Prefácio: Feminismo, Artes e Direitos das Humanas

10/04/2019

 Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

            O convite que recebi para coorganizar – e depois para prefaciar – esta magnífica, inovadora e surpreendente obra, remete-me à generosidade da Professora Mestra Ezilda Melo, mais uma grande amiga que a vida me deu, daquelas amizades que nascem em torno da produção, da recriação e da disseminação do conhecimento, meio no qual vivemos, sobrevivemos e nos encontramos. Por sinal, este é um livro de encontros! Encontro de pessoas, de destinos e de aspirações; encontro de identidades humanas (de gênero e sexuais), assumidamente ideológicas ou sem esta preocupação; convergências de lutas contra o machismo, o patriarcalismo, o sexismo e a misoginia; confluência de ideais, e de ideias defensoras dos direitos humanos das mulheres adultas, das adolescentes e das crianças meninas. Disto tudo, desta sinergia, é formado o livro intitulado “Feminismos, Artes e Direitos das Humanas”.

            Tudo nesta obra é diverso! É diferente o seu mote, assim como diversas são as peças que a compõem. O fio condutor, desde o início, foi o de montarmos um livro apenas com produções de mulheres, sobre mulheres. Não importava a área do conhecimento, pouco importando também as não-áreas, mas sim e apenas o livre pensar, o livre criar, a vazão que se pudesse dar a qualquer conteúdo com significados, embalado em forma acadêmica ou não. Tudo diverso, como diverso é o mundo das mulheres, como a diferença que há dentro da própria diferença, como de resto diferentes entre si são todos os seres humanos. As humanas aqui reunidas, femininas, feministas ou nada disto, tiveram, por isso mesmo, com essa libertação do academicismo, a oportunidade de apresentarem-se, na qualidade de coautoras, com as credenciais que bem quisessem, mais com biografias (algumas romanceadas, ou poetizadas) do que com bibliografias ou minicurrículos. Mulheres de carne e osso, para além de corações e mentes, desvelaram, assim, seus berços, seus percursos, algumas tessituras e as urdiduras das trajetórias que até aqui as trouxeram. Por isso, também fica o convite à leitura das descrições que cada uma das autoras escolheu fazer de si mesma, cada caso configurando um mundo à parte, por si só cheio de belezas. Estes universos, identificados com criatividades várias, estão registrados na lista de autoras.

            Em obra diversa, diverso também há de ser o seu prefácio. Assim, peço licença poética, e também metodológica e epistemológica – eu mesma do quadro das metodólogas –, para escrever em estilo o mais livre possível, acompanhando já desde aqui os ares da liberdade criativa que marcam este nosso livro.

           Obra libertadora. Deixou vir, acolheu, e doravante deixa-os ir, livremente apresentados, poemas e contos, sonetos e cordéis, entrevistas e fotografias, artigos científicos e prosas, crônicas e resenhas, pinturas e peças teatrais... Tudo vale, tudo dá vazão a emoções, a pensamentos, a ideias, a sentimentos, a conhecimentos, até agora represados, contidos nos corações, nas gargantas, nas memórias, ou em caixas de guardados, ou, ainda, até já publicados antes, cuja reprise siga sendo útil e instigante. Ninguém censurou ninguém. Nem uma de nós podou nem uma outra sequer. O que mandaram, esta obra (re)colheu. E a colheita foi rica e farta, como todos e todas verão. Logo, é com esse mesmo olhar liberto e acolhedor que concito os leitores e as leitoras a apreciarem o que se segue. Conteúdos reunidos neste continente! Continente das almas, cheias ou vazias, dos desejos e dos sonhos, do realizado e do por(vir). O onírico e o real. O belo, em tudo. Leiam-nos! Sorvam-nos em nossas essências, aqui decantadas em letras, em tintas, em lentes.

            São dizeres, são sofreres, são quereres. São saberes. São somas, são subtrações, são multiplicações, e também divisões. Disso a vida é feita! Há perdas, há conquistas, há recomeços, como há inícios. Do nada, que nada nunca é. Ou do tudo, que tampouco tudo é. Entre vazios e plenitudes, com esperanças e desesperanças, cantando o amor ou chorando o desamor, as mulheres expressaram-se. Contaram de si, das outras, da filha, da mãe, da irmã, da vizinha, da tia, da avó, da sogra, da neta, da nora, da professora, da dona do bordel, da puta, da religiosa, da governadora, da presidenta. Falaram dos homens, também. De quando são filhos. Dos companheiros (de quando o home é o macho), dos feminicidas. E das companheiras. Há percepções. Diversas. Sobre tantos universos. Cada uma um mundo em si. Constelações de dores e de alegrias, de conquistas e de frustrações, de derrotas e de vitórias, de perdas e ganhos. Estrelas. Todas estrelas. De algum céu.

Claro que ostra feliz não faz pérola! Claro, meu admirado, já ido, mas permanente, Rubem Alves! Toda a dor, doída e sofrida, precisamente por isso, pode transmudar-se em beleza. Depende de nós. De cada uma. Não tenho nenhum apego ao sofrimento ou defendo a dor, mas digo apenas que este livro reúne muitas belezas. No caleidoscópio que se formou, a partir das tantas criações aqui reunidas, certamente que as desconstruções de umas, ou de seus mitos, de seus heróis, de suas heroínas e de suas crenças, podem significar-lhes catarses, assim como fecundidades para outras, inspirações para muitos e para muitas outras, incentivos a novos despertares de consciências, inspirações para tanta coisa boa que ainda podemos fazer no mundo, por nós mesmas e por toda a humanidade. Erro. Por todos os seres vivos! Dizem que os exemplos arrastam, não é mesmo minha querida amiga Rayka Vasconcelos?!

            O mundo é desordem. Por isso, neste livro não tem ordem alfabética. Porém, no meu entender, o mundo é desordem organizada no espaço. Por isso, entropia. Afinal, alguma harmonia é preciso. Ser altamente entrópico, como sou, custou-me, por exemplo, soltar um livro sem nele fazer uma minuciosa revisão (de forma e de português), mas cedi, deste também meu ofício de revisora, diante da riqueza do “em bruto”, que significa vida viva, vida em movimento, vida formada, e não reformada, significando, por último mas também em primeiro lugar, criação não deformada pelas normas técnicas. Assim, nesta proposta, cada autora responde por seus produtos, em forma e em conteúdo.

            Digo, por fim, como já disse em outra ocasião, que as mulheres, quando chamadas, brotam! Brotam de todos os lados, acodem de todos os cantos, com suas forças de gigantes. Aparecem e somam. Crescem. Dão galhos e folhas. Ramificam-se. Espalham-se. Florescem. Depois frutificam. E depois, vêm as sementes. Para novamente, brotar. Mulheres que brotam. São vocês. Somos nós. Fica aqui minha homenagem final a todas as coautoras deste livro, com esta imagem belíssima, que por pura sintonia fina cruzou minha vida com a da amiga Patrícia Medina, em uma bela noite tocantinense de março de 2016. Era um evento da OAB, onde fiz minha fala sobre mulheres que brotam, em um auditório lotado, em forte maioria pelas próprias, e em seguida ela iniciou sua palestra, sobre a ética do cuidado, às mulheres advogadas, com esta imagem: justamente de mulheres que brotam. Imaginem se tivéssemos combinado... Cuidemo-nos. E brotemos. Sempre.

 

 


 

 

 

 

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