Nesta penúltima parte, em virtude da centralidade da diferenciação no âmbito do Pensamento Pós-hermenêutico (PP-H), busco reavivar as fronteiras conceptuais da emoção, da razão e do sentimento, cujas noções vêm sendo ativamente obscurecidas e ignoradas pela cultura patriarcal europeia desde a Revolução Científica do séc. XVII d.C. e, de forma mais contundente, a partir do triunfo positivista, na segunda metade do séc. XIX subsequente. É, todavia, muito provável que a origem dessa castração emocional do ser humano remonte à Antiguidade Clássica, em especial à metafísica das Ideias platônicas.
Ainda que os conceitos filosóficos de intersubjetividade, objetividade e subjetividade sejam estranhos ao discurso pós-hermenêutico e deles não faça uso nem mesmo no domínio jurídico, não posso simplesmente ignorá-los, mesmo que para rechaçá-los prontamente. E o farei, sim, pelos mesmos motivos pelos quais recuso emprestar valor explicativo à exânime noção de interpretação. De alguma maneira, mostrarei que a noção de intersubjetividade transcendental, mediante a qual Husserl tentou refundar a Filosofia de seu tempo, não é senão a confissão do fracasso dos conceitos de objetividade e subjetividade.
1. O segundo giro copernicano
É evidente, como já o disse antes, que não tenho a mínima pretensão de reinventar a roda. Nada de novo acabo de dizer. Há pelo menos 50 anos, a comunidade científica teve acesso às noções de autopoiese molecular e determinismo estrutural, assim como às implicações derivadas dos experimentos do Doutor Humberto Maturana Romesín (MATURANA, 1970). E essa nova descrição do ser vivo que morre, em sendo aceita pelo observador, convola-se num convite ao desapego das certezas de outrora.
Na medida em que vai se ampliando, o conhecimento humano pode, naturalmente, conservar ou reajustar sua configuração. O Pensamento do Sul do Mundo também experimentou essa metamorfose. Como já disse em algum lugar, o Humberto Maturana do séc. XX, não foi, contudo, o mesmo do séc. XXI, ainda que tenha conservado, com rigor, a coerência de suas abordagens científicas no campo da Biologia, da Educação, enquanto revisava e ampliava seu rebelde e avassalador saber. De fato, mais do que amigo, sem qualquer exagero, o professor Humberto Maturana foi uma sublime expressão da própria sabedoria.
Nada obstante, em que pese a evolução no enfoque científico, ao contrário do que sucedera com Kant-I, o pré-crítico racionalista, e o Kant-II, convertido ao criticismo idealista transcendental após acordar do seu “sono dogmático” (SILVEIRA, 2002; HUME, 2016); com Wittgenstein-I (2001), o analítico, e o Wittgenstein-II (2008), dos jogos de linguagem; ou, por fim, com Luhmann-I (1983), que migrou do funcionalismo sistêmico-estrutural para a teoria da autopoiese social sob a roupagem do Luhmann-II (2005a; 2005b; 2005c; 2007), não ocorreu no pensamento maturaniano qualquer virada radical ou solução de continuidade, senão espontânea ampliação.
Antes de fundar a Escola Matríztica com a bióloga-cultural Ximena Dávila para investigar a matriz biológico-cultural da existência humana,[1] predominava em Maturana o olhar sistêmico do cientista ante a práxis do viver cotidiano. Este, como antecipei, foi o biólogo Maturana-I, que habitou El Árbol del Conocimiento (MATURANA; VARELA, 2003a; 1995). A partir dos anos 2000, entretanto, mantendo em cena o biólogo (do conhecimento, da linguagem e do amar) no Habitar Humano (DÁVILA; MATURANA, 2008), eis que surge, sob El Árbol del Vivir (DÁVILA; MATURANA, 2015a; 2015b), um novo Maturana, desta feita reflexionando sobre biologia, cultura e filosofia.
A meu sentir, a despeito do autoelogio kantiano,[2] resulta dessa nova história vivida por Maturana, em parceria com Ximena Dávila, o “segundo giro copernicano” do pensamento ocidental. Esse novo epistemological turn, que El Árbol del Vivir acaba de consolidar, 562 anos após o advento de De revolutionibus orbium coelestium (COPERNICI, 1453), consumou-se em 2002, no exato instante em que Ximena Dávila Yáñez dá-se conta de que a realidade é centralmente um tema de índole epistemológica,[3] porque tem relação com o fazer, e não com o ser (DÁVILA; MATURANA, 2015b, p. 552).
Isso muda tudo no campo do conhecimento. Não desde Tales de Mileto, talvez, mas certamente a partir de Sócrates, o Filósofo[4], que, não por acaso, praticava o saudável hábito de escutar sábias mulheres do seu tempo.[5] De todo modo, o que importa aqui registrar é que, no marco da Cibernética 3.0, além de despertar Maturana-I para a “virada metafísica”, Dávila mostra que a noção de “ontologia constitutiva”, no fundo, escondia uma nova epistemologia. Eis que surge então o Maturana-II e, com ele e Ximena, a epistemologia do Sul do Mundo, que enxerga nos seres antropoecológicos[6] o fundamento unitário de todo conhecimento[7] (DÁVILA; MATURANA, 2015b, p. 552).
2 Emoção, Razão e Sentimento
Neste passo, então, talvez convenha remarcar que, tal como o Pensamento Hermenêutico, o Pensamento do Sul do Mundo reconhece a relevância do logos no processo cognitivo humano e lhe atribui a decisiva tarefa na validação do saber. O papel das emoções, nesse contexto, é outro, elas apenas especificam domínios comportamentais em que os saberes sucedem, mas não validam argumentos, raciocínios ou arrazoados. A função de validação de raciocínios é exclusivamente da lógica, e não dos afetos, cumpre reconhecer. Sem embargo, como já antecipei, essa circunstância não invalida a conclusão de que todo argumento racional tem fundamento emocional.
O fato é que, em nosso contínuo presente cultural cambiante ocidental, salvo invisíveis exceções, somos educados e formados, sempre, sob certa perspectiva eurocêntrica universalista, centrada nas coerências sensoriais, operacionais e relacionais da cultura matriarco-patriarcal europeia, que privilegia e dogmatiza a razão simbólica por não compreender muito bem os fundamentos biológicos das emoções. Por conta disso, entendo oportuno, neste momento, explicitar a distinção que faço entre emoção, sentimento e razão, no espaço reflexivo do Sul do Mundo.
Em primeiro lugar, é necessário fixar que sempre fluímos no emocionear.[8] Esse fluxo de emoções que chamamos de emocionear somente se esgota quando se detém ou cessa nossa autopoiese molecular, isto é, o próprio viver. As emoções são dinâmicas orgânicas (e não estados), por isso que existem num fluxo ininterrupto que chamamos emocionear. Neste sentido, enquanto animais da linhagem zoológica Homo sapiens-amans amans (DÁVILA; MATURANA, 2008, p. 35-64), somos seres emocionais desde o útero materno. E só deixaremos de sê-lo sobrevindo a morte. É que:
Os seres vivos existem na realização de sua autopoiese [molecular], em sua contínua dinâmica estrutural, em coerência operacional com o meio, num processo cego sobre si mesmo [em virtude do fechamento operacional na sua organização]. No curso de sua deriva evolutiva, surgiram como seres que se realizam em distintas [arquiteturas dinâmicas ou] configurações de dinâmicas estruturais alternativas, segundo as circunstâncias relacionais que vivem. Estas distintas arquiteturas dinâmicas aparecem ante um observador como distintos modos relacionais ou emoções. As emoções, portanto, são distinções do observador das diferentes configurações relacionais que os animais podem adotar [como comportamento], e que lhes ocorrem como simples aspecto do fluxo de seu viver.[9] (BLOCH; MATURANA, 1996, p. 129-131, tradução nossa)
Em segundo lugar, é superimportante esclarecer que sentimento e emoção são fenômenos diferentes, ainda que relacionados um com o outro. O emocionar pode ser visto no espaço relacional, mas o sentir não. Enquanto a emoção constitui uma dinâmica corporal orgânica e relacional[10], que circunscreve certa conduta, o sentimento é efeito apenas de uma reflexão ou comentário sobre o emocionear (ou fluxo emocional) e decorre da apreciação que fazemos deste em dado momento; logo, requer a linguagem para aparecer diante de nós. A emoção existe independentemente da linguagem, porque se trata de configuração de dinâmicas estruturais moleculares, contingentes com o meio em que o organismo se relaciona circunstancialmente.
Os sentimentos, nestas circunstâncias, surgem como distinções reflexivas que o observador, pelo fato de existir na linguagem, pode fazer sobre sua própria corporalidade durante o fluxo emocional [diferenciando uma ou outra emoção]. Em nossa cultura, falamos dos sentimentos como aspectos de nossa subjetividade, porém não correspondem a uma interioridade [fisiológica] estrita, mas antes a uma [noção explicativa ou] interioridade operacional que surge [ou inventamos] em nossa história como possibilidade no linguajear. (BLOCH; MATURANA, 1996, p. 131)
Desse modo, quando alguém observa, numa rica festa, que a bandeja de aperitivos, petiscos, salgadinhos, nunca lhe chega, apesar de o garçom sempre oferecer aos demais convidados a seu redor, pode, sim, “sentir intimamente” ou desconfiar que está sendo preterido ou ainda “sentindo” certa indiferença em relação a si. É que o emocionear ou fluxo emocional em que o serviçal se desliza naquele instante denuncia ou sinaliza a configuração relacional ou de sentimentos íntimos do momento.
A reflexão que fazemos no fluxo do linguajear sobre o emocionear, provocada pela rejeição, é o que chamamos de sentimento. A emoção é, sem dúvida, a explícita indiferença, em cujo âmbito a pessoa rejeitada prossegue invisível, ignorada. Por outras palavras, a conduta (física) do garçom de não servir os petiscos ao conviva aparece no fluxo emocional especificado pela indiferença, em cujo espaço relacional o outro é inferior, desimportante, invisível. Então:
Se desejas conhecer a emoção, mire a ação; porém, se queres conhecer a ação, mire a emoção. Em outras palavras, insisto: é a emoção que sustenta a realização de uma conduta, o que a torna uma ação ou outra. Ao mirar a ação, se vê, simultaneamente, a conduta e a emoção, em um ato que surge como totalidade, sem haver separado conduta e emoção. (BLOCH; MATURANA, 1996, p. 145, tradução nossa)
Façamo-lo, agora, algumas perguntas propositalmente inúteis, desnecessárias, ao menos para quem acha que possui algum discernimento: ─ Que tipo observador, abaixo das nuvens, logra pensar, raciocinar ou construir um argumento, sem antes selecionar, desejando ou preferindo, as premissas básicas que seleciona ou escolhe para formar o constructo? ─ Quem pergunta (e todo problema deriva de uma pergunta) sem antes escolher a pergunta que convém ao tema? ─ Há teorias, filosofia, ciência, desprovidas de argumentos e perguntas?
Só mais uma questão: ─ Em que domínio se encontra o observador quando, se isso for possível, seleciona ou escolhe as premissas básicas de seu argumento ou a pergunta que convém ao assunto, o da razão ou da emoção? Ora, se preferirmos a emoção à razão, o que já seria de fato curioso e surpreendente, concluiremos racionalmente que, antes de raciocinar ou argumentar, já fluímos no emocionear, e não ao contrário: na razão. De fato, jamais nos aborrece o fato de ter de repetir que:
As emoções não são lógicas nem ilógicas, pertencem ao fluxo do emocionear dos domínios relacionais [ou comportamentais] no devir do viver, e não ao domínio da argumentação [do fazer no linguajear]. Por isso, as emoções entram somente como elementos utilizáveis na argumentação, mas não como parte da [estrutura] lógica argumentativa.
O que ocorre, e isso é crucial, é que as emoções constituem o fundamento lógico desde o qual essa pessoa aceita, aprioristicamente, as premissas que fundam a lógica de sua argumentação, na medida em que, a cada instante, circunscreve o domínio comportamental em que uma pessoa se move durante a articulação de seus argumentos lógicos. (BLOCH; MATURANA, 1996, p. 169, tradução e grifos nossos)
Em definitivo, a operação racional não priva o ser humano de sua dimensão emocional ou vice-versa, porque, antes de se tornar racional, todo humano mamífero (assim identificado porque se trata de animal pertencente ao gênero Homo) já é emocional. Ainda que o vaidoso Homo sapiens tenha resistido por muito tempo integrar o reino animal, o historiador israelense Yuval Noha Harari nos chama a atenção para o fato de que:
Gostemos ou não, somos membros de uma família grande e particularmente ruidosa chamada grandes primatas. Nossos parentes vivos mais próximos incluem os chimpanzés, os gorilas e os orangotangos. Os chimpanzés são os mais próximos. Há apenas 6 milhões de anos, uma mesma fêmea primata teve duas filhas. Uma delas se tornou a ancestral de todos os chimpanzés; a outra é nossa avó. (HARARI, 2017, p. 13)
Creio que seja desnecessário argumentar, aqui, que a nossa avó ancestral hominídea, depois do evento de bifurcação das espécies, por um bom tempo, seguiu conservando o modo de viver de sua mãe, nossa bisavó primata. Essa deriva ou processo epigenético-estrutural pode ter durado em torno de 2,5 milhões de anos, pelo menos até a emergência do fenótipo ontogênico (modo de viver) centrado na linguagem, em coordenações recursivas consensuais de fazeres, emoções e sentimentos, há aproximadamente, 3,5 milhões de nossa era (MATURANA, 1989, p. 78).
Ora, se até então éramos guiados exclusivamente pelas emoções, como qualquer animal, tê-las-íamos perdido com a conservação do linguajear? Ou, pelo contrário, teríamos ampliado nossa plasticidade comportamental para o conversar e reflexionar? Leiamos Dávila e Maturana (2015b, p. 266, tradução nossa):
Falamos de raciocínio e de lógica quando nos dispomos a atuar e pensar, conservando as coerências sensoriais, operacionais e relacionais que definem um domínio sensório-operativo-relacional particular em nosso viver-conviver humano. […]. Quando surgimos como seres humanos vivendo e convivendo na linguagem, começamos a conviver na racionalidade como moduladora do curso do que fazemos desde nosso emocionear. Assim, enquanto humanos, somos seres que vivemos nosso viver desde nosso emocionear, ao tempo em que usamos nossa razão para produzir teorias com as quais desejamos modular, modificar ou negar o curso de nossos fazeres, segundo o que pensamos e sentimos das implicações do que fazemos, ou nesse fluxo nos sucede.
3 Objetividade, Intersubjetividade e Subjetividade
É evidente que as emoções estão intimamente associadas à questão epistemológica, logo, também, à problemática da subjetividade, objetividade e intersubjetividade cognitiva, tida como trivial no domínio do Pensamento Hermenêutico, motivo pelo qual reclama deste trabalho algum discernimento, porque, cotidianamente, lidamos com essas invencionices explicativas como se fossem algo sabido, imunes a qualquer crítica científica ou filosófica séria. Afinal, quem nunca cobrou de alguém contenção na emoção (subjetiva) ou enquadramento na razão (objetiva)? Sucede que, sob esse prisma:
O objetivo é algo cuja existência independe do que faz o observador, portanto ocorre fora deste. O subjetivo, por seu turno, é algo cuja existência se dá na interioridade do observador, segundo a compreensão implícita de que a interioridade do observador seja, de algum modo, comparável com sua exterioridade. Defendo que o objetivo não existe nesses termos, visto que tudo que distinguimos fazemo-lo em nosso viver como um aspecto da realização de nosso viver. Somos sistemas determinados por nossa estrutura, de modo que nada externo pode especificar o que passa em nosso organismo. Por outras palavras, nada é subjetivo ou objetivo, tampouco independente do fazer do observador[11], inclusive este próprio.[12] (BLOCH; MATURANA, 1996, p. 77)
Equivoca-se, no entanto, quem imagina que a criatividade do Pensamento Hermenêutico cessa aí. Pois bem, ainda quando era sólida[13], a modernidade pensava que todo sujeito deveria ser capaz de acessar objetivamente a realidade transcendente, de modo a coincidir sua percepção com a de qualquer outro que, eventualmente, tenha tido acesso, ou teria se o acessasse, a idêntico ente ou objeto no mundo. Depois que, contudo, se tornou líquida[14], devido ao upgrade pós-moderno, a modernidade tardia resolveu substituir a subjetividade individual da filosofia da consciência por uma coletividade de sujeitos, que passou a evocar com a palavra intersubjetividade, sobretudo a partir da fenomenologia husserliana[15].
Sucede que, apesar de engenhosa a noção de intersubjetividade transcendental proposta por Husserl (HUSSERL, 1929, p. 39), segundo o qual “toda a racionalidade do facto reside, sem dúvida, no a priori”, o Pensamento do Sul do Mundo também a rejeita, tanto por razões lógicas (VON FOERSTER, 1973; 1979; 2003), como biológicas (MATURANA, 1988; 1997; 2009a; 2009b). E, como “devemos aceitar o que é impossível deixar de acontecer” [16], valho-me também da ocasião para rechaçar ingênuas associações desse conceito ao PSM, tal como o faz o professor John Mingers, da Kent University, sob a alegação de:
[…] que, num aspecto particular, o trabalho de Maturana[-I] representa um avanço diferenciado na fenomenologia clássica, que comumente é criticada por conta de seu manifesto viés individualista, além de ter enorme dificuldade em gerar a natureza intersubjetiva da realidade social (...). Aqui, Maturana[-I] começa a partir de uma posição intersubjetiva. Somos (como seres autoconscientes) constituídos através de nossa linguagem, e a linguagem é inevitavelmente um fenômeno intersubjetivo. Como Wittgenstein (...) também argumentou, não pode existir algo como uma linguagem privada. Assim, a linguagem é essencialmente um domínio consensual de acordos, de acoplamento estrutural que permite as operações dos observadores.[17] (MINGERS, 1995, p. 110, tradução nossa)
A bem da verdade, a noção de intersubjetividade interessa somente aos desígnios do Pensamento do Norte do Mundo, e, em particular, ao desenvolvimento teórico do próprio professor Mingers, que se autointitula realista crítico para, em seguida, enquadrar-se no molde representacional proposto pela Cibernética 1.0. O biólogo e epistemólogo chileno Humberto Maturana se diz avesso a rótulos, porém admite que talvez possa ser considerado um super-realista, mesmo reconhecendo a propriedade constitutiva do observador em seu operar distintivo, e sem nunca ter negado a existência de um mundo externo.[18]
O conceito de intersubjetividade, tal como o de subjetividade, atualmente, nada tem a oferecer ao aprimoramento do saber humano, em particular, ao das ciências sociais. Talvez tenha sido útil para deslocar o acento filosófico do Norte do Mundo: do background da filosofia da consciência para o da filosofia da linguagem (simbólica). Como bem pondera Enaudeau (2006), nada, contudo, mudou, a não ser o alcance das lentes objetivas manipuladas pelos hermeneutas de plantão. Honestamente, não podemos olvidar que:
Quando nas tradições místicas do Oriente se diz que tudo é ilusão, que tudo é transitório e nada pode ser valorizado porque nada dura, afirma-se, ao mesmo tempo, ainda que implicitamente, que existe o real e o que é duradouro em si mesmo, como pura energia/consciência, sem objetos ou conceitos, mas como uma fonte sutil de tudo, acessível apenas na experiência de ampliação da consciência que surge na meditação profunda. E quando o pensamento racional ocidental fala de subjetividade, afirma-se a confiança na existência de um alcance do objetivo, ou do próprio real, que ocorre independentemente da operação do observador. (DÁVILA; MATURANA, 2015b, p. 177, tradução nossa)
É evidente que observadores hermenêuticos e pós-hermenêuticos podem, eventualmente, coincidir na mesma experiência. Esta jamais será problemática. A experiência sempre estará fora de discussão. O problema surge quando uns e outros resolvem explicar a experiência vivenciada ou convivida. É na explicação que reside o busílis, o xis da questão. O observador multissensorial que aceita a determinação estrutural dos sistemas autopoiéticos moleculares (seres vivos) sabe que uma unidade dinâmica discreta como essa também não opera com representação do meio, tampouco nele capta informação para orientar seu comportamento (MATURANA; VARELA, 1992).
A solução deste argumento parece demandar tão somente coerências eminentemente lógicas. Nada que escape à experiência do observador multissensorial existe para si. E de que forma o observador experimenta a existência de algo? Através de seu operar. E como opera o observador? Fazendo distinções na linguagem (MATURANA, 2014). Sim, mas como tudo é dito pelo observador, se este não opera com representações do meio, captando dados ou informação da realidade externa? Isso se explica pelo fato de o observador falar da realidade que ele próprio constitui na linguagem, coordenando recursiva e consensualmente fazeres, sentimentos e emoções num domínio metalinguístico situado nas redes de conversações em que flui no emocionear.
Ademais, o observador multissensorial explica a experiência que vivencia com a própria experiência que constitui, no seu viver-conviver, na arquitetura dinâmica da unidade ecológica organismo-nicho, ao tempo que conserva e realiza sua autopoiese molecular no curso de sua deriva estrutural epigenética. Por outras palavras, enquanto observadores, somos também seres biológico-culturais determinados estruturalmente, e, como tais, explicamos a experiência como um aspecto de nosso viver cotidiano, na arquitetura dinâmica da unidade ecológica organismo-nicho em que realizamos e conservamos nossa autopoiese molecular.
Desse modo, não podemos falar a não ser do que efetivamente experimentamos, concreta ou abstratamente, através de nossas operações de distinção na linguagem, a menos que pretendamos separar o dito de quem o diz ou estejamos mentindo ou delirando. Afinal, tudo que é dito é dito pelo observador multissensorial a si ou a outrem, na linguagem. Tudo o que fazemos, vivenciamos, sentimos, ocorre na realização de nosso viver enquanto seres vivos. E podemos falar do que nos sucede precisamente porque tudo ocorre em redes recursivas, num fluxo dinâmico sensório-operativo-relacional de nossa arquitetura dinâmica, na realização de nosso viver como sistemas autopoiéticos moleculares (DÁVILA; MATURANA, 2015b, p. 41, tradução livre).
Cumpre reconhecer, no entanto, que o avanço da ciência tem forçado o pensamento convencional a operar ajustes em seu esquema conceitual. Por exemplo, a contenção no desbragado uso da dicotomia subjetivo/objetivo (sujeito/objeto) constitui, certamente, uma das evidências dessa mudança de atitude. Algumas correntes filosóficas e hermenêuticas optaram até mesmo por abandoná-la, substituindo-a pelo conceito de intersubjetividade (sujeito/sujeito), um husserliano a priori compartilhado que esconde em sua estrutura as odiosas tentações de controle e apropriação.[19] De todo modo, como o intersubjetivo deriva de um nonsense: o subjetivo, o oposto de outro nonsense: o objetivo, o resultado lógico dessa operação não pode ser outro senão outro sem sentido.[20]
Essa estratégia intersubjetivista, sem qualquer demérito ao legítimo esforço de seus fautores, a bem da verdade, está mais para disfarce que para uma solução epistemológica séria, posto que não se aplica aos seres vivos, enquanto sistemas autopoiéticos moleculares determinados por sua estrutura; e seres vivos organizados dessa forma - e a biologia indica que observadores vivos humanos o são - não dispõem de mecanismo operacional para validar nada aprioristicamente. Não seria exagero, então, vislumbrarmos na intersubjetividade uma solução customizada para hermeneutas do além-mundo, porque:
Quando, em nosso viver cotidiano, no presente cultural em que convivemos, falamos do subjetivo, fazemo-lo implicando o real ou o objetivo como um referente universal transcendente que deveria ser válido para todos os seres vivos, humanos ou não. E, quando […] se fala de algo intersubjetivo, no fundo, quer-se evocar uma coincidência de subjetividades que surgiria desde algum suposto acesso compartilhado ao objetivo transcendente. (DÁVILA; MATURANA, 2015b., p. 177; grifos nossos, tradução livre)
Como já declarei em relação à noção de interpretação, na parte I deste trabalho, nada – em si – é verdadeiro ou falso, válido ou inválido, desejável ou indesejável, bom ou ruim, real ou irreal, porque algo existe como surge no viver e conviver dos seres humanos ou não humanos. E isso, evidentemente aplica-se à noção de intersubjetividade transcendente. Decerto, a dificuldade não resida no conceito de intersubjetividade em si, mas sim na explicação que a sustenta, geralmente centrada na problemática noção de sujeito assujeitador.
O professor Yuval N. Harari, e aqui o invoco como uma das referências mais destacadas do Pensamento Hermenêutico na atualidade, provavelmente no intuito de escapar às velhas e mal explicadas acusações de arbítrio, associa à sua alentada noção de ordem imaginada (“imagined order”) uma suposta natureza intersubjetiva. De fato, segundo o historiador de Oxford: “A ordem imaginada é intersubjetiva. [...]. Para entender isso, precisamos compreender a diferença entre ‘objetivo’, ‘subjetivo’ e ‘intersubjetivo’”[21] (HARARI, 2017, p. 124).
Um fenômeno objetivo existe independentemente da consciência humana e das crenças humanas. [...]. Subjetivo é algo que existe dependendo da consciência e das crenças de um único indivíduo. Desaparece ou muda se aquele indivíduo em particular mudar suas crenças. [...]. Intersubjetivo é algo que existe na rede de comunicação ligando a consciência subjetiva de muitos indivíduos. Se um único indivíduo mudar suas crenças, ou mesmo morrer, será de pouca importância. No entanto, se a maioria dos indivíduos na rede morrer ou mudar suas crenças, o fenômeno intersubjetivo se transformará ou desaparecerá. Fenômenos intersubjetivos não são fraudes malévolas nem charadas insignificantes. [...]. (HARARI, 2017, p. 125-126, grifos nossos)
O critério decisivo de diferenciação entre os conceitos de objetividade, subjetividade e intersubjetividade, é, portanto, o da consciência; logo, o sujeito e suas crenças[22]. O problema é que a surrada noção de sujeito é outra invencionice do PNM proposta, inicialmente, para assujeitar o objeto, no velho esquema dicotômico metafísico sujeito/objeto, dominus/escravo, e, depois de fossilizada, passou a justificar “ordens imaginadas” a critério do establishment de ocasião. Nada contra o sujeito, essa figura abstrata que agrada filosoficamente a muita gente. Até poderia aceitá-la por falta de opção. Mas não é o caso. Pelo contrário, como diria Bateson (1978, p. 484), vejo-a na forma de uma ecologia de ideias tóxicas a ser neutralizada[23].
É claro que podemos evocar o fenômeno humano com a palavra sujeito. Não há mal nenhum nesse procedimento. A situação só se complica quando pretendemos reduzir o humano à noção de sujeito, porque sabemos, hoje, que todo ser humano é mais que um mero sujeito abstrato, inclusive os hermeneutas vivos, pois, além de pessoa, também é expressão de uma unidade ecológica dinâmica organismo-nicho[24] (“organism plus environment”)[25]. A biologia bem como a cibernética 2.0 já mostraram a inexistência de observador separado do Universo (BATESON, 1978, p. 483; MATURANA, 2008, p. 19; VON FOERSTER, 1979). Ademais, todo observador é um ser humano[26]; e inexiste ser vivo humano vivendo e convivendo num vazio relacional.
Com efeito, se tivermos a curiosidade de saber como somos feitos, para termos um clara noção de como operamos:
[...] descobriremos, em nosso presente cultural, que somos sistemas moleculares e, por via de consequência, entre os sistemas moleculares, somos seres vivos que existimos como redes fechadas de contínuas produções e transformações moleculares, que se produzem como entidades discretas denominadas sistemas moleculares autopoiéticos. E nesse processo também descobriremos que, enquanto seres vivos, somos também seres humanos que existimos como pessoas no conversar e explicar, reflexionando sobre nosso viver e conviver. (DÁVILA; MATURANA, 2019, Intr., p. 1, tradução livre)
Estritamente, o receio do arbítrio não se justifica, exceto no âmbito do Pensamento do Norte do Mundo, porque não necessitamos de apriorismos para nos expressar racionalmente. Na realidade, as premissas básicas que um observador escolhe segundo seus desejos e preferências para utilizar em seus argumentos não surgem para si de maneira completamente arbitrária, pois resultam de abstrações de seu próprio viver cotidiano, de sua experiência vivenciada na arquitetura dinâmica da unidade ecológica organismo-nicho que lhe corresponde.
As noções de objetividade, subjetividade e intersubjetividade não pertencem ao domínio operacional fisiológico do ser vivo, mas sim ao âmbito reflexivo do observador multissensorial, que as inventa para correlacionar domínios disjuntos. Segundo Dávila e Maturana (2015b, p. 198, tradução nossa):
Quando explicamos, não o fazemos em relação a um acontecimento ocorrido com independência de nossas operações [fisiológicas]; pelo contrário, somente explicamos a experiência que vivenciamos [no evento]. Assim, o ato de explicar consiste na proposição de um mecanismo ou processo generativo que, como um sistema de transformações lógicas em torno da conservação de um determinado conjunto de premissas básicas adotadas a priori, daria origem, se lhe deixara funcionar, à experiência que desejamos explicar. As premissas básicas que o observador adota a priori não surgem de forma completamente arbitrária em seu raciocínio bem como em sua sensorialidade, pois são abstrações das coerências sensório-operativo-relacionais da realização de seu viver como ser humano no domínio em que vivencia a experiência a ser explicada…[27]
Desse modo, em que pese o hercúleo esforço, o PH, dentre outras dissidências existentes no clube cognitivo da Escola de Pensamento do Norte do Mundo,[28] ainda patina na sua promessa de superar o núcleo do pensamento-raiz, marcado pela objetividade transcendente, que supõe acesso privilegiado a uma realidade apartada da biologia do observador. Com efeito, vale repetir, como bem ilustra Corinne Enaudeau (ENAUDEAU, 2006, p. 209-210), o filósofo “Wittgenstein … atribui às palavras a mesma função que Kant empresta às representações transcendentais, esses conceitos a priori que são o esquema de leitura de todo objeto cognoscível”.
É nesse enfoque metafísico que a teoria jurídica também se escora para admitir a preexistência de “traços de significado mínimos incorporados ao uso ordinário ou técnico da linguagem” (ÁVILA, 2003, p. 24). Com essa manobra ontológica, de viés construtivista, a ciência jurídica tenta aliviar o direito do temido ônus da arbitrariedade, sugerindo que, no processo hermenêutico, os sentidos preexistentes à exegese (Wittgenstein), as estruturas de compreensão existentes a priori (Heidegger) ou a “condição a priori intersubjetiva” (Reale), operam como fatores dissuasivos de potenciais interpretações caprichosas (ÁVILA, 2006, p. 32-33, grifos no original).
Sem embargo, quanto mais profundo o problema ignorado, maiores as chances de fama e sucesso. O ciberneticista Stafford Beer batizou essa máxima de Teorema nº 1 de Heinz von Foerster[29], para quem a proclamação da objetividade (assim como da subjetividade, por idêntica razão) é absurda![30] Afinal, “como nos distinguimos se não somos objetos externos a nós mesmos?[31] (MATURANA, 2008, p. 18). Então, para evitar me afogar na superfície do PNM a troco de conforto, fama e poder, proponho doravante um mergulho vertical nas profundezas abissais do PSM, em particular da Cibernética 3.0, mas não sem antes fazer um importante esclarecimento a respeito do uso inadequado do approach científico maturaniano.
4 O Rebate de Maturana à Teoria Social Luhmanniana
Como antecipei na introdução à parte IV deste trabalho, toda reflexão demanda destemor e sacrifício, na medida em que pressupõe desapego e risco de imprevisão. Certamente, a Escola de Pensamento do Sul do Mundo (EPSM) não chegou ao séc. XXI sem amargar desconforto e exposição ao perigo – por perseguir com rigor as consequências de seus aportes e descobrimentos. Quantas vezes, antes de se tornar um cientista de renome internacional, Humberto Maturana foi ridicularizado simplesmente por pensar diferente? Teimoso, cabeça-dura, louco... até ser indicado ao prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia e conquistar o Prêmio Nacional de Ciências do Chile.[32]
O Doutor Humberto Maturana fez-se famoso no mundo todo, do Ocidente ao Oriente, recebeu o tratamento de guru de ninguém menos que Dalai Lama[33], em pessoa. Devido, contudo, à confusão provocada pelo uso inadequado de suas proposições científicas bem como no intuito de prevenir que a presente reflexão seja atirada na vala comum da desinformação e da crítica maldosa, cuja cegueira impede-lhe de captar o Pensamento do Sul do Mundo como uma matriz sensorial, operacional e relacional desatada das coerências operacionais que configura o patriarcado europeu, teço aqui algumas considerações, circunscrevendo minha análise ao mal uso da obra do biólogo chileno na Alemanha.
Refiro-me a Niklas Luhmann, professor da Universität Bielefeld e afamado teórico da autopoiese social, cujo conceito sistêmico impactou decisivamente a difusão distorcida da noção original concebida no campo da Biologia do Conhecimento evocada com o termo autopoiese molecular. A balbúrdia epistemológica começou no instante em que o sociólogo alemão, para satisfazer suas inclinações positivorracionalistas, na segunda fase de seu trabalho científico, a do Luhmann-II, propôs uma teoria autopoiética da comunicação - asséptica de seres humanos a pretexto de que estes são imprevisíveis.
Avesso a formalismos[34], numa visita a Bielefeld, a convite do próprio sociólogo alemão para falar sobre seu entendimento a respeito dos sistemas sociais enquanto sistemas autopoiéticos de comunicação, Humberto Maturana e Niklas Luhmann travaram o seguinte diálogo:
HM: ― “Por que deixas os seres humanos fora das suas considerações sobre a constituição fundamental dos sistemas sociais?”
NL: ― “Quero propor uma teoria dos sistemas sociais que me permita tratá-los formalmente para que eu possa prever o que pode acontecer com eles. Como os seres humanos são imprevisíveis, não podem fazer parte dela”.[35] (MATURANA, 2014b, p. 187 - aspas no original, tradução nossa)
Na verdade, o fenômeno social e, em particular, o da comunicação, não reproduz autopoiese alguma, porque simplesmente não satisfaz nenhum critério de inclusão no reino dos sistemas autopoiéticos (URRESTARAZU, 2014; 2012; 2011a; 2011b). O próprio Humberto Maturana declara, abertamente, que jamais ocultou essa divergência, em relação ao uso que Luhmann fizera de suas ideias.[36] A bem da verdade, em seu megaempreendimento sistêmico, Luhmann jamais aplicou com rigor o sistema conceitual proposto por Maturana e, quando lhe foi oportuno, tratou de reformular noções maturanianas medulares para ajustar a seus interesses teórico-positivistas.
De fato, assistem carradas de razão aos críticos da teoria sistémica de corte luhmanniano quando afirmam que o cientista social alemão declara a morte do sujeito. Sim, ainda que por via oblíqua, quando subtrai aos seres humanos a experiência comunicativa. Sucede que Luhmann, ao fazer essa opção, também decide precisamente marchar na contramão da abordagem biocultural do PSM, que declara o viver-conviver cotidiano humano como “a origem de todas as coisas”[37]. “E somos seres humanos na linguagem na geração de mundos na conservação e reflexão, o que dá origem às diferentes matrizes culturais que habitam este planeta há 3,5 milhões de anos.” (DÁVILA; MATURANA, 2019, cap. 2, p. 4, tradução nossa).
Como bem chamam a atenção Dávila e Maturana (2008, p. 337, passim), o vocábulo autopoiese, é usado para descrever, com uma única palavra, a configuração de processos moleculares que constituem os seres vivos. A composição de tal palavra não evoca nada mais que uma abstração da dinâmica do viver. Aliás, enquanto viveu, Maturana não se cansou de reafirmar que: a noção de autopoiese não é uma definição da vida, tampouco uma noção explicativa dela; conota apenas que: um ser vivo existe, e é ser vivo, enquanto produzir a si mesmo, num fluir de câmbios estruturais recursivos, ocorrentes em suas dinâmicas: fisiológica e relacional, ambas determinadas estruturalmente.
Por sinal, o preço a ser pago, por conta de seu formalismo, é altíssimo, mas Luhmann o assume abertamente: é forçado não só a rebaixar o ser humano a mero cálculo estatístico ou ponto de tangência do sistema social[38] bem como a operar radicais ajustes semânticos nos conceitos que empresta da maturaniana Biologia do Conhecimento, de modo a acomodá-los às conveniências de suas disposições teóricas. Por exemplo, em seu intento de impor uma clausura operacional ao sistema comunicativo para configurá-lo como sistema autopoiético, Luhmann (2007, p. 129) resolve ignorar a noção de organização, argumentando simplesmente que este termo não se aplica à sociologia, motivo pelo qual, para efeitos sociológicos, bastaria dizer que se trata de uma reprodução autopoiética”[39].
Não é menos curioso verificar, também, que, apesar de a palavra autopoiese ter sido inventada, no viver de Maturana, para descrever o viver[40], com as coerências operacionais do próprio viver[41], por ironia e sob inquietantes ressalvas, Luhmann se submete ao desafio de explicar o fenômeno comunicacional - fora do viver -, externamente à experiência sistêmica-sistêmica do observador, a la Cibernética 1.0, cujo intento se equipara à pretensão de descrição do Universo, desde fora do próprio Universo. Melhor seria que outro fosse, senão esse, o impulso que move o sociólogo alemão a:
... apresentar um conceito adequado de comunicação de modo a evitar qualquer referência à consciência ou à vida, porque está situado num nível diferente de realização dos sistemas autopoiéticos. Sem embargo, devo advertir que se desconsidere a hipótese de a comunicação existir onde não haja vida e consciência."[42] (LUHMANN, 1992, p. 252)
Sinceramente, não vejo como compatibilizar com o viver uma teoria que nega conexão com o próprio viver e, por via de consequência, com os seres vivos humanos, seus sentimentos e emoções. Na mesma linha de consideração, sou estimulado a perceber que Luhmann vai ao limite com seus truques epistemológicos, buscando inocular, no conceito de acoplamento estrutural, a fundamental noção de “determinismo estrutural”, esquadrinhada em conceito autônomo pela epistemologia unitária de Santiago (DÁVILA e MATURANA, 2008, p. 208).
Com todas as letras, Luhmann (2007, pp. 280-281), para, mais uma vez, atender às conveniências de sua autopoiese social, expressamente, propõe que o acoplamento estrutural dos sistemas autopoiéticos “impede que fatores existentes no ambiente possam especificar, de acordo com as próprias estruturas, o que sucede [internamente] no sistema”[43]. Por outras palavras: “O acoplamento estrutural ... situa-se numa posição ortogonal à operação do sistema: seleciona o que pode produzir efeitos no sistema e interdita o que não convém à produção de efeitos sobre este”[44].
Absolutamente, não é isso que propõe a Biologia do Conhecimento. É claro que a noção particularizada de “determinismo estrutural” não interessa à sociologia de Luhmann, posto que seu conceito de unidade autopoiética não pressupõe o de organização – que a identifica como pertencente a certa espécie –, mas leva em conta, tão somente, o de reprodução, que faz referência à sua realização, no meio que a envolve. Seja como for, mesmo sendo correta a suposição de que determinação e acoplamento estruturais atuam, de algum modo, na realização da unidade sistêmica, não é possível olvidar, também, que referidos conceitos evocam fenômenos distintos.[45]
Na verdade, o que Luhmann define como acoplamento estrutural equivale, no âmbito do Pensamento Pós-hermenêutico, ao determinismo estrutural, cuja noção, basicamente, indica que o que se passa com certos sistemas depende de como eles estão feitos (MATURANA, 2001, p. 73-74). Outrossim, podemos vislumbrar o determinismo estrutural como um estado inerente à organização do sistema, cuja invariância se inclina a rejeitar toda instrução desencadeada pelo meio envolvente. De fato:
O conceito de determinismo estrutural sinaliza que tudo o que acontece com um sistema ou entidade composta, que distinguimos em nosso viver, opera segundo as coerências operacionais de seus próprios componentes; nada que que lhe seja externo pode determinar o que passa em si ou consigo.[46] (DÁVILA e MATURANA, 2008, p. 208)
Por outro lado, o que a epistemologia unitária de Santiago tem indicado como acoplamento estrutural não extrapola as fronteiras de uma relação de congruência estrutural dinâmica, que se estabelece entre organismo e meio envolvente, como condição de adaptação, ou entre um organismo e outro, como forma de consensualidade. No fundo, toda acoplagem estrutural corresponde a um modo de realização dos sistemas determinados estruturalmente, inclusive dos que dispõem de organização autopoiética, desde que se entenda “por estrutura os componentes e as relações que concretamente constituem uma determinada unidade realizando sua organização”[47] (MATURANA e VARELA, 1992, p. 47; 2003a, p. 28, tradução nossa).
Por fim, ainda a propósito dos sistemas sociais, desde a emergência do approach autopoiético sobre os sistemas viventes, por volta dos anos 60, muito se perguntou sobre a possibilidade existencial de sistemas autopoiéticos de terceira ordem, considerando-se que as células são de primeira e os organismos de segunda ordem. A comunidade científica em geral não sabe disso, porém Humberto Maturana respondeu a essa inquietude nos seguintes termos:
Certamente é possível falar de sistemas autopoiéticos de terceira ordem considerando o caso de uma colmeia, colônia, família, ou sistema social como um agregado de organismos. Mas aí, o autopoiético resulta do agregado dos organismos e não é o que é próprio da colmeia, da colônia, da família, ou do sistema social, como o tipo particular de sistema que cada um desses sistemas é. [...].[48] (MATURANA; VARELA, 2003b, p. 18)
Continuaremos nossas discussões, buscando também lhes dar um fechamento, na parte V.
Reconhecimentos
Esta reflexão eclodiu em mim num certo momento da minha adolescência, quando uma professora me convidou a interpretar um texto. A perplexidade que me abateu naquela fatídica situação de aprendizagem foi tão dramática que segue acesa depois de quatro décadas. Felizmente, outro professor me ajudou a perceber que nada é um recurso ou uma oportunidade se não o desejamos. Desde então, comecei a me libertar daquele trauma juvenil. A cura veio-me logo que conheci e recebi a atenção e o carinho de Ximena Dávila e Humberto Maturana, em cuja sabedoria ancoro minha presente história. Reconheço, porém, que meu rumo intelectual poderia ter sido outro se não tivesse antes cruzado com a amizade do resiliente jurista e professor Paulo César Busato, que, ao lançar luzes sobre minhas cegueiras culturais, ajudou-me a eleger a rota que me levou à Escuela de Pensamiento del Sur del Mundo. Se não bastara, nessa deriva cultural, o Dr. Busato também me brindou um amigo e raro exemplar de humanidade, o jurista e professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, tão gigante, generoso e humilde quanto o próprio, a quem especialmente dedico esse singelo esforço reflexivo desde o Sertão da Bahia. Por fim, jamais poderia deixar de reconhecer o sacrifício, a compreensão e o apoio da minha família e de meus colaboradores que ajudam a tornar o meu viver edificante e prazeroso.
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[1] Ao fim da década dos 60, Maturana retorna à Universidade do Chile com um doutorado em Biologia, obtido na Harvard University, para ser professor substituto. Acabou tornando-se professor emérito no final da carreira. Em 2000, em Santiago, funda com Ximena Dávila a Escuela Matríztica de Santiago (EMS), em cuja instituição passaram a investigar a matriz biológico-cultural da existência humana que resultou na Biologia-Cultural (DÁVILA; MATURANA, 2008; 2015a).
[2] O filósofo alemão Immanuel Kant, na 2ª edição de sua Crítica da razão pura, considera o resultado da conciliação transcendental que ele próprio fizera, entre racionalismo e empirismo, uma revolução copernicana. (KANT, 2015)
[3] Ao comentar alguns artigos de Heinz von Foerster, o médico e psicoterapeuta argentino Marcelo Pakman (apud VON FOERSTER, 1991, p. 103), desde outra perspectiva, a exemplo do engenheiro Rolf Hernán Behncke Concha (BEHNCKE,1995), antevira essa transição do ontológico para o “‘epistemológico’, porque en el momento en que dejamos de considerar que las nociones que usamos son propiedad o atributo de los sistemas observados, para concebirlas como producto emergente de la interacción entre nosotros y el sistema observado (que es a su vez un sistema observador como nosotros), nos movemos de la ontología a la epistemología, de los sistemas observados a nuestro conocimiento de ellos”. (grifos nossos)
[4] Onfray (2008, p. 50 e 53) mostra que, além de ser dez anos mais novo que Sócrates, Demócrito sobreviveu mais de trinta a quarenta anos depois da execução por envenenamento de Sócrates. Se não bastara, a atividade de Demócrito de Abdera coincide exatamente com a de Platão (427-327 a.C.). Demócrito é, portanto, tão pós-socrático quanto Platão.
[5] Refiro-me à filósofa grega Diotima de Mantinea, citada no Banquete de Platão como uma das mentoras de Sócrates. Segundo Plutarco, outro lume do filósofo ateniense teria sido Aspásia de Mileto, manceba do general Péricles. Há relatos de que Sócrates frequentava as rodas reflexivas promovidas por Aspásia durante o Século de Ouro de Atenas. (EISLER, 1987, p. 259; 2007, p. 178)
[6] Uso esse termo para fazer referência à natureza singulossocial (singular+social) do ser humano enquanto unidade dinâmica ecológica organismo-nicho.
[7] Em algum momento, Ximena Dávila (TALLER…, 2021) me retribuiu com seu carinho e humildade essa descrição que faço em Santos (2021).
[8] Las palabras emocionar y, su plural, emocionares, las usamos para referirnos al acto de vivir una o más emociones, y la palabra emocionear la usamos para referirnos al movernos de una emoción a otra. (DÁVILA; MATURANA, 2015b, apunte 15, p. 545)
[9] A complementação entre colchetes indica uma transição terminológica entre o Maturana-I, da Biologia do Conhecer em coautoria com Varela e Uribe, e o Maturana-II, da Biologia-Cultural em coautoria com Ximena Dávila, quer dizer, da Árvore do Conhecimento à Árvore do Viver.
[10] “Al hablar de emociones evocamos las distintas clases de espacios operacionales relacionales que aparecen en nuestro vivir-convivir según los sentires íntimos que guían nuestro actuar, y que connotamos con los distintos nombres que les damos, como alegría, temor, envidia, rabia, curiosidad, amar y otros. (DÁVILA; MATURANA, 2015b, p. 266)
[11] “Como ser vivo humano, el observador no es un ente físico, sino que es una dinámica sensorial-operacional-relacional que surge como ente en la distinción de otro observador, o de si mismo, de la misma manera que cualquier otro ente, y no preexiste al acto de distinguir el distinguir en el que surge en las coordinaciones de sentires, haceres y emociones en el lenguajear que lo trae a la mano en el conversar, en el fluir de su convivir en coordinaciones de coordinaciones de sentires y haceres consensuales que constituye el observar.” (DÁVILA; MATURANA, 2015b, p. 384).
[12] La experiencia es lo que un observador distingue que le sucede. Lo que el observador no distingue que le sucede y lo que el observador no ve como un aspecto de lo que le sucede en su vivir, no es parte de su experiencia. (Id., op. cit., p. 101)
[13] Cf. Bauman (2001 e 2007).
[14] Id. Ib.
[15] Sobre o assunto, cf. Saldanha (2010).
[16] Frase atribuída a William Shakespeare, em As alegres comadres de Windsor (Ato V - Cena V: Page – 1600-1601).
[17] “Second, I think that in a particular respect Maturana's work represents a distinct advance on classical phenomenology, a major criticism of which is that it is essentially individualist and has great difficulty in generating the intersubjective nature of social reality (Mingers, 1984, 1992a). Here, Maturana begins from an intersubjective position. We are (as self-conscious beings) constituted through our language, and language is inevitably an intersubjective phenomenon. As Wittgenstein (1978) also argued, there can be no such thing as a private language. Thus [sic] language is essentially a consensual domain of agreements, of structural coupling that permits the operations of observers.”
[18] [I, Maturana]: “Once again I have to reject this classification of my views as solipsistic. Again: as the observer that I am, I do not at all deny the experience of an external world, nor the experience of common discourse and the experience of other people’s existence. I vehemently deny, however, that the operations of the nervous system can be related to this external world and its features in any meaningful way or that they can be derived from them. The nervous system operates as a closed system of changing relations between neuronal states of activity that continually lead to other changing relations between neuronal states of activity. For its operation as a system, nothing else exists but its own internal states. Only observers can distinguish between inside and outside or input and output and can, consequently, diagnose the impact of an external stimulus on internal processes and the organism or, conversely, an impact of the organism on the external world. What is described as adequate behaviour is the result of a relation established by observers”. (MATURANA; POERKSEN, 2011, I, 3., p. 10). Cf. tb. Dávila e Maturana (2015b, pp. 206, 309-310); von Foerster (1973; 1979).
[19] Por todos, cf. Streck (2014, Intr. 1.4, p. 7).
[20] Ao abordar o tema da objetividade, o ciberneticista von Foerster (2003, p. 285) argumenta que “… the claim for objectivity is nonsense! One might be tempted to negate ‘objectivity’ and stipulate now ‘subjectivity’. But …, please remember that if a nonsensical proposition is negated, the result is again a nonsensical proposition” ["... a reivindicação de objetividade é um absurdo! Pode-se ser tentado a negar a ‘objetividade’ e estipular agora ‘subjetividade’. Mas, ..., lembre-se que se uma proposta sem sentido for negada, o resultado é novamente uma proposta sem sentido". No tocante à ausência das condições biológicas necessárias à proclamação dessa tríade conceitual (objetividade/intersubjetividade/subjetividade) remeto o leitor às partes I, II e III deste ensaio, em especial à noção de condição hermenêutica.
[21] “The imagined order is inter-subjective. […]. In order to understand this, we need to understand the difference between ‘objective’, ‘subjective’, and ‘inter-subjective’.
An objective phenomenon exists independently of human consciousness and human beliefs. […].
The subjective is something that exists depending on the consciousness and beliefs of a single individual. […].
The inter-subjective is something that exists within the communication network linking the subjective consciousness of many individuals. If a single individual changes his or her beliefs, or even dies, it is of little importance. […].” (HARARI, 2018, Part Four, 6., p. 22, grifos no original).
[22] Cumpre esclarecer que no âmbito do PSM o que descrevemos como consciência não se trata de uma propriedade ou substância neurofisiológica (interna), mas sim de um “dar-se conta” de “un proceso, una dinámica relacional que nos orienta a vernos, a ver dónde estamos y a ver lo que estamos haciendo de modo que podemos escoger el camino que queremos seguir” (DÁVILA; MATURANA, 2019, Cap. 2., 2.2., p. 16). “La conciencia es un modo de operar en el lenguajear y el conversar en la distinción reflexiva sobre el propio hacer” (Id., 2015b, p. 86). […]. El sentir íntimo del ver lo que vemos en ese conversar es lo que llamamos darnos cuenta de lo que hacemos, ver aquello que aprendemos en el convivir pero que no vemos hasta cuando lo distinguimos al querer explicar a otro que también lo ha vivido. Y lo inconsciente aparece en el sentir íntimo de ese explicar al querer evocar el sentir del trasfondo de nuestra no conciencia desde donde sentimos que surge el sentir del ver que vemos que no vemos. En este explicar vemos que el ocurrir de nuestro vivir es inconsciente como la fuente no visible de los procesos íntimos desde donde surgen los actos concretos o abstractos de nuestro sentir relacional. […]. La fuente inconsciente de nuestro vivir-convivir no es algo oscuro o tenebroso, simplemente no se ve, y cuando creemos verlo lo que vemos no es lo inconsciente sino que nuestro sentir en nuestro vivir en el darnos cuenta de cómo sentimos el sentir que pensamos que sentimos en el presente cambiante que no vimos de nuestra epigénesis relacional. […]. Nuestro pensar es, primariamente, inconsciente; de hecho, cuando hablamos de pensar nos referimos a lo que ocurre en la intimidad inconsciente de nuestro silencio cuando, un rato después de decir “lo pensaré”, decimos algo que conecta nuestro momento presente con ese momento anterior de una manera que sentimos que hace sentido.” (Id., ib., p. 309).
[23] Vid. parte I, nota 8.
[24] Por sua fundamentabilidade, esta noção biocultural mereceu desenvolvimento especial do biólogo Humberto Maturana, em coautoria como Ximena Dávila, num escrito inédito finalizado em abril de 2021, mês anterior a seu falecimento, em 6 de maio de 2021. (EL ÚLTIMO... 2022).
[25] Cf. parte IV, nota 21.
[26] “Everything that is said is said by an observer (a human being) to another observer, who may be himself or herself [the original observer].” (DÁVILA; MATURANA, 2013, p. 76). “El observador es un ser humano que distingue lo que distingue como si lo distinguido existiese con independencia de su acto de distinción” (DÁVILA; MATURANA, 2008, p. 202).
[27] “Cuando explicamos, no explicamos un suceder que ocurre con independencia de nuestro operar, sino que una experiencia que hemos vivido. Así el acto de explicar consiste en la proposición de un mecanismo o proceso generativo que, como sistema de transformaciones lógicas en torno a la conservación de un conjunto particular de premisas básicas adoptadas a priori, daría origen, si se lo dejara operar, a la experiencia que se quiere explicar. Las premisas básicas que el observador adopta a priori no surgen en su sentir y pensar de una manera completamente arbitraria pues son abstracciones de las coherencias sensoriales-operacionales-relacionales de la realización de su vivir como ser humano en el ámbito en que ha vivido la experiencia que va a explicar…”
[28] Não obstante faça ressalvas ao que chama de pós-modernismo celebratório, aponta Santos (2004) que “são múltiplas as concepções que se reivindicam do pós-moderno. As concepções dominantes – onde pontificam nomes como Rorty, Lyotard, Baudrillard, Vattimo, Jameson – assumem as seguintes características: crítica do universalismo e das grandes narrativas sobre a unilinearidade da história traduzida em conceitos como progresso, desenvolvimento ou modernização que funcionam como totalidades hierárquicas; renúncia a projectos coletivos de transformação social, sendo a emancipação social considerada como um mito sem consistência; celebração, por vezes melancólica, do fim da utopia, do cepticismo na política e da paródia na estética; concepção da crítica como desconstrução; relativismo ou sincretismo cultural; ênfase na fragmentação, nas margens ou periferias, na heterogeneidade e na pluralidade (das diferenças, dos agentes, das subjectividades); epistemologia construtivista, não-fundacionalista e anti-essencialista”.
[29] Cf. Von Foerster (1979).
[30] “Hence, I submit in all modesty, the claim for objectivity is nonsense! One might be tempted to negate “objectivity” and stipulate now “subjectivity”. But, ladies and gentlemen, please remember that if a nonsensical proposition is negated, the result is again a nonsensical proposition.” (VON FOERSTER, 2003, p. 285).
[31] “... how do we distinguish ourselves if we are not objects external to ourselves?”
[32] Cf. Humberto… (2016b; 2021); Paulo (2021).
[33] Cf. Humberto... (2016a).
[34] Cf. Esse, talvez, tenha sido um dos motivos do rompimento da parceria Maturana-Varela. Digo provavelmente porque Humberto Maturana também enxergava em Heinz von Foerster um formalista, mas conservaram a amizade e colaboração recíproca por toda a vida. Sem embargo, ouçamos o próprio biólogo: "Heinz von Foerster was in his soul a mathematician. He always said to me that I had to formalize my notions about autopoiesis and about the operation of the nervous system, for them to have explanatory value and conceptual power. I did not agree with him as I did not agree with Francisco Varela who frequently said the same. I think that Heinz found in Francisco Varela a similar soul, and I believe that he felt close to him in this respect. (MATURANA, 2005, p. 79).
[35] “Some 25 years ago, Niklas Luhmann invited me to visit him in Bielefeld to talk about his view of social systems as autopoietic systems of communication. I asked him then: “Why do you want to leave human beings out of your considerations about the fundamental constitution of social systems?” His answer was: “I want to make a theory of social systems that would permit me to treat them in formal terms so that I may compute what may happen with them. Since human beings are unpredictable, they cannot be part of it.”
[36] “When I was a visiting professor at Bielefeld I never withheld my criticism but articulated it frequently in numerous debates. ‘Thank you for having made me famous in Germany,’ I said to Niklas Luhmann, ‘but I disagree with the way in which you are using my ideas’". (MATURANA; POERKSEN, 2011, I, 7., p. 3).
[37] Cf. Dávila; Maturana (2008, p. 177): “[…] el vivir humano es el origen de todas las cosas”.
[38] Cf. Guibentif (2004, p. 295-296). A Humberto Maturana (MATURANA; POERKSEN, 2011, I, 7., p. 5), Luhmann confidenciou ter eliminado os seres humanos de seu sistema conceptual para viabilizar a formulação de declarações universais. Efetivamente, segundo as palavras do próprio biólogo chileno: “He once told me that he excluded people from his theoretical design because he wanted to formulate universal statements. If one speaks about human beings, his argument was, universal statements become impossible. That view I do not share either.”
[39] “En sociología no es posible emplear el término organización, en este contexto, porque la organización designa un fenómeno social muy específico. Para efectos sociológicos bastaría decir que se trata de una reproducción autopoiética.”
[40] Maturana (DÁVILA e MATURANA, 2008, p. 337) esclarece que “La noción de autopoiesis molecular no es una definición del vivir, tampoco es una noción explicativa. Lo que la expresión autopoiesis molecular hace es describir en una sola palabra la configuración de procesos moleculares que constituyen a un ser vivo como ser vivo. Los seres vivos existen y son seres vivos en la continua producción de sí mismos: la autopoiesis es el ser y la realización del vivir. Hay más, aún. […]. Los seres vivos no tienen autopoiesis, no usan la autopoiesis para vivir, y la continua realización de la autopoiesis molecular es el vivir de lo que distinguimos como un ser vivo”.
[41] Cf. Id. Op. cit., p. 377.
[42] "... to present a corresponding concept of communication, one that avoids all reference to consciousness or life because it is situated on a different level of the realization of autopoietic systems. But I must at the same time caution that this is not to be taken to mean that communication is possible without life and consciousness".
[43] “excluye el que datos existentes en el entorno puedan especificar, conforme e las propias estructuras, lo que sucede en el sistema” [p. 280]
[44] “El acoplamiento estructural, como se ha dicho, se sitúa de manera ortogonal a la operación del sistema: selecciona lo que pude producir efectos en el sistema y filtra lo que no es conveniente que produzca efectos en él.” [p. 281]
[45] Segundo Humberto Maturana: “Structural coupling arises if the structures of two structurally plastic systems change through continual interaction without destroying the identity of the interacting systems.” (MATURANA; POERKSEN, 2011, I, 5., p. 4). Nesse ponto, com o devido respeito, divergimos de Vives Antón (2011, p. 459), relativamente à afirmação de que Luhmann se vale de um “modelo biológico de organismo” para construir sua teoria social. Com efeito, o uso que o sociólogo alemão faz do vocábulo autopoiese, no âmbito da Sociologia, muito se distancia de sua concepção original, no campo da Biologia do Conhecimento. São fenômenos diferentes que levam o mesmo rótulo, digamos. O físico Urrestarazu (2014; 2012; 2011a; 2011b), bem ao estilo formal de Luhmann (1995), Varela et al (2016) e von Foerster (1973), talvez tenha mostrado por todos os ângulos a impertinência dessa noção autopoiética aplicada ao domínio social.
[46] “El concepto de determinismo estructural señala que todo lo que sucede a un sistema o ente compuesto que distinguimos en nuestro vivir, opera según las coherencias operacionales de sus componentes y que nada externo a él puede determinar lo que sucede en él o con él.”
[47] “Structure denotes the components and relations that actually constitute a particular unit and make and its organization real”
[48] “For instance, even though social systems are autopoietic systems of the third order through being systems composed of organisms, that which defines them as what they are as social systems is not the autopoiesis of their components, but is the configuration of relations that these hold between them as individual organisms through their interactions: a configuration of relations that we connote in our everyday distinctions by calling such systems ‘social systems’”. [Por exemplo, embora os sistemas sociais sejam sistemas autopoiéticos de terceira ordem por serem sistemas compostos de organismos, o que os define o que são como sistemas sociais não é a autopoiese de seus componentes, mas a configuração das relações que estes mantêm entre si como organismos individuais por meio de suas interações: uma configuração de relações que conotamos em nossas distinções cotidianas ao chamar tais sistemas de “sistemas sociais”. (MATURANA; PAUCAR-CACERES; HARNDEN, 2011, p. 299).
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