PERONISMO E KIRCHNERISMO NA ARGENTINA: UMA JORNADA POLÍTICA, ECONÔMICA E SOCIAL.

23/11/2023

O peronismo, um fenômeno político multifacetado, profundamente enraizado na história argentina, transcendeu as barreiras do tempo e moldou o destino do país, inspirando politicamente o kirchnerismo, com relevantes impactos econômicos naquele país e potencializando o avanço da esquerda na América Latina, culminando com o fenômeno eleitoral representado por Javier Milei e suas ideias liberais.

O peronismo emergiu no cenário político argentino com a ascensão do militar Juan Domingo Perón, fundador do Partido Justicialista. Perón foi eleito presidente em 1946 e reeleito em 1951, estabelecendo uma base sólida para o movimento que até hoje abrange uma ampla gama de correntes políticas, desde a esquerda até a direita, e tem sido tanto situação quanto oposição ao longo dos anos. Perón adotou políticas populistas, promovendo direitos trabalhistas, justiça social e nacionalismo econômico. No entanto, seu governo também enfrentou controvérsias, incluindo repressão política e censura da imprensa, sendo interrompido por um golpe militar em 1955. Perón retornou do exílio e venceu as eleições de 1973, mas faleceu no ano seguinte.

O peronismo transcende a definição tradicional de partido político. Para alguns, é um sentimento arraigado na identidade argentina; para outros, um câncer que perpetua o caos. O movimento, como já assinalamos, abrange correntes de extrema-esquerda, centro e direita, tornando-se tanto situação quanto oposição. Não se pode olvidar a figura de Eva Perón, esposa de Juan Perón, que também desempenhou um papel crucial na construção do mito peronista, que até hoje povoa a história de parte significativa da população argentina.

A coalizão governante atual, liderada por Alberto Fernández, é uma combinação de forças internas do peronismo, incluindo o kirchnerismo (liderado por Cristina Fernández de Kirchner), o massismo (representado por Sergio Massa) e o próprio Alberto Fernández.

O kirchnerismo, com suas raízes no peronismo mais conservador, exerceu influência significativa no cenário político da Argentina, com a eleição de Néstor Kirchner à presidência da república em 2003. Kirchner não concorreu à reeleição na eleição de 2007, colocando em seu lugar sua esposa Cristina Fernández de Kirchner, que foi eleita presidente, permanecendo no cargo de 2007 a 2015. O kirchnerismo combinou elementos do peronismo tradicional com uma agenda progressista, enfatizando políticas sociais, direitos humanos e redistribuição de renda. No entanto, também enfrentou críticas por questões como corrupção e controle excessivo do Estado.

Em 2015 assumiu a presidência da república argentina Maurício Macri, deixando o poder em 2019 quando foi eleito o atual presidente Alberto Fernández, tendo como vice-presidente Cristina Kirchner. Cristina, mais uma vez, buscou impor sua visão política ao governo, enquanto Alberto Fernández tentou equilibrar as tensões internas. A crise econômica e as eleições revelaram essas disputas, mas o peronismo permaneceu resiliente, apesar do avanço da oposição.

A economia argentina, ao longo das últimas décadas, tem sido marcada por altos e baixos, desafios persistentes e mudanças de rumo. O caótico cenário atual da economia do país, com foco na hiperinflação, reflete diretamente os equívocos das políticas econômicas implementadas pelos governos de Néstor Kirchner, Cristina Kirchner e Alberto Fernández, com destaque para o papel do ministro da Economia, Sérgio Massa.

É bem de ver que a Argentina enfrenta uma crise econômica que se arrasta desde 2011, passando por altos e baixos sob governos peronistas. Após um período de crescimento no início dos anos 2000, a economia entrou em uma fase de instabilidade. Um dos marcos dessa crise foi o fim da convertibilidade, que estabelecia a paridade fixa entre o peso argentino e o dólar norte-americano desde 1991. A partir daí, a inflação e a pobreza começaram a aumentar gradualmente. O protecionismo econômico, a inflação e a dívida pública foram desafios persistentes. A nacionalização de empresas e a intervenção estatal em setores-chave também tiveram impactos significativos. A crise de 2001-2002 deixou cicatrizes profundas, mas o peronismo sobreviveu e adaptou-se.

Durante o segundo governo de Cristina Kirchner (2011-2015), a inflação voltou a acelerar, superando os índices considerados saudáveis. A política econômica adotada nesse período foi marcada por medidas intervencionistas, restrições de exportações e congelamento de preços. Essas políticas não conseguiram conter a inflação e, ao mesmo tempo, afetaram negativamente o ambiente de negócios e o investimento estrangeiro.

Na presidência de Alberto Fernández, o atual ministro da economia, Sérgio Massa, assumiu o cargo com a promessa de enfrentar a inflação e estabilizar a economia. No entanto, seus planos não foram suficientes para reverter essa situação, não conseguindo deter a volta à hiperinflação, um cenário extremamente preocupante para o país, que levou grande parte da população argentina abaixo da linha da pobreza. A economia argentina continua a enfrentar desafios, incluindo a alta inflação, a dívida pública e a instabilidade política. A coalizão governante liderada por Alberto Fernández enfrenta tensões internas e pressões para encontrar soluções eficazes. A busca por equilíbrio entre políticas sociais e medidas de contenção fiscal é um desafio constante que não foi vencido.

Nesse cenário catastrófico para a economia e para o povo argentino, surgiu o economista ultraliberal Javier Milei, autodeclarado “anarcocapitalista”, que, como candidato à presidência da república, surpreendeu nas primárias argentinas. Sua plataforma fundamental incluiu a dolarização da economia, a redução do Estado e a defesa das liberdades individuais. Milei representa uma visão oposta ao peronismo tradicional, desafiando o “status quo” e atraindo eleitores insatisfeitos com a política convencional. Sua eleição como deputado nacional em 2021 refletiu a busca por mudança e a crescente influência das ideias liberais na Argentina 

Milei foi eleito presidente da república, no último dia 19 de novembro, com ampla margem de votos, sedimentando o descontentamento da população argentina com o populismo peronista/kirchnerista com viés esquerdista que praticamente destruiu o país.

Desde dezembro de 2021, Milei ocupa o cargo de deputado nacional (membro da Câmara de Deputados da Argentina) pela Cidade de Buenos Aires, representando a coalizão política “La Libertad Avanza”. O eleitorado argentino, insatisfeito com a situação econômica e social do país, encontrou em Milei uma voz que desafia o peronismo e o kirchnerismo, espelhando a busca por mudanças e a crescente influência das ideias liberais na Argentina.

Entretanto, o peronismo continua a ser um enigma político, com influência persistente na Argentina e além. Suas contradições, parcos sucessos e múltiplos desafios ecoam através das décadas, potencializando a ascensão da esquerda na América Latina e ensejando o surgimento de figuras como Javier Milei, refletindo a busca da sociedade argentina por alternativas e a necessidade de se repensar paradigmas. Afinal de contas, a história argentina é um palco dinâmico onde ideias e movimentos se entrelaçam há anos, moldando o destino do país e da região numa simbiose que sempre desafiou os princípios e fundamentos das relações internacionais.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Capture 2017-04-06T13_56_54 // Foto de: blob rana // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/143045315@N03/33030523904

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura