“Onde há poder, ele se exerce.
Ninguém é, propriamente falando,
seu titular; e, no entanto, ele sempre
se exerce em determinada direção, com
uns de um lado e outros do outro; não se
sabe ao certo quem o detém; mais se sabe
quem não o possui.” (Michel Foucault)
“Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Morrer e matar de fome
De raiva e de sede
São tantas vezes
Gestos naturais”
(Caetano Veloso)
Segundo a Constituição da República de 1988, o Ministério Público (parquet), é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127).
Dentre as funções institucionais do Ministério Público destaca-se: promover, privativamente, a ação penal pública; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; promover a ação de inconstitucionalidade; exercer o controle externo da atividade policial e, ainda, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de sua manifestação (art. 129 da CR).
Embora exerça papel fundamental no Estado democrático de direito quando defendem, sobretudo, os interesses difusos e coletivos, alguns promotores de Justiça e procuradores da República vêm agindo de forma exorbitante e abusiva, em nome de uma sanha punitivista e de um suposto combate à criminalidade. Quando não, para atender interesses políticos.
Os excessos e violações empreendidos por alguns integrantes do Ministério Público - mas que, vez ou outra, são blindados pelo corporativismo da instituição - constituem violações a direitos e garantias fundamentais de todas e de todos.
Não se deve e não se pode em nome da perversa lógica de que “os fins justificam os meios”, afrontar direitos e garantias constitucionais como o contraditório, a ampla defesa e a presunção de inocência, entre outros.
Não é sem razão, que o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal) – referindo-se as ações contra os candidatos durante a eleição - afirmou na última quarta-feira (12) que há “notório abuso de poder” por parte de integrantes do Ministério Público, acrescentando que é necessário por “freios” nesses abusos.[1]
Segundo, ainda declarou o ministro Gilmar Mendes, “a PGR (Procuradoria Geral da República) tem que atuar nisso e também o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Acho que é preciso haver moderação. Do contrário, daqui a pouco nós podemos inclusive tumultuar o pleito eleitoral. Sabemos lá que tipo de consórcio há entre um grupo de investigação e um dado candidato”. [2]
Aliado a polícia Federal (PF), com o aval de alguns magistrados e o apoio da mídia opressora, o Ministério Público vem orquestrando e conduzindo o avanço do Estado penal e do autoritarismo. É certo, lamentavelmente, que nem todos os integrantes do Ministério Público, bem como da magistratura, “escapam da tentação populista de atender aos anseios midiáticos, de atuar voltados à satisfação da opinião publica (ou quiçá, da opinião publicada)”.[3]
A influência perniciosa e vil dos meios de comunicação que usam e abusam do poder - decorrente principalmente do monopólio – é empregada pelo braço repressor do Estado (PF e MP) para através do discurso do medo, da violência, da corrupção etc. conquistar, não só o apoio da sociedade, mas para obter uma “carta branca”, onde tudo passa a ser permitido em um imaginado combate ao crime.
Como bem salientou Afranio Silva Jardim, “depois que o Ministério Público passou a desempenhar a função da polícia, vale dizer, passou a exercer a atividade de polícia judiciária, os seus membros passaram a sofrer daquelas mesmas patologias e estão convencidos que são os verdadeiros ‘salvadores da pátria’”. [4]
Assim, de acordo com o professor e procurador de Justiça (aposentado), “alguns membros do Ministério Público passaram a não mais dispensar uma entrevista coletiva para a imprensa (por vezes patética) e tudo fazem para mostrar que são ‘meninos maus’ e que podem processar qualquer um, que podem processar os ‘poderosos’”.[5]
Mais adiante, o eminente processualista, salienta que: “Nesta sanha punitivista, distorcem fatos, acusam sem lastro probatório suficiente e desrespeitam o princípio da reserva legal, através de juízos temerários de tipicidade penal, parecendo desconhecer princípios básicos do Direito Penal”.[6]
Não, definitivamente não. Esse não é o papel do Ministério Público.
Esse Ministério Público que extrapola em suas funções e abusa do poder, notadamente no campo penal, em que os direitos e garantias são sagrados e invioláveis, é incompatível com o Estado Constitucional que tem como postulado o respeito a dignidade da pessoa humana.
Por tudo, é que “podres poderes” não podem ditar os rumos da sociedade e de um Estado que se pretende democrático e de direito.
Notas e Referências
[1] Disponível em:< https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/09/12/gilmar-mendes-ve-notorio-abuso-de-poder-e-pede-freios-ao-comentar-acoes-do-mp-contra-haddad-alckmin-e-richa.ghtml Acesso em: 12/9/2018.
[2] Idem, ibidem.
[3] CASARA, Rubens R. R. e MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica vol. I: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 379.
[4] Disponível em:< http://emporiododireito.com.br/leitura/novas-reflexoes-sobre-democracia-e-estado-de-direito Acesso em: 12/9/2018.
[5] Disponível em:< http://emporiododireito.com.br/leitura/novas-reflexoes-sobre-democracia-e-estado-de-direito Acesso em: 12/9/2018.
[6] Idem, ibidem.
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