inúmeras condutas criminais, porém, a capacidade repressora desse sistema é ridiculamente ínfima face a hipertrofia punitiva, e assim, desde a sua gênese, há uma “seletividade estrutural” ( ZAFFARONI, 1991, p. 27).
Diante desta incapacidade real, Alessandro Baratta explicita que a criminalização se restringe a 10% de todas as infrações, uma resposta meramente simbólica correspondente aos delitos típicos da classe subalterna, restando na imensidão de 90% os delitos próprios da classe dominante que são imunes, esta então se torna a regra e não exceção (BARATTA, 1993, p. 49-50).
O “Princípio da seleção” (ANDRADE, 2003, p. 2530), subdividido em diversas formas e instâncias, é estruturante do sistema penal sendo que, no interior do seu “universo”, cada agência seleciona os criminalizados segundo o direito penal do autor, uma vez que o estereotipo [11] racista/etiológico criminal foi aceito e difundido pelas sociedades através dos tempos, introduzido, mesmo que inconscientemente, no imaginário coletivo (senso comum), encontrando-se arraigado na sociedade atual, originando o mesmo medo.
Dentre estas agências, a polícia, principal responsável pela criminalização secundária por efetuar a primeira e mais ampla seleção do funil filtrante do controle social, orienta sua atuação simbólica do combate ao crime pela ideologia racista lombrosiana (ZAFFARONI, 1991, p. 77) que, ao construir o estereótipo criminal a partir dos criminalizados, relacionou negro=crime=criminoso=feio=perigo=punição, “por tratar-se de pessoas desvaloradas, é possível associar-lhes todas as cargas negativas existentes na sociedade sob a forma de preconceitos, o que resulta em fixar a imagem pública do delinquente com componentes de classe social, étnicos, etários, de gênero e estéticos” (ZAFFARONI, 2011, p. 46).
Diante da agência policial, é a vulnerabilidade do agente que condiciona sua maior ou menor chance de ser selecionado, uma vez que relaciona de forma proporcional estas chances com o grau de vulnerabilidade dos indivíduos (maior ou menor correspondência entre as características pessoais com o estereótipo do criminoso e grau de instrução que determinará os delitos praticados, sendo que nas classes subalternas, formadora da clientela penal, o grau de instrução baixo define os delitos facilmente perceptíveis, toscos e portanto, facilmente criminalizados e criminalizáveis) (ZAFFARONI, 2011, p. 47).
Assim, no poder punitivo periférico co-existem dois “direitos penais”, o declarado e o velado, o programado e o seletivo, operacionalizando a “lógica da inversão funcional” que nos fala Vera Regina Pereira de Andrade (2012, p. 225), já que “trata-se, em definitivo, de um (contra) Direito penal do autor, operando latentemente por dentro de um Direito penal do fato e submetendo-o até deixá-lo imerso nele, sendo condicionante da seletividade que a Dogmática, ademais de impotente para exorcizar, culmina paradoxalmente por racionalizar”.
A seleção criminalizante se opera a partir de uma carga preconceituosa e discriminatória resultante de um processo histórico e contínuo de racismo, exclusão, segregação e construção de estereótipos para esses fins que orientam todas as agências do controle social [12], por uma minoria não branca (pois, mestiça e marginal) e não europeia (embora assim deseja ser e se espelha, ainda), além de toda concepção pejorativa [13], que nos remete à imagem do “homo criminalis” (CARVALHO, 2008, p. 184) relacionada à “inferioridade genética” que a etnia traz consigo (o estigma da inferioridade à flor da pele), atrelado intrinsecamente (e via (in)consciente) na idolatria do padrão de beleza europeu.
Assim, elementos racistas são encontrados a partir do contraponto entre padrões estéticos (adjetivados pela minoria dominante), que opera os dois sistemas punitivos.
Por este viés, nota-se a importância que o fenótipo étnico negro confere à seletividade, pois, ao se distanciar do “padrão” endeusado pela sociedade, difundido pela mídia em geral e em todos os âmbitos (padrão Barbie), não possuindo olhos ou pele clara, possuem o “estereótipo do mal” (ZAFFARONI, 1988) que contrapõe e procura, ao mesmo tempo, a materialização do bem (Deus) e do mal (diabo) na fisionomia humana que corresponderia a natureza da alma.
Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni:
O “feio” é tudo o que colide contra a ilusão de constante mudança dentro da ilusão de harmonia cromática urbana, onde parece que tudo é harmonioso - ou deveria ser - a não ser pelas inadequadas irrupções do “feio”, que é o “mau” que arruina a harmonia urbana. Por este motivo, o “feio”, “mau”, deve ser marginalizado, a fim de preservar a reflexão intelectualizada, a harmonia cromática da burguesia urbana central. O “feio” é “mau”, porque ele é um selvagem que não entende, não pode compreender nem intelectualizar tal estética com sua intrínseca harmonia dinâmica, é “primitivo”, “inferior”, “subumano”.
Tudo o que agredia a burguesia era o “ruim” e todo o “mal” era o “feio”, por “primitivo” e “selvagem”. Tanto o pobre que agredia como o colonizado que se rebelava eram selvagens, ambos sob o signo do primitivismo. O inimigo é “feio” porque é “primitivo” ou “selvagem”: essa foi a mensagem. (ZAFFARONI, 1988 p. 159, tradução nossa)
A seletividade penal, assim, se instrumentaliza de aportes racista-etiológicos materializados na estereotipia marginal, que se escondem nas atuações policiais sob a rubrica genérica de “atitude suspeita”, legitimando uma parte do poder de policia discricionário que sempre recai sobre uma minoria periférica, identificável pela sua “inferioridade genética” (que comporta as degenerações biológicas e psicológicas, geralmente provocada por condições subumanas, fome, miséria, inexistência de higiene, etc., ou seja, pela violência institucional (BARATTA, 1993, p. 48)), que é feia por se afastar do padrão (dominante) socialmente aceito, seguindo a lógica de que o mal, primitivo e inferior deve ser feio, pois o mal e feio quase sempre se identificam como ensina Eugenio Raúl Zaffaroni (1988, p. 158).
Vera Malaguti Batista explicita o ideário que percorre o senso comum concernente a figura estereotipada do delinquente, com inegável base racista, construído e difundido pela ideologia seletiva/punitiva dominante, que se reproduz a partir daquela supervisibilidade, responsável, em parte, pela incursão no imaginário coletivo dessa figura perigosa:
O estereótipo do bandido vai-se consumando na figura de um jovem negro, funkeiro, morador de favela, próximo do tráfico de drogas, vestido com tênis, boné, cordões, portador de algum sinal de orgulho ou de poder e de nenhum sinal de resignação ao desolador cenário de miséria e fome que o circunda. A mídia, a opinião pública destacam o seu cinismo, a sua afronta. São camelôs, flanelinhas, pivetes e estão por toda a parte, até em supostos arrastões na praia. Não merecem respeito ou trégua, são sinais vivos, os instrumentos do medo e da vulnerabilidade, podem ser espancados, linchados, exterminados ou torturados. (BATISTA, 1998, p. 28)
5. O Genocídio Brasileiro: o negro e as marcas do sistema penal subterrâneo
“O interrogatório é muito fácil de fazer/pega o favelado e dá porrada até doer.
O interrogatório é muito fácil de acabar/pega o bandido e dá porrada até matar.
[...]
Bandido favelado não se varre com vassoura/se varre com granada com fuzil, metralhadora.”
(Gritos de guerra do BOPE carioca)
Desde a diáspora negra o genocídio étnico é uma permanência em nossa história, um projeto político que coloca o negro sempre em cena, como vilão principal, mas nega o racismo como cenário (FLAUZINA, 2006, p. 41), uma situação que atravessa todos os sistemas penais identificados por Nilo Batista (colonialismo-mercantilista, imperial-escravagista, republicano-positivista e o atual (2002, p. 148)) e efetivado de formas diversas, direta a partir da cifra negra, e indireta como a assimilação e negação da negritude, como nos aponta Abdias do Nascimento, um genocídio articulado a partir de uma dupla operacionalização: o branqueamento por meio da miscigenação e a imposição da cultura eurocêntrica.
Este processo determinou a negação da identidade negra, interiorizando o modo de vida e modo de ser branco inclusive com a criminalização das manifestações artísticas, religiosas e culturais, proibindo o negro de ser negro, impedindo a identificação e reunião em rodas de capoeira ou em terreiros de samba e candomblé, impossibilitando a coalizão que originou as insurgências negras.
O medo branco continua a evitar a todo o custo a conscientização da negritude, por isso o racismo no Brasil é sempre negado, um tabu, cedendo espaço nas discussões ao mito da “democracia racial”, modelo relacional tipo exportação elogiado pela ONU que nos colocou a um passo do paraíso (FLAUZINA, 2006, p. 39), que nega o racismo e explicita a assimilação, segregando tal qual o apartheid sul-africano (muito bem representado aqui pelas respostas aos “rolezinhos”), que “[...] só concebe aos negros um único ‘privilégio’: aquele de se tornarem brancos, por dentro e por fora” (NASCIMENTO, 1978, p. 93).
Esse é o posicionamento também de Darcy Ribeiro que vê no apartheid, racismo legal (acrescentamos aqui o racismo declarado estadunidense), algumas vantagens, tendo em vista que a atribuição da “democracia racial” é um golpe político que impede e dissolve a identidade coletiva, despolitizando o negro brasileiro, pois “o aspecto mais perverso do racismo assimilacionista é que ele dá de si uma imagem de maior sociabilidade, quando, de fato, desarma o negro para lutar contra a pobreza que lhe é imposta, e dissimula as condições de terrível violência a que é submetido” (RIBEIRO, 1995, p. 226).
Hodiernamente o projeto exterminador derivado da ideologia racial é explicito, apesar de continuar a negação do racismo, e tenta contabilizar corpos negros formadores daquela cifra negra, seguindo a marcha fúnebre supra explicitada, cantarolada a pleno pulmões pelos “defensores da ordem”.
Neste norte, considerando nossas especificidades e o continuum do Direito penal escravagista-doméstico (BATISTA, 2000, p. 25), além de toda coexistência teórica central aqui recepcionada para nos deixar na “vanguarda punitiva” de um “autoritarismo cool” (ZAFFARONI, 2007), podemos, com Vera Regina Pereira de Andrade, falar em um “Ornitorrinco punitivo”, tamanha a confluência de diversos matizes em um contexto sócio-econômico totalmente singular às origens destes, o nosso sistema penal é “[...] um amálgama que tem sido de escravismo com capitalismo, de público com privado, de patrimonialismo com universalismo, de liberalismo com autoritarismo” (ANDRADE, 2012, p. 111).
Por isso Eugenio Raúl Zaffaroni conceitua o sistema penal periférico com um “genocídio em ato” caracterizado pela ausência da legalidade estatal por ser efetivado arbitrariamente pelos órgãos executivos do sistema penal que “[...] são encarregados de um controle social militarizado e verticalizado, de uso cotidiano, exercido sobre a grande maioria da população” (ZAFFARONI, 1991, p. 23).
Inobstante à seletividade criminalizante, Eugenio Raúl Zaffaroni explicita uma singularidade periférica que conceituou de “seleção policizante”, pela qual as agências policiais recrutam seus operadores na mesma classe que forma a sua “clientela”, treinando e condicionando-os à criminalizar e executar seus pares, inculcando, com o auxílio do racismo brasileiro [14] e da “vergonha da negritude” (CARDOSO, 1977, p. 265), a divisão maniqueísta de uma classe entre “mocinhos” e “bandidos”, impossibilitando, a partir do estereótipo, qualquer consciência de classe, qualquer identificação entre os dois lados da mesma moeda, pois, a partir da formação militar impõe-se a “proibição da coalizão” (BARATTA, 2011, p. 180). É a modernização do capitão do mato do período escravagista.
Foi com a aliança em uma guerra que não é nossa que o genocídio negro (que por aqui sempre esteve em marcha), ganha a atual “legitimidade”, pois se o negro sempre foi o inimigo, agora com a política de guerra explícita, o extermínio do “outro” esta legitimado pela defesa da pátria, da segurança e da ordem pública, um campo fértil para a proliferação do medo paralisante do traficante, esta figura diabólica que deve ser exorcizada pela cruzada civilizatória cotidiana que sobe as favelas brasileiras (sempre) impulsionada pela dinâmica “descobrimento”/encobrimento do “outro”, um sintoma da barbárie impulsionada pelo excesso de civilização que há muito se tornou momentânea (MENEGAT, 2012, p. 18).
A guerra étnica não é exclusividade do Brasil [15], porém, em nossa margem, o sucesso dessa política não se observa pelos lucros, nosso “sucesso” se dá pelo número de desaparecidos e mortos, diretos ou indiretos, sendo que em ambos é o Poder Executivo (no pior sentido da palavra) a agência responsável, uma vez que atua na ilegalidade (desaparecimentos, torturas e mortes diretas que formam a cifra oculta das violências policiais), no início da criminalização secundária e no cumprimento da sentença (morte indireta no interior do cárcere).
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a cada três assassinatos no Brasil, dois são de negros, vítimas do racismo institucional que atravessa toda a sociedade brasileira, que continua velado sob a dita “democracia racial” (OLIVEIRA JUNIOR; LIMA, 2013, p. 21-26).
No interior daquele micro-universo que o Direito Penal declarado funciona simbolicamente, orientado pela seleção operacional e estereotipada, o sistema penitenciário explicita o racismo radical demonstrado nos dados do Ministério da Justiça, onde a população afrodescendente representa, nas estatísticas da população carcerária até dezembro de 2012, cerca de 53.83% (BRASIL, 2013), porém, o número de negros criminalizados é muito inferior ao número de negros vítimas do “Direito Penal subterrâneo” (CASTRO, 2005, p. 96), aquele que tem como base o julgamento sumário e a pena de morte executada imediatamente, que acaba sendo encoberto pelo véu da legalidade/legitimidade que sustenta o Direito Penal declarado.
Marildo Menegat aponta os números dessa guerra civil não declarada, cerca de 600 mil pessoas mortas violentamente entre 1980 a 2003 e não deixa dúvidas quanto ao genocídio perpetrado contra a população negra e a tática política de extinguir qualquer potencial identitário que permita uma mobilização coletiva ou emancipatório ao explicitar que:
[...] a imensa maioria são jovens de 15 a 25 anos e 52% são negros. Dos jovens negros que morreram nessa faixa de idade, 81,1% morrem por causas externas, ou seja, são vítimas da violência. Tudo indica que está em curso um genocídio que atinge principalmente a juventude, e, em especial, os jovens negros, exatamente aqueles que mais razões teriam para transformar esta sociedade. (MENEGAT, 2002, p. 50-51)
Nesse contexto genocida, se o Direito Penal declarado subsiste através da “saga do mais” (ANDRADE, 2012, p. 111), nosso sistema penal subterrâneo prescinde da “síndrome do mais” que ainda movimenta a velha maquina de gastar corpos negros, base da nossa “ninguendade”, mais mortes negras, mais torturas negras, mais prisões negras.
Outrossim, a atuação policial, tendo como legitimação declarada a guerra contra as drogas, continua a exercer seu poder totalmente paralelo à legalidade, onde a guerra racista não declarada é a mesma desde a construção da corporação, pois se a função da Guarda Real de Polícia, no início do século XIX, era manter a ordem com as “Ceias de Camarão” [16], atualmente o extermínio é o meio utilizado para manter a ordem através do medo, sendo que seu poder arbitrário, incontrolável, movimenta o “Direito penal subterrâneo” utilizando a pena de morte “subterrânea”, fator básico da cifra negra sempre crescente e quase nunca questionada.
Conclusão
Percorrendo o fio condutor histórico-sociológico observamos que o racismo e o genocídio étnico formam a pedra angular de nossa sociedade, os dois lados de uma mesma moeda forjada para a exclusão dos indesejados para quem a violência estatal e o projeto político de extermínio foram direcionados, impulsionados e presentes cotidianamente, naturalizando-os a ponto de se tornar quase imperceptível para uma classe dominante que reconhece os 350 anos de escravidão negra, mas nega a existência do racismo e das suas consequências, uma herança marcada a ferro nunca enfrentada.
O racismo brasileiro, apesar de explícito pelo genocídio que aumenta diariamente a cifra negra, pela criminalização e pela ignorância estatal no lugar do negro, sempre esquecido, continua sendo um tabu, tocar nessa ferida ocasionada pelos grilhões que acorrentam os negros a um legado sem causas é invocar os demônios que perturbam os lindos sonhos encantados da classe dominante, um fantasma que não deve ser nomeado sob pena de se materializar em pressupostos emancipatórios e revolucionários decorrentes da conscientização coletiva coalizadora.
Falar em racismo é abrir caminho para o seu (re)conhecimento como processo exterminador em marcha, é torná-lo um projeto político de conscientização da negritude da maior parte da população brasileira e identitário contra-hegemônico que traz consigo aquele mesmo medo branco decorrente da Revolução Haitiana, da Insurgência Malê e da resistência de Palmares, que pode questionar o domínio, em todas as áreas, de uma minoria incluindo a determinação de espaços planejados que deriva daquela ordem (tudo e todos em seus devidos lugares) que figura como bandeira da exclusão, pressuposta para o progresso nacional, e por isso mesmo deve-se negá-lo.
Um quadro esquizofrênico que transforma dominação em assimilação, mantenedor da estrutura desigual (excludente), sem jamais declará-la, uma tentativa vã de esquecimento de uma história escrita com sangue e suor negro, ainda sem fim e se orienta ao negro a ser extinto pelo processo de branqueamento (assimilação), o inimigo a ser exterminado pelas condições inumanas das favelas, pelo Direito Penal declarado (e as mesmas condições inumanas dos presídios e penitenciárias) e pelo subterrâneo que saiu ileso da abolição, transpassou os limites das fazendas e se modernizou nas cidades, lugares onde se fazem presentes os grilhões (não mais metálicos, agora ideológicos na submissão e resignação), os castigos corporais e a pena de morte incontrolável que impulsiona ainda aquela cifra negra, pois o estereótipo é encontrado em cada esquina, o que permite manipular o medo que direciona as agências do controle social ao mesmo lugar, o lugar de sempre.
Notas e Referências:
[1] Termo inadequado de acordo com o estágio atual das ciências biológicas, porém fundamental para nossa colonização e para os discursos científicos, incluindo a Criminologia.
[2] Ao contrário daquele conceito criminológico conhecido, utilizamos a nomenclatura “cifra negra” aqui em sua literalidade, como referência ao número astronômico, inimaginável, que envolve todos os corpos negros resultante de uma histórica política exterminadora que teve início no “descobrimento” e cujo fim não se observa no horizonte.
[3] Não houve apenas a escravidão africana, a escravidão indígena também ocorreu em solo pátrio. No início da colonização portuguesa, o índio foi escravizado por ser mais barato, tendo em vista o custo do escravo mais o transporte, porém, em contrapartida, Portugal obtinha um enorme lucro com a escravidão negra por meio de impostos, a ponto de declarar o monopólio no comércio escravagista. Além do aspecto econômico, outros fatores influenciaram, sobremaneira, a substituição da mão de obra escrava, os indígenas não desenvolveram anticorpos suficientes para se protegerem das moléstias europeias, as fugas indígenas eram muito mais comuns, haja vista o conhecimento das matas e florestas, e há que se destacar ainda que os índios eram protegidos pelas missões jesuítas. Em que pese a escravidão não ser exclusividade dos negros, a escravidão indígena se deu em número incomparavelmente menor. Expõe o historiador Décio Freitas (1991, p.10) que “a escravidão não foi apenas de negros, foi também de índios. [...] Bem entendido, o holocausto indígena não se compara, nem de longe, ao dos africanos.”
[4] A marinha inglesa intensificou a fiscalização com vistas a forçar a extinção da escravidão no Brasil, pois o desenvolvimento daquele país, financiado por Portugal à custa da riqueza brasileira, necessitava de um mercado consumidor, livre e assalariado. Assim, a Inglaterra poderia capturar ou afundar qualquer navio que transportasse negros, calcula-se que 90 embarcações suspeitas de tráfico foram condenadas e destruídas pelo cruzeiro inglês. Apesar desta vigilância, muitos navios tentavam ludibriar a fiscalização, e para evitar o flagrante, os traficantes amarravam os escravos a sacos de pedras e lançavam-nos ao fundo do mar. “Há notícias de navio negreiro que chegou a lançar à morte mais de quinhentos negros, de que uma só vez”. (KAUFMANN, 2007, p.76)
[5] Genocídio aqui não é utilizado como força de expressão, basta considerarmos nossa história e correlacionarmos com a Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, aprovada pela Resolução260A (III) do Conselho Geral das Nações Unidas, de 9 de dezembro de 1948. De acordo com o Artigo II da Convenção, consiste em genocídio: “os atos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: a) Assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo; c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial [...]”.
[6] As leis, do Ventre Livre de 1871 (que considerava livres todos os filhos de escravos nascidos a partir da sua promulgação), e do Sexagenário de 1885 (que libertou todos os escravos com mais de 60 anos), traziam em seu bojo, de forma implícita, a intenção de protelar a abolição da escravatura brasileira, mesmo com toda pressão inglesa que objetivava a ampliação do mercado consumidor. O interesse “libertador” britânico resta óbvio desde 1839, data em que o Brasil vinha recebendo empréstimos de banqueiros ingleses sucessivamente até 1888. Além de indícios de que a Insurreição baiana, conflito com profundas raízes abolicionistas, recebeu apoio financeiro de comerciantes ingleses. (FREITAS, 1991, p. 113)
[7] Um tipo de moradia, um “[...] esconderijo, um reduto bem protegido na imensidão de corredores e becos dos labirintos urbanos. Para onde convergiam silenciosamente centenas de africanos, escravos, pardos, mulatos, libertos, crioulos e pretos. Em busca de amigos, festas, deuses, esperanças...” (ARAÚJO, et al. 2006, p. 84).
[8] Paradigma é utilizado na concepção de Kuhn, para o qual representa um conceito que é partilhado por uma comunidade científica, e é, ao mesmo tempo, o que une os seus membros. Etiologia, derivada do grego “aitía”, que significa causa, seria a ciência das causas e assim, tem por fundamento procurar as causas do crime no criminoso, como característica natural, pretendendo responder o porquê do cometimento de crimes nas sociedades. Este paradigma, parte, assim, da ontologia, pré-determinismo ao delito de alguns indivíduos portadores de patologias, ou seja, defeitos naturais com explicações biológicas, psicológicas, genéticas e instintivas.
[9] Gabriel Tarde (1843-1904), magistrado francês, foi um dos responsáveis pela descrença da teoria de Lombroso na Europa, pois, “em seus principais textos, como, por exemplo, La Criminalité Comparée [1890], faz críticas devastadoras aos trabalhos de Lombroso, ao indicar que a descrição do criminoso nato corresponde muito mais às características de um tipo profissional do que a determinações biológicas inatas.” (ALVAREZ, 2014, p. 682). Neste sentido, Nina Rodrigues, ignora as críticas de Tarde, utilizando-a para, curiosamente, re-legitimar a teoria racista/etiológica lombrosiana.
[10] De acordo com Thomas E. Skidmore (1976, p.86), em 1888, Sílvio Romero estimava que o branqueamento do país levaria de três a quatro séculos. Após alguns anos, alterou essa estimativa para uns seis ou oito séculos. Em 1913, finalmente concluiu que o desaparecimento total do índio, do negro e do mestiço, somente poderia ocorrer se toda a miscigenação futura incluir um parceiro extremamente claro ou branco.
[11] “Os estereótipos, designados por Karl-Dieter Opp e A. Peukert como ‘Handlungsleitenden Theorien’ (teorias diretivas da ação) e por W. Lippman (considerado o primeiro a refletir de forma sistemática sobre eles) como ‘Pictures in our minds’ (imagens em nossa mente), são construções mentais, parcialmente inconscientes, que nas representações coletivas ou individuais ligam determinados fenômenos entre si e orientam as pessoas nas suas atividades cotidianas, influenciando também a conduta dos juízes”. (ANDRADE, 2012, p. 137)
[12] Tendo em vista a construção racista dos estereótipos e sua vinculação com as “imagens em nossas mentes”, convidamos ao leitor a pensar nos super-heróis, nas princesas, nos protagonistas dos filmes e das telenovelas, nas celebridades, nas modelos, nos apresentadores, etc. Salvo raríssimas exceções, que a partir de uma posição esperançosa, acreditamos existir, a primeira figura imaginada é representada como branca, olhos claros, etc. Agora, a contrário senso, pense no personagem antagônico, este, mais uma vez, salvo rara exceção, é representada por um personagem escuro, ou preto, feio, cruel, desumano, etc. Como exemplo maior, pense em Jesus Cristo, nas suas virtudes e fisionomia. Será que o leitor pensou na figura criada pela ciência moderna que reconstruiu sua imagem a partir dos fatores biológicos e climáticos que circundam a aridez de Israel? É assim que o ideário etiológico de matriz racista é transportado.
[13] Alertamos para caráter racista da utilização do termo “negro” e a carga negativa colocada sobre à etnia. São inúmeros os exemplos, tais como: magia negra, cifra negra, mercado negro, tempestade negra, peste negra, humor negro, “denegrir”(= tornar negro, enegrecer), etc.
[14] Segundo Oracy Nogueira, o preconceito racial no Brasil é de marca (uma reformulação do preconceito de cor que se embasa na aparência, nos traços físicos do indivíduo, ou seja, na fisionomia), que na dinâmica relacional leva em consideração a atuação do individuo e sua interiorização dos padrões brancos que podem flexibilizar os “defeitos” ínsitos a sua etnia, possibilitando uma aceitação social em proporção direta à interiorização dos modelos brancos. Assim, o negro pode ser aceito com mais facilidade se “[...] contrabalançar a desvantagem da cor por uma superioridade inegável, em inteligência ou instrução, em educação, profissão e condição econômica, ou se for hábil, ambicioso e perseverante [...]”. Porém, este tipo de preconceito não extingue o racismo radical, apenas o encobre. (NOGUEIRA, 2006, p.07)
[15] Alessandro De Giorgi (2006, p. 95) explicita que também nos EUA há uma guerra contra os negros, porém, em virtude de sua política criminal atuarial aliado a seu sistema privado de prisão, a estratégia de guerra é a neutralização dos inimigos (negros), nos campos de concentração (prisões) com o objetivo de lucro. Isto se reflete na porcentagem de negros na população carcerária, que na década de 1990 chega a 60%, além da gigantesca possibilidade de um negro ser preso em comparação com um branco (sete vezes mais), isso significa que, a cada três negros, na faixa etária entre 18 e 35 anos, um esta preso.
[16] De acordo com Vera Malaguti Batista, as “ceias de camarão” eram as torturas públicas nas quais as vítimas eram literalmente descascadas até sua carne ficar exposta. (BATISTA, 2003, p. 141).
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Luciano Góes é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2015). Graduado em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL (2012). Secretário da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Santa Catarina (OAB/SC); Membro da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Santa Catarina (OAB/SC); Pesquisador/membro do Grupo de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasilidade Criminológica, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Vera Regina Pereira de Andrade (UFSC/CNPq). Pesquisador do projeto de Pesquisa e Extensão Universidade Sem Muros - USM (UFSC), no qual foi Coordenador operacional em 2013, exercendo suas funções no interior do Presídio Feminino de Florianópolis/SC. Advogado criminal.
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