Publicidade in(con)stitucional: a propaganda pela reforma da previdência é necessária ou indevida?

15/03/2017

Por Diego Henrique Schuster – 15/03/2017

"Como pode a propaganda ser a alma do negócio/Se esse negócio que engana não tem alma"

Nação Zumbi

O governo está fazendo propaganda com dinheiro público (estima-se que já foram mais de 27,6 milhões) sob o pretexto de estimular a participação da sociedade no debate sobre a reforma da previdência. Acontece que a campanha realizada pelo governo Temer se mostra totalmente inconstitucional, ilegal e abusiva. A uma, porque parte de uma visão polarizada, que não dá margem ao debate (se esse era para ser o objetivo). A duas, porque traz dados sem nitidez ou afirmações carentes de comprovação e maiores considerações como, por exemplo, sobre o déficit da previdência (estou sendo generoso). A três, porque vem acompanhada de forte apelo (chantagem) emocional, por recorrer à culpa, obrigação e ao medo para tentar manipular a vontade da população. A quatro, porque é feita uma defesa genérica da reforma, sem qualquer informação sobre o que vai de fato mudar na vida das pessoas, uma espécie de "venda casada". Em outras palavras, a reforma da previdência foi jogada para torcida!

As frases repetidas nos meios de comunicação (TV, Jornal, Rádio e www) confirmam essa impressão, para citar apenas uma[1]:

REFORMA PARA NÃO ACABAR.

É muito bom saber que temos uma Previdência Social que há quase um século nos ampara com o salário-maternidade, auxílio-doença, pensão e aposentadoria, entre outros benefícios. Mas é muito triste saber que tudo isso pode acabar do dia para a noite se não fizermos a reforma da previdência. E é fácil entender o porquê. Hoje vivemos mais anos do que antigamente. O número de aposentados cresce muito mais rapidamente do que o número dos que contribuem para a Previdência. Tem muita gente que vive mais tempo recebendo a aposentadoria do que trabalhando. Do jeito que está, a conta não fecha. A Previdência não terá como pagar aposentadorias e outros benefícios por tantos anos. O rombo na Previdência foi de 85 bilhões de reais em 2015. E, em 2016, de mais de 140 bilhões de reais. Assim vai faltar dinheiro para nossas aposentadoria dos nossos filhos e netos. E nós não podemos deixar que isso aconteça. A Previdência é um direito dos brasileiros. 

Previdência. Reformar hoje para garantir o amanhã.

Paralelamente, o partido do PMDB, dentro do seu espaço, está tentando desorganizar a sociedade através do uso de narrativas soltas (uma argumentação que se dá num vácuo de sentido), vale exemplificar: "se a reforma da previdência não sair, tchau Bolsa Família", "se a reforma da previdenciária não sair, adeus FIES", "se a reforma da previdência não sair, sem estradas novas", "se a reforma da previdência não sair, acabam os programas sociais", etc. Ou seja, associando coisas que nada tem a ver umas com as outras, querem forjar o fim do mundo todo dia da semana! Seria engraçado se não fosse verdade, condicionar a manutenção de programas sociais ao fim da previdência social. Estão tratando a população como crianças ingênuas, algo como: "Se a reforma da previdência não for aprovada, o 'bicho papão' vai te pegar"!

Como escreveu Adolf Hitler em seu livro Mein Kampf:  "A propaganda política busca imbuir o povo, como um todo, com uma doutrina... A propaganda para o público em geral funciona a partir do ponto de vista de uma ideia, e o prepara para quando da vitória daquela opinião". Estão deliberadamente tentando culpar a consciência dos aposentados e segurados que começaram a trabalhar desde muito cedo e pesado pelo suposto déficit da previdência social, como se a prestação previdenciária fosse uma esmola. Eles querem convencer o povo de que só cortando na carne para salvar a previdência social, cujo declínio atribuem aos trabalhadores, aos “fracos” que não querem a mudança, como se fossem eles (os trabalhadores) os responsáveis pela péssima gestão do sistema e, consequentemente, pela ameaça aos direitos sociais das futuras gerações.

Em pronunciamento, Temer disse que a reforma da Previdência desagrada apenas pessoas de maior renda e cobra "empenho da sociedade". Na avaliação do presidente, aqueles que mais reclamam da reforma da Previdência são os que têm uma renda maior, uma vez que a maioria dos brasileiros terá aposentadoria integral porque ganha o salário mínimo.[2] Esquece-se ele que os maiores beneficiados da previdência são, pelo contrário, as pessoas de baixa renda, uma vez que, num pais onde direitos sociais como saúde e educação são (só)negados, se aposentar mais cedo, por ter que trabalhar desde criança e/ou em atividades insalubres, representa uma vitória. Como vai ficar a situação dessas pessoas, caso tenham que trabalhar até os 65 anos de idade?

São instrumentos retóricos que agem por via do emocional e destinam-se a ocultar os reais propósitos da reforma e/ou as mudanças em si mesmas consideradas. Esse último ponto merece atenção, uma vez que ninguém seria a favor - exceto os interessados na reforma - de algo que, na verdade, vai gerar prejuízos individuais e coletivos, e não benefícios, o que poderia justificar uma publicidade de utilidade pública, como estimular a população a usar bicicleta ou a andar a pé. Francamente, o governo está utilizando dinheiro público (milhões e milhões) para fazer propaganda em favor da reforma da previdência social, que vai contra os interesses da sociedade (por reduzir drasticamente as chances dos trabalhadores brasileiros de se aposentarem e, com muito mais razão, diminuir as condições materiais para uma vida digna e inclusiva, sobretudo dos idosos e pobres), sob o pretexto da falta de recursos e da preocupação com o direito das futuras gerações …contradições ao infinito!

Focando apenas na questão da propaganda, fica fácil perceber o uso indevido de propaganda institucional. Assim como o preço da reforma previdenciária não pode ser a própria proteção social, o dinheiro gasto com uma propaganda calcada em mentiras não pode ser público. Segundo o Professor Venício Artur de Lima: "Quando o governo emprega a sedução e superficialidade publicitária em anúncios para comunicar assuntos de interesse público e os divulga em espaços comerciais comprados, comete um duplo erro de comunicação. [...] O cidadão não percebe esse comunicado vestido de anúncio e o dinheiro público é gasto à toa".[3] É verdade, se não devolvido, este dinheiro constituirá um minus com relação ao que acontecerá se a reforma da previdência for aprovada, nos termos da PEC 287/2016. Esse é o nosso Brasil!

Apesar dos milhões gastos com publicidade, o governo não tem coragem de explicar o que e como vai mudar com a reforma da previdência, o que transforma a PEC 287/2016 num "mal silencioso", que, na prática, somente será noticiado quando os danos já tiverem ocorrido, ou melhor, quando o segurado tiver seu pedido de aposentadoria indeferido, por não possuir 65 anos de idade; quanto ver que o valor da sua pensão por morte é inferior a um salário mínimo, sem possibilidade de cumulação com outra aposentadoria; quando for informado pelo advogado que a aposentadoria especial serve apenas para "compensar" efetivos danos á saúde, e não oferecer prevenção e precaução contra danos à saúde e ou à integridade física, não valendo a pena se aposentar mais cedo, em razão do valor; e isso no mínimo. Francamente, como pode alguém entender que a desesperada campanha a favor da reforma tem como objetivo a participação da sociedade no debate dos seus destinos? É difícil acreditar que nos autos da Ação Civil Pública n. 000.3671-70.2017.4.01.0000, o pedido liminar para imediata cessação da propaganda governamental foi indeferido sob o fundamento de não existir prova de que a campanha continue ou do seu custo!

Às vezes, o remédio pode ser amargo, mas é para o bem do paciente, na melhor relação custo-benefício. A reforma da previdência proposta pelo governo se assemelha a uma vitória de Pirro, um remédio pior que a doença, que nesse caso é a má gestão, os desvios de verbas e renúncias fiscais. Nesse nível, a propaganda é tão necessária quanto indevida (se me entendem a ironia)!


Notas e Referências:

[1] Bah1: O que deveria ter sido publicado na Revista VEJA? PREVIDÊNCIA REFORMA PARA ACABAR? É muito bom saber que tempos uma Previdência Social que há quase um século nos ampara com o salário-maternidade, auxílio-doença, pensão e aposentadoria, entre outros benefícios. Mas é muito triste saber que tudo isso pode acabar do dia para a noite se a PEC 287/2016 for aprovada. É fácil entender o porquê. Hoje vivemos mais anos do que antigamente, beleza! O número de aposentados cresce muito mais rapidamente do que o número dos que contribuem para a Previdência, e isso por falta de uma política de incentivo à contribuição e combate ao trabalho informal. Tem gente que vive mais tempo recebendo a aposentadoria do que trabalhando, sim, mas porque começou a trabalhar desde muito cedo e contribuiu pelo tempo necessário. Do jeito que está; não pode ficar, o governo desviando 30% das receitas da Seguridade Social para outros fins que não saúde, previdência e assistência, não cobrando os maiores devedores da Previdência, etc. Se não houver um aperfeiçoamento do sistema, uma reordenação do financiamento, no futuro, a Previdência pode não ter como pagar aposentadorias e outros benefícios por tantos anos. Hoje, o Regime Geral da Previdência Social ainda é superavitário, atingindo o Sistema da Seguridade Social mais de 53 bilhões em 2014. A reforma pretendida pelo governo tem como objetivo acabar com a Previdência, reduzindo as chances de o trabalhador conseguir se aposentar ou gozar com dignidade a sua aposentadoria, transformando a pensão por morte em esmola, pagando um valor muito menor do que a contribuição, e assim por diante. Assim não vai faltar apenas dinheiro para nossas aposentadorias, dos nossos filhos e netos, mas também benefícios para proteger os trabalhadores e seus dependentes. E nós não podemos deixar que isso aconteça. A Previdência é um direito dos brasileiros. Previdência. Contra a PEC 287/2016, para garantir a Previdência amanhã.

[2] Bah1: Disponível em: <http://noticias.r7.com/brasil/temer-diz-que-reforma-da-previdencia-desagrada-apenas-pessoas-de-maior-renda-e-cobra-empenho-da-sociedade-07032017>. Acesso em: 08 mar. 2017.

[3] Bah3: Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/01/07/Quanto-o-governo-gastou-em-propaganda-para-defender-o-corte-de-gastos-do-governo>. Acesso em: 08 mar. 2017.


Diego Henrique SchusterDiego Henrique Schuster é Mestre em Direito Público e Especialista em Direito Ambiental pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Advogado e pesquisador da Lourenço e Souza Advogados Associados; Diretor-Adjunto da Diretoria Científica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP. Autor de inúmeros artigos jurídicos e dois livros: “Aposentadoria especial: entre o princípio da precaução e a proteção social”, pela editora Juruá, e Processo previdenciário: o dever de fundamentação das decisões judiciais, pela editora LTr. Email: vidareal33@bol.com.br.


Imagem Ilustrativa do Post: His Hands // Foto de: Jack Flanagan // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito. 


 

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