Quando o STF precisa dizer o óbvio: o art. 600, § 4º, do CPP, aplica - se aos crimes eleitorais

28/09/2015

 Por Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa - 28/09/2015

Já tratamos em artigo anterior (aqui) acerca da problemática da tramitação das razões recursais diretamente nos Tribunais, na hipótese do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal. Agora o Supremo Tribunal Federal é levado a decidir sobre a aplicação do mesmo dispositivo no processo criminal eleitoral.

No último dia 24 de setembro, o Ministro Marco Aurélio deferiu liminar no Habeas Corpus nº. 128873 para suspender os efeitos de acórdão do Tribunal Superior Eleitoral que manteve a condenação de uma candidata acusada de uso de documento falso, crime tipificado no art. 353 do Código Eleitoral. Ao deferir a liminar, o relator observou que cabe ao Supremo Tribunal Federal discutir se aquela norma do Código de Processo Penal é aplicável ao processo criminal eleitoral.

No caso em julgamento, após a condenação criminal da acusada pelo Juízo da 305ª. Zona Eleitoral da Comarca de Ribeirão Preto, o Tribunal Regional Eleitoral não conheceu da apelação sob o fundamento de que a peça de interposição desacompanhada das razões recursais. No Tribunal Superior Eleitoral, a defesa alegou que não foi observado o procedimento previsto no Código de Processo Penal, alegando, ainda, que a apelação foi protocolizada tempestivamente, no prazo estabelecido na norma eleitoral específica.

Ao deferir a liminar para suspender os efeitos do processo criminal eleitoral até o julgamento final do Habeas Corpus, o Ministro Marco Aurélio salientou que o tema merece análise mais detalhada, afirmando caber à Corte "definir se é aplicável, ou não, no âmbito do processo-crime eleitoral, o disposto no artigo 600, parágrafo 4º., do Código de Processo Penal, a prever a possibilidade de apresentação das razões alusivas ao recurso por excelência, que é a apelação, em segunda instância.”

Entendemos que sim. De logo, observamos que não há nenhum dispositivo na Lei nº. 4.737/65 (Código Eleitoral) que estabeleça expressamente a obrigatoriedade da juntada, desde logo, das razões recursais à petição de interposição da apelação (tal como, por exemplo, ocorre no âmbito do procedimento sumaríssimo - art. 82, parágrafo primeiro da Lei nº. 9.099/95). Basta conferir os arts. 169 a 172 e 257 a 282 do Código Eleitoral que tratam dos recursos eleitorais e do respectivo procedimento.

Ademais, o art. 364 dispõe que "no processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal".

Portanto, a decisão monocrática do Ministro Marco Aurélio resguarda o direito ao devido processo legal, o respeito à regra do jogo constitucional e a garantia da ampla defesa - com os recursos a ela inerentes. Como ensina Alberto Binder, “ninguém pode ficar indiferente em face da efetiva vigência destes direitos e garantias. Eles são o primeiro – e principal – escudo protetor da pessoa humana e o respeito a estas salvaguardas é o que diferencia o Direito – como direito protetor dos homens livres – das ordens próprias dos governos despóticos, por mais que estas sejam redigidas na linguagem das leis.”[1]

Afinal de contas, como escreveu Bacigalupo, o devido processo legal “aparece como un conjunto de principios de carácter suprapositivo y supranacional, cuya legitimación es sobre todo histórica, pues proviene de la abolición  del procedimiento inquisitorial, de la tortura como medio de prueba, del sistema de prueba tasada, de la formación de la convicción del juez sobre la base de actas escritas en un procedimiento fuera del control público. Es, como la noción misma de Estado democrático de Derecho, un concepto previo a toda regulación jurídico positiva y una referencia reguladora de la interpretación del Derecho vigente.” (grifo no original).[2]

Assim é que a aplicação do regime recursal do Código de Processo Penal aos crimes eleitorais, além de expressa disposição legal, significa a garantia do direito ao duplo grau de jurisdição. Por fim, ainda, caberia ao Tribunal, diante da petição recursal, mesmo sem as razões, conhecer toda a temática ou abrir possibilidade para tanto. Não conhecer o recurso manifestado tempestivamente, dada a ausência de razões, consolida-se como a má compreensão do devido processo legal no contexto brasileiro e uma leitura autoritária do regime das liberdades democráticas.


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Notas e Referências:

[1] Introdução ao Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 43, na tradução de Fernando Zani. [2] El Debido Proceso Penal, Buenos Aires: Hammurabi, 2005, p. 13.


  Rômulo Moreira

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui         

 


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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